O número de portugueses que vêm aderindo às provas de montanha/trails não pára de aumentar. Deixamos seguidamente algumas notas acerca dos cuidados a ter nos treinos e em provas de montanha.
Treinos de força para corredores existem muitos, de variados tipos e maneiras de fazer. Uns mais específicos, outros mais gerais, alguns especiais. De qualquer modo, treinar a força é algo que os corredores não devem negligenciar, pois são muitos os benefícios desta prática habitual.
Como exemplos desses benefícios estão o aumento do consumo de oxigénio, elevação da capacidade de tolerância ao esforço e melhoria da coordenação muscular. Mas há que ter determinadas precauções para que o treino de força não venha a ser um incómodo ao corredor. Assim, devem ser tomados cuidados ao se treinar em terrenos muito íngremes. Essas elevações monte acima, que a princípio parecem interessantes, devem ser realizadas apenas ocasionalmente.
O problema, quando se exagera nas corridas em subidas acentuados, irá incidir sobre e principalmente os tendões calcâneos e os músculos dos gémeos, que podem inflamar-se após essas práticas e abusos mal programados. E o corredor já sabe: tendões e músculos inflamados significam não treinar e não competir.
Entretanto, longe de ser um vilão, a corrida monte acima ou o treino em rampas é um dos meios naturais mais eficientes para se treinar a força, mas que exige disciplina e disposição do corredor para a sua execução.
Escolha de um local apropriado
A primeira coisa a fazer, ao treinar-se em rampas, é exatamente escolher um local apropriado. Pode ser um relvado, terra batida ou mesmo asfalto. O importante é observar a inclinação do terreno, os obstáculos na superfície (buracos, pedras etc) e a distância do trajeto, que deve estar adequado às pretensões do corredor.
A inclinação do terreno é fundamental: devem ser evitadas subidas muito acentuadas (imagine aquela rampa em que se vislumbra apenas o céu…). A melhor rampa é aquela em que o corredor pode sentir a dificuldade da subida gradual, mantendo-se o ritmo da passada e a postura.
O treino em rampas deve ser realizado uma ou duas vezes na semana, não mais do que isso. Caso o corredor já faça treinos em percursos acidentados e com variadas subidas e descidas, as rampas poderão ser observadas apenas uma vez na semana. Eventualmente, um desafio mais íngreme poderá ser realizado, desde que isso não traga problemas futuros ou imediatos ao corredor.
Por tempo ou distância?
Longas e suaves, curtas ou verdadeiras paredes. As subidas têm variações que ajudam a trabalhar tanto a potência aeróbia como a anaeróbia – pulmões e músculos. O nível de esforço empreendido vai depender da preparação física de cada corredor, mas os seus benefícios são comuns a todos: ganho de força e de resistência muscular.
Enquanto as subidas longas, acima de 400 metros, ensinam o corpo a ativar fibras musculares quando o cansaço surge, ajudando a aumentar o ritmo no fim de uma prova, por exemplo, as subidas curtas de até 100 metros, permitem trabalhar em alta intensidade, com menor risco de lesões.
Após a decisão por colocar o treino em rampa no plano de treinos semanal, o corredor irá optar pela melhor maneira de percorrer o trajeto: por tempo ou por distância? Quantas repetições? O que fazer na recuperação? Distância e tempo fixo ou progressivo? Qual o ritmo?
Feito isso, o corredor terá algumas opções interessantes para realizar esse treino, que é tão temido por muitos atletas, mais pela incompreensão do seu modo de fazer do que propriamente pelas suas dificuldades.
Nos treinos em rampa, o ritmo utilizado deve estar próximo dos 60/70% do ritmo de competição. Mas atenção: treinos em rampas prolongadas e em velocidades elevadas apenas promovem desgaste e não cumprem com o seu objetivo principal, que é aumentar a capacidade de tolerância ao esforço. Portanto, o ritmo deve ser moderado ao enfrentar as subidas.
Entre uma e outra repetição, o corredor retornará trotando ou caminhando até ao local de início. É a sua recuperação antes de iniciar a próxima subida.
O corredor também poderá seguir a seguinte orientação metodológica: em períodos mais distantes da competição, as rampas devem ser realizadas em terrenos relvados; num segundo momento, em caminhos de terra batida; e, próximo das provas, no asfalto.
Longe das provas, as distâncias ou a duração poderão ser maiores; próximo das provas, distâncias e durações menores são mais interessantes (manutenção da forma).
Tal orientação vai de encontro à especificidade do treino, ou seja, quanto mais próximo da prova, mais o treino se dirige para solucionar as tarefas específicas da preparação. Além disso, a variação do terreno auxilia o corredor na proteção de seus tendões e músculos.
No caso contrário, ou seja, a corrida em descida ou “monte abaixo”, muita cautela. Os músculos posteriores da coxa são muito exigidos na sua extensibilidade e força e o efeito de frenagem provocam transferências negativas sobre a técnica de corrida. O risco de lesões é maior e será pouco todo o cuidado.
No treino
Há várias formas e momentos de incluir as subidas no treino. Há treinadores que gostam de adotar subidas suaves no percurso de atletas que regressam aos treinos depois de uma pausa ou no início de uma nova temporada.
Essas subidas no período de base servem para elevar a frequência cardíaca dos corredores com mais segurança. Elas são incluídas durante os treinos em intensidade leve. Outra vantagem é que as subidas promovem uma acidose muscular, ajudando a melhorar a eficiência de remoção do lactato.
Porém, para quem está começando do zero, a recomendação é que elas apareçam só a partir de quatro semanas de treino no plano. Os iniciados precisam de uma adaptação na musculatura para suportar a sobrecarga sem problemas. A musculação é muito importante nessa fase inicial.
Com a musculatura mais fortalecida, na segunda metade do período de base e no período pré-competitivo, é possível começar a utilizar as rampas para o trabalho de força. Um estudo publicado no periódico científico americano “Journal of Biomechanics” comprovou que correr em subida em ritmo rápido resulta em maior “recrutamento de fibras musculares” nas pernas e no quadril do que correr em ritmo lento. Isso significa que o corredor passa a usar um número de fibras maior durante a atividade e isso melhora o seu desempenho.
A força explosiva melhora o rendimento, não só nas subidas como no plano, com mais eficiência das passadas e a manutenção de um ritmo forte com menor esforço.
Estratégias mentais
Outra vantagem em treinar na montanha é ganhar mais confiança no seu desempenho. É por isso que muitos corredores gostam daquelas subidas que a maioria prefere ignorar. As subidas são a superação, quando a experiência e a estratégia se tornam mais importantes. Para controlar a ansiedade de conquistar logo o topo, não se deve olhar para o final da subida.
Monte abaixo
Após subir, terá de descer. Embora se diga que todos os santos ajudam, não confie apenas neles para fazer a descida mas sim nos seus quadríceps, os músculos da perna responsáveis por absorver boa parte do impacto, que é muito maior nesse momento. Por isso mesmo, um ritmo intenso, além de maior risco de lesão, pode levar a uma fadiga localizada que será depois sentida.
Portanto, descer a travar ou solto, vai depender da preparação de cada um. Os atletas profissionais descem soltos, em ritmo forte, para obter uma boa performance. Estão preparados para isso. Para os atletas populares, o melhor é controlarem a descida.
Cuidar da postura
Cuidar da postura também é importante para se proteger mais. Além de manter o tronco levemente inclinado para trás, para deslocar o centro da gravidade, os seus pés devem entrar em contacto com o chão logo abaixo do seu corpo, não à frente. Assim o impacto será mínimo. Um movimento menor dos braços também ajudará a encurtar a passada. Corra na ponta dos pés e suba com passos curtos.
Apesar de mais delicado, o treino em descidas é fundamental para aperfeiçoar a economia de energia durante a corrida.
Que marcha aplicar?
No momento de encarar as subidas durante a prova, reduzimos para a primeira ou mantemos o andamento? Pode afirmar-se que há duas estratégias de ritmo. Para quem está mais bem preparado, é possível reduzir pouco durante toda a elevação, mantendo um ritmo forte para recuperar no plano ou na descida que vem a seguir.
Já quem ainda não tem tanta perna e fôlego, deve poupar-se, principalmente na primeira metade da subida, para não chegar morto ao final. Deve-se correr de forma relaxada no início e tentar compensar essa diminuição de ritmo mais à frente, no plano, aumentando levemente a intensidade.
Nas subidas muito fortes, deve hidratar-se bem.
Agora que já conhece algumas formas para realizar o treino de força nas subidas e a sua saúde está em dia – pois as subidas vão exigir algo mais de si – vá adiante, pois as rampas esperam-no!