A naturalização de Pedro Pablo Pichardo em tempo recorde reacendeu a polémica e já uma outra se avizinha quando (e se…) o atleta de origem cubana vier a bater o recorde nacional de Nelson Évora (17,74), algo bem possível já que o atleta tem 18,08 (em 2015) como recorde pessoal e ainda na época passada chegou aos 17,60 com escassas competições realizadas e após prolongada lesão.
Naturalmente que será um recorde no mínimo “estranho”, já que o atleta só há meses chegou a Portugal e bem pouco tem a ver com o atletismo nacional. E também porque o recorde que cairá é histórico – foi batido quando Nelson Évora se sagrou campeão mundial em Osaca’2007, um ano antes do seu título olímpico de Pequim.
Mas factos são factos e nada obstará a que esse eventual recorde passe a fazer parte das listas. Afinal, um pouco à semelhança do recorde de Lorène Bazolo nos 100 m (um recorde histórico de Lucrécia Jardim), conseguido pela atleta de origem congolesa pouco tempo após a sua naturalização, embora ela já vivesse em Portugal há três anos. E até – embora ainda menos, já que ele veio para Portugal ainda com idade de juvenil – os recordes de Francis Obikwelu soam a algo de estranho, dada a origem do atleta… e a sua larguíssima vantagem sobre os “nossos”.
Em suma: a questão é complexa e… melindrosa. Afinal, Nelson Évora e Naide Gomes, por exemplo, também só são portugueses desde os seus 18 e 21 anos, respetivamente. Embora com uma grande diferença: vivem em Portugal desde crianças e sempre aqui fizeram as suas carreiras.
À primeira vista, a única solução parece ser encolher os ombros e pensar que tudo isto é fruto dos tempos que correm. Mas se lamentamos (e achamos mal) quando um queniano-turco se sagra campeão da Europa de corta-mato ou quando as equipas espanholas que participam na Taça dos Clubes Campeões Europeus se enchem de ex-marroquinos, não podemos pensar de forma diferente quando somos nós os “prevaricadores”. Felizmente que a IAAF (embora tarde…) acordou para o problema e se propõe atacá-lo (resta saber como…). E nós, amantes da modalidade e Federação/Associações Regionais? Até que ponto poderemos amenizar o problema, embora sabendo que não o podemos evitar? Não custa a crer que, muito em breve, tenhamos por aí um fundista queniano de grande classe a procurar naturalizar-se para reforçar um dos dois grandes do nosso atletismo. E, depois, a bater os recordes de Portugal.
Claro que não é possível evitar que, sendo Pichardo português, venha a bater o recorde do triplo. Se a naturalização, em vez de alguns meses demorasse dois anos, o recorde cairia então. Gostemos ou não, na lista de recordes estão também Bazolo e Obikwelu que, tal como Pichardo, não têm culpa alguma e têm todo o direito de ter optado pela nacionalidade portuguesa.
Mas a questão dos recordes vai mais longe. Tem a ver não só com os ex-recordistas como também com os futuros. Quando serão batidos os recordes de Obikwelu? Que incentivo têm os atuais (e próximos) velocistas vendo que esses recordes continuam inalcançáveis?
Só vemos uma solução: a par dos recordes nacionais batidos por atletas naturalizados, seriam homologados/considerados os recordes batidos por atletas não naturalizados. Mas com uma ressalva (atendendo aos exemplos de Naide Gomes e Nelson Évora): só seriam considerados atletas naturalizados, aqueles que o fizeram depois de completarem 18 anos e estiveram antes filiados na federação do seu país de origem.
Em suma: passaria a haver dois recordistas nacionais nos 100 m (M e F) e 200 m (M). E, quando (e se) for o caso, também no triplo (M)… ou em qualquer outra prova em que tal se justifique. Assim, a tabela de recordes nacionais passaria a incluir:
100 m (M) Francis Obikwelu 9,86 (2004)
S/atl.nat. David Lima 10,05 (2017)
200 m (M) Francis Obikwelu 20,01 (2006)
S/atl.nat. David Lima 20,30 (2017)
100 m (F) Lorène Bazolo 11,21 (2016)
S/atl.nat. Lucrécia Jardim 11,30 (1997)
Nota: S/atl.nat. – sem se considerarem os atletas naturalizados depois de completarem 18 anos e que tenham estado filiados na federação do seu país de origem.
Uma ideia para debate…