Natasha Hastings, dona de medalhas de ouro olímpicas e em Mundiais, foi vítima de ofensas por causa do seu físico na adolescência e pensou deixar o atletismo
Ao longo da sua carreira, a norte-americana Natasha Hastings obteve mais de 15 pódios em torneios internacionais. Aos 31 anos, tem dois ouros olímpicos, obtidos nos Jogos de Pequim 2008 e do Rio Janeiro 2016, e outros cinco em Campeonatos Mundiais. Mas estas medalhas não são o seu maior motivo de orgulho.
Natasha atribui à perseverança a sua maior glória. Porque foi exatamente por causa dela que não abandonou o desporto e a auto estima. Quando era adolescente, ela foi ofendida, intimidada e humilhada por companheiros na escola em que estudava, em Harlem, Nova York. Filha de uma ex-atleta, interessou-se desde cedo pelo atletismo. Ainda antes dos 15 anos, já apresentava um corpo maduro, com braços e pernas fortes, muito mais do que o normal numa adolescente em formação.
Para o desporto, era o biótipo perfeito. Para a sociedade, não. Foi qualificada de homem, masculinizada, e teve de conviver com isso vários anos. Muito antes de as ofensas serem consideradas bullying e acabarem reprimidas em larga escala em todo o lado. Natasha acusou o golpe durante todo esse período e pensou deixar a modalidade. Foi convencida a continuar pela mãe, a ex-atleta Joanne, e alguns outros familiares.
“Houve horas em que não acreditei em mim. Não sabia se poderia ir além. Nesses momentos, foi preciso ter pessoas para me apoiar e dar aquele empurrão. O público vê-nos como super heróis, mas a verdade é que só nos veem na TV durante 50 segundos. O que acontece por trás dessa fachada é muito maior. O bullying com o meu corpo afetou-me, mas também me transformou e fez crescer”, afirmou a atleta.
Natasha especializou-se nos 400 m, apesar de ter tempos respeitáveis nos 100 e nos 200 m e foi campeã mundial júnior da distância. Em 2007, com apenas 21 anos, tornou-se campeã mundial sénior na estafeta 4×400 m em Osaka, no Japão. Na época seguinte, esteve pela primeira vez nos Jogos Olímpicos e saiu de Pequim com mais uma medalha de ouro nos 4×400 m. O sucesso estendeu-se com títulos mundiais em 2009 e 2011 (em Mundiais pista coberta) e 2010 (em Mundial ao ar livre). Estes triunfos compensaram de certa forma o bullying de que foi vítima na adolescência.
“A melhor coisa é perceber que tudo é um processo, uma jornada. Haverá sempre obstáculos e momentos de descrença. Mas é preciso não cair “
Quando parecia que as humilhações pertenciam ao passado, Natasha deparou com outro revés que o destino lhe apresentou. Nas seletivas dos EUA, perdeu o lugar para os Jogos Olímpicos de Londres 2012. Pela primeira vez em muitos anos, via a sua confiança esvair-se na mesma velocidade das suas passadas.
“2012 foi o momento decisivo da minha carreira. Até lá, eu havia sempre conseguido entrar nas seleções americanas. Lembro que saí da seletiva e não queria falar com ninguém. Decidi acabar com a minha carreira no atletismo ali mesmo. Foi como me senti na adolescência. Mas, aos poucos, juntei os cacos. Foi o que fez a diferença na minha vida”, disse.
Da deceção em 2012, ela renasceu no ano seguinte. Foi campeã nacional e assegurou uma vaga na equipa que foi ao Mundial de Moscovo, de onde saiu com mais um ouro no 4×400 e um quarto lugar na prova individual.
Depois com o quarteto, ela foi prata no Mundial seguinte, em Pequim, em 2015. E chegou aos Jogos do Rio Janeiro 2016, com ambições de conquistar mais medalhas de ouro, na estafeta e individual.
O topo do pódio veio, como vinha sendo hábito, no 4×400 m. Mas nos 400 m, ela ficou apenas em quarto lugar. A falta de conquistas individuais gerou comentários jocosos nas redes sociais. Natasha, a campeã que venceu o bullying, foi intitulada de “rainha das estafetas “.
“Eu odeio dizer isto, mas a minha mãe tem de me lembrar quantas medalhas eu tenho, porque cobro-me sempre me pela falta de títulos individuais. Esteve tão perto em 2016 que pareceu que levei um soco. Ainda é difícil pôr isso em palavras, ter chegado tão perto e ficar tão longe. Mas comecei a pensar que, embora não tenha acontecido como queria, tenho uma carreira para celebrar. Quantas mulheres no mundo têm tantas medalhas, seja em estafetas ou não? Já houve comentários de eu ser considerada a “rainha das estafetas”, mas, quer saber? Eu aceito, sou parte da história. Se eu ficar conhecida como rainha das estafetas, que assim seja”, observou.
A aceitação faz parte da sua nova filosofia. E assim ela quer chegar até ao seu próximo e último desafio competitivo, os Jogos Olímpicos de Tóquio, que chama de sua “última volta”. É lá que ela quer retirar-se, com a certeza de que superou as humilhações para ser o melhor que podia.
“O sonho perfeito seria voltar de Tóquio para casa com duas medalhas de ouro no peito. Se não conseguir, ao menos transmiti a mensagem que sempre quis”.