Poucos são os corredores que já não passaram pela dor de burro. Quais as suas causas, como preveni-la? Isabel Carriço responde a estas questões.
A “dor abdominal transitória relacionada com o exercício” é um problema de causa desconhecida e contornos difusos, mas muito comum. Nunca ouviu falar? Trata-se da famosa “dor de burro” que afeta, sobretudo, praticantes de corrida e de equitação.
Certo é que, clinicamente, a dor de burro existe mesmo e sensações de “facada” ou “cãibra” na zona lateral da barriga são até um problema comum em muitas atividades desportivas. Chama-se “dor abdominal transitória relacionada com o exercício (Exercise Related Transient Abdominal Pain (ETAP)) e é especialmente prevalente em atividades que envolvem o movimento repetitivo do tronco com o mesmo numa posição vertical, como na corrida e na equitação.
Causas possíveis da dor de burro
Aproximadamente 70% dos corredores relata ter tido dor de burro pelo menos uma vez ao longo de um ano de atividade desportiva e cerca de um em cada cinco participantes de eventos de corrida podem sofrer deste problema, informa o médico. Apesar de não haver certezas sobre a origem da ETAP, várias teorias têm sido apresentadas para explicar o mecanismo responsável pela dor de burro, incluindo:
— Isquemia do diafragma, ou seja, má irrigação sanguínea do músculo que divide a cavidade torácica da região abdominal;
— Stresse sobre os ligamentos viscerais de suporte que prendem os órgãos abdominais ao diafragma;
— Isquemia gastrointestinal;
— Cólicas da musculatura abdominal;
— Dor isquémica resultante da compressão da artéria celíaca — da qual saem as artérias responsáveis pela vascularização dos grandes órgãos abdominais, estômago, fígado, duodeno, baço e pâncreas — pelo ligamento arqueado mediano do diafragma.
— Irritação dos nervos espinhais, que ligam a medula espinhal aos músculos esqueléticos do tronco;
— Irritação do peritoneu parietal, membrana serosa que cobre as paredes anteriores e laterais do abdómen e que, em conjunto com peritoneu visceral, protege toda a cavidade abdominal.
“Destas teorias, a irritação do peritoneu parietal é a que melhor explica as características da dor abdominal transitória relacionada com o exercício”. “No entanto, é necessária mais investigação nesta área para melhor definir a sua causa”.
Prevenção da dor de burro
A dor abdominal transitória relacionada com o exercício é “descrita como uma sensação de “facada” e/ou cólicas quando mais intensa, ou tipo ‘cãibras’ quando menos intensa”. Parar, massajar a zona, dobrar o tronco para a frente de modo a permitir o alongamento do diafragma, entre outras, são alguns dos conselhos habitualmente dados para o alívio da dor, mas todas “as estratégias são pouco credíveis, especialmente porque a etiologia da dor continua a não estar totalmente elucidada”.
Mais confiáveis são os conselhos de prevenção. Sabe-se que sintomas da dor de burro “são exacerbados pelo estado pós-prandial”, ou seja, tendem a piorar após as refeições, e também que “as bebidas hipertónicas são particularmente provocadoras dos sintomas”. Assim, deve-se:
— Evitar ingerir grandes volumes de alimentos e de bebidas durante pelo menos duas horas antes do exercício, especialmente compostos hipertónicos;
— Melhorar a postura, especialmente na região torácica;
— Aumentar o apoio dos órgãos abdominais, melhorando a força do “core” ou usando uma cinta larga de suporte.