Rosa Mota venceu Chicago em 1983 e 1984
Rápida, democrática e apaixonada, são os adjetivos mais precisos para definir a Maratona de Chicago. O percurso quase totalmente plano – pelas suas ruas, avenidas e parques – é perfeito tanto para os atletas de elite como para os corredores populares, ambos procurando os seus recordes pessoais.
A terceira cidade mais populosa dos Estados Unidos presenciou quatro recordes mundiais da maratona (número apenas atrás de Berlim) e batalhas inesquecíveis nos seus 40 anos de vida. Os seus recordes atuais são mais bem expressivos: 2h03m45s do queniano Dennis Kimetto em 2013, e 2h17m18s da britânica Paula Radcliffe em 2002.
Além do elevado nível na elite, Chicago ainda oferece o calor de mais de 1 milhão e 700 mil pessoas (números do evento do ano passado) que se amontoam nos passeios e relvados para incentivar os competidores.
“Corri Chicago duas vezes. As pessoas torcem e empurram-nos bastante. Como a corrida é em formato de trevo, isso permite que as famílias e amigos nos vejam em vários pontos, alcançando-nos após caminhar apenas alguns quarteirões”, disse o veterano norte-americano George Walk.
Maratona de Chicago: espírito e traçado único
Há um espírito diferente na prova. Um canto único, amplo e penetrante com o seu rio, lago e parques; como a vibração e hospitalidade dos habitantes e a música essencial do lugar, os blues.
A maratona de Chicago consegue levar os corredores a uma viagem por quase toda a cidade: 29 bairros com grande variedade étnica e cultural – do norte, oeste e sul – são atravessados pela prova.
Além da diversidade, o percurso é agraciado com a beleza de parques e de uma das mais agradáveis visões urbanas do país: os prédios e outras construções da famosa escola arquitetónica de Chicago, simbiótica do clássico com o moderno. O prazer para os sentidos vem ainda do verde rio Chicago, cruzado cinco vezes na prova; e do vento constante do Lago Michigan, que parece mar.
O trajeto começa no Millenial Park, famoso por esculturas feitas especialmente para o parque como a Cloud Gate, obra espelhada em forma de feijão, refletindo os arranha- céus da cidade e as árvores do parque, e que é a rainha das selfies de grupos.
Próximo dali, está também o Art Institute, talvez o melhor museu dos Estados Unidos. Depois, os corredores seguem pela pulsante e icónica área central chamada Loop, tanto um centro financeiro como comercial e cultural. Ali está o tradicional Chicago Teatre. No km 10, a prova atinge o Lincoln Park, com vista para o jardim zoológico e o belo Diversey Harbor, porto nas margens do Lago Michigan.
A prova prossegue com os corredores sendo abraçados pelo entusiasmo do bairro de Boystown (km 13): surge a música ao vivo, cheerleaders e performers de todos os géneros. No km 20, sente-se um grande clamor no West Loop, área da claque colocada pelo Bank of America, patrocinador da prova. O barulho e o apoio crescem ainda mais na Charity Bloc Party (km 22), área onde aparecem os voluntários de quase 200 instituições de caridade.
No km 30, a força e a beleza vêm dos murais coloridos, lojas independentes e restaurantes mexicanos do bairro de Pilsen. A comunidade vibra e empurra como poucas, sabendo que a maratona entra no seu marco decisivo.
A meio do km 33, surge a festa de Chinatown, muita música chinesa e pessoas vestidas de dragões. Depois chega-se a Bronzeville, bairro que preserva a história e a cultura afro-americanas. Finalmente, na 26ª milha ou meio do km 41, é hora de encarar a leve subida de Slight Mil, pequena colina antes da reta final no Grant Park.
História de amor à corrida
. Novembro de 1976
O sonho de criar a Maratona de Chicago nasce de um eclético grupo interessado tanto no desporto como na saúde, urbanismo e parques. Dois professores de educação física da ACM (um homem e uma mulher), um cardiologista, um consultor financeiro e um diretor de associação de amigos dos parques, todos entusiastas da corrida, decidem que a cidade precisa de uma maratona.
Uma das barreiras, porém, é a resistência de Ed Kelly, superintendente de todos os parques da cidade. Correr na época, é considerado algo danoso para as áreas verdes, é simplesmente proibido nos parques e nas margens do Lago Michigan.
• Maio de 1977
O médico daquele grupo, Noel Nequin, organiza com sucesso uma prova de 10 milhas, com mais de mil corredores, e entusiasma o novo presidente da Câmara e corredor fervoroso, Michael Bilandic, que decide tornar Chicago “a capital mundial da corrida”. Nesse sentido, ele começa por transformar 8 km de um antigo caminho equestre ao longo do lago num trilho de corrida. Iniciou-se assim um cenário que hoje oferece quase 30 km de caminhos para correr.
Apoiado pelo governo local, o sonho da Maratona de Chicago virou realidade com o apoio financeiro da empresa Flair Communications. O dia 25 de Setembro de 1977 marca os primeiros 42,195 km corridos na cidade, com o então fantástico número de 4.200 atletas. A prova ganhou força em 1979, atraindo a elite mundial graças ao patrocínio da Beatrice Foods. A partir de 1987, com a saída da empresa, Chicago torna-se uma prova menor e só volta a atrair os melhores do mundo em 1994, com o investimento do La Salle Bank.
Os momentos épicos da maratona
Chicago tem uma história de batalhas formidáveis, como a vencida em 2017 pelo norte-americano Galen Rupp. Bronze nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, ele chegou à frente do queniano bicampeão mundial da prova, Abel Kirui. Desde 1982 (vitória de Greg Meyer), que um corredor nascido nos Estados Unidos não vencia essa prova. Marcante no ano passado também, foi o triunfo da etíope Tirunesh Dibaba, bicampeã olímpica dos 10.000 metros (Pequim e Londres) quebrando a hegemonia das quenianas. Os grandes triunfos de Rupp e Dibaba ficam atrás, porém, de duas provas épicas.
Nunca houve, entre as mulheres, uma disputada como a de 1985. Nesse ano, a primeira campeã olímpica, Joan Benoit (a maratona feminina estreou-se nos Jogos em Los Angeles 1984) lutou contra a então recordista mundial, a norueguesa Ingrid Kristiansen e a medalhada de bronze em Los Angeles e bicampeã em Chicago, Rosa Mota que vencido a prova nos anos de 1983 e 1984.
A norte-americana venceu com 2h21m21s, bateu o recorde dos Estados Unidos e ficou a apenas 15 segundos da marca mundial de Ingrid. A norueguesa fica em segundo, 45 segundos atrás, e Rosa Mota, em terceiro lugar, fez o tempo da sua vida, com 2h23m29s, que ainda é recorde nacional.
Entre os homens, o ano mágico é o 2010, do combate entre o etíope Tsegaye Bekede e o jovem queniano Sammuel Wanjiru, que estreara nessa prova apenas três anos antes e já era campeão e recordista olímpico em condições infernais de calor, humidade e poluição altíssimas (Pequim 2008). Wanjiru, 23 anos, defendia o seu título (de Chicago 2009), mas chegara a Chicago após um ano terrível, lutando contra o seu vício no álcool, excesso de peso e vida desregrada.
Era a dura espiral de autodestruição do menino miserável que de repente, ficou rico com o sucesso nas corridas. O queniano só se levantou após o seu manager o levar para Itália e tratar do seu vício. Ele voltou ao Quénia apenas dois meses antes de Chicago. Treina intensamente, chega a fazer treinos de 30 km entre 3m10s/km a incríveis 2m45s/km.
Estamos então em Chicago, 2010. Três lebres lideram a prova, passando à meia em 1h02m35s. Ao km 30, Kebede lança um ataque demolidor que parte o pelotão de frente, menos Wanjiru, Lilesa e Corir. No km 40, a luta ficou reduzida a Kebede e Wanjiru, que protagonizam, o que para muitos seria o maior final da história de uma maratona.
A algumas centenas de metros da meta, Kebede ataca furiosamente, isola-se mas recebe um contra-ataque ainda mais vigoroso do rival e o filme repete-se. É só nos últimos 400 metros que a prova será decidida.
Wanjiru morreu menos de um ano depois. Após trair a esposa de novo com uma das suas amantes, tentou fugir de um situação em que foi apanhado em flagrante, saltando pela janela da sua casa. Bateu com a cabeça no chão e não resistiu.
No próximo dia 7 de Outubro, espera-se que alguns dos craques como Mo Farah, bicampeão olímpico dos 5.000 e 10.000 metros em Londres e no Rio; o vencedor do ano passado, Galen Rupp; o último vencedor de Boston, o japonês Yuki Kawauchi, entre outros – honrem a memória de Wanjiru. Entre as mulheres, que o legado de Joan Benoit, Ingrid Kristiansen e Rosa Mota inspire outras heroínas.
Dicas técnicas e turísticas
•Vagas
Garantidas para atletas com marcas sub-3h15m (homens) ou 3h45m (mulheres). Os restantes precisam de se inscrever num sorteio (aberto durante seis semanas antes de Abril). A taxa de inscrição para estrangeiros é de 210 dólares. Outra opção é comprar um pacote nas agências de turismo ou doar uma quantia considerável para o Run For Charity, programa de caridade da Maratona de Chicago.
•Segredos
Quem sai muito devagar, não consegue melhorar o seu tempo; mas se sair muito rápido, vai sentir no final. O cuidado é vital sobretudo se fizer calor, pois a partir do meio da prova, não há muitas sombras. Outra dica importante é correr cortando as curvas, pois o percurso tem muitas.
•Passeios
A área central, onde está o vibrante bairro Loop, e a maioria dos bairros, bem diversos nas suas etnias, são facilmente percorridos a pé. Imperdível também, é o passeio de barco pelo rio Chicago.
•Arte, cultura e áreas verdes
Além do fabuloso museu Art Institute e das grandes esculturas, ambas no Millenium Park, e dos inúmeros jardins e parques (cerca de 500), o verão é um convite às inúmeras praias nas margens do Lago Michigan. Já os amantes da boa música, não podem perder o mergulho no som essencial da cidade, os blues.
. Livro
A melhor obra publicada sobre a maratona de Chicago é “The Chicago Marathon”, do professor Andrew Suozzo, uma ampla análise histórica, sociológica, comercial, desportiva e humana da prova.
•Clima
A temperatura média na época da maratona ronda entre os 9 e 19°C. Mas já houve provas bem frias e, o contrário disso, infernais como a do ano passado: o calor intenso gerou muitos resgates de emergência, internamentos e até uma morte.