O queniano Eliud Kipchoge é o recente recordista mundial da maratona em Berlim com a marca de 2h01.39s. Dado o seu interesse, reproduzimos uma interessante entrevista que ele deu à revista O2, onde fala do seu recorde e dos seus planos para o futuro.
O2: Acha que a prova de hoje (16 de setembro) pode ser considerada perfeita para si?
Eliud Kipchoge: Foi perfeita. Eu corri sozinho nos últimos 17 km, mas não acho que o recorde possa ser atribuído a isso. Só pensava que tinha que manter o ritmo até ao último quilómetro.
02: Bateu o recorde mundial. Quando “caiu a ficha” de que isso iria acontecer durante a corrida?
Eliud Kipchoge: Tive a certeza do recorde depois do km 30. No final de uma prova, vemos um monte de corredores com cara de dor.
02: O que faz para não senti-la? Existe alguma estratégia?
Eliud Kipchoge: A dor está em todo o lugar quando se corre uma maratona. Mas precisa tentar afugentar esses pensamentos (de que está sentindo dor) e só se concentrar na corrida.
02: O que pensa durante uma corrida importante como esta? Como é que faz para superar os seus limites?
Eliud Kipchoge: Eu não acredito em limites. Quando eu treino, tento ouvir o meu corpo e desafio-me a ir além no momento certo. É importante ouvir-se.
02: O “muro” do sub-2 da maratona continua firme e forte, embora esteja a 99 segundos de bater essa barreira. O que acha que é preciso acontecer para esse recorde ser superado numa prova de asfalto?
Eliud Kipchoge: Na verdade, estou a apenas 25 segundos de bater essa marca (no ano passado ele participou do projeto Breaking2 da Nike em Monza, na Itália, onde fez os 42 km em 2h00m25s). Não tem segredo, tampouco incentivo científico para isso. Tudo o que se precisa é acreditar, ter um excelente time que acredite em si e no desafio. E, claro, calçar o ténis perfeito e ser mais forte do que qualquer outro corredor por aí. Então, tudo se torna possível.
02: Correu com um ténis desenvolvido com a sua ajuda e ajustado para os seus pés. Acredita que o modelo contribuiu para esse recorde?
Eliud Kipchoge: Esse ténis é para qualquer corredor, não só para mim. Eu testei o modelo e dei as minhas impressões para a Nike. E, sim, posso dizer que ajudei a desenvolver um ténis mais rápido do que qualquer outro já produzido. Entretanto, ainda é preciso ser bom e correr rápido.
02: Quais são os três requisitos básicos para se correr uma maratona?
Eliud Kipchoge: Treino consistente, paixão e autodisciplina. Esta última está relacionada a ser focado e levar uma vida simples.
02: Qual o seu conselho para quem está treinando para a sua primeira maratona?
Eliud Kipchoge: Novamente, o treino é importante. Mas é mais importante injetar paixão no processo. Você precisa crer fortemente que está apto a correr a distância pretendida. Essa é a magia da maratona.
02: Fica nervoso antes de uma prova?
Eliud Kipchoge: Bom, a tensão está lá, mas ela é importante: sem ela, não há hipóteses de vencer a prova.
02: O que sentiu ao cruzar a linha de chegada? Ficou surpreso?
Eliud Kipchoge: Eu senti-me ótimo, mas fiquei surpreso. Sabia que em algum momento bateria o recorde, mas não tão rápido.
02: Participou na Major no ano passado. Qual a sua comparação entre esta edição e a última?
Eliud Kipchoge: Eu sempre apreciei a Maratona de Berlim, mas no ano passado o tempo estava mau. Esta edição foi presenteada com um clima ótimo.
02: Sente que realizou hoje os seus sonhos mais loucos?
Eliud Kipchoge: Com certeza, sim! Como falei, eu esperava bater um recorde, achava que fosse fazer abaixo de 2h02m57s, mas não na faixa das 2h01m.
02: Tem uma medalha de ouro olímpica (maratona no Rio 2016) e acabou de bater o recorde mundial. Quais são os seus próximos planos?
Eliud Kipchoge: Os meus planos são uma folha em branco. Eu tinha um plano para Berlim, que consegui executar. Agora quero um tempo para me recuperar, ler livros que contem histórias ao redor do mundo, gosto muito. Também tenho família, quero aproveitar o meu tempo livre com ela.
02: Qual é sua maratona favorita?
Eliud Kipchoge: Hoje é a de Berlim. É plana e rápida.
02: Mencionou que tinha um plano para Berlim. Qual era?
Eliud Kipchoge: Era simples: correr num ritmo baixo para fazer a primeira parte da prova entre 1h01m ou 1h01m15s. E deu certo.
02: Como era a energia das pessoas durante a prova?
Eliud Kipchoge: O público foi incrível. Sem as pessoas torcendo, certamente seria mais difícil. O apoio delas era música para os meus ouvidos.
02: Teve alguma coisa que deu errado na prova?
Eliud Kipchoge: Nada, absolutamente nada. Fiquei feliz com a corrida, super feliz com o resultado e o meu plano funcionou.
02: Deixou os seus adversários para trás logo no começo da maratona. Esperava que isso fosse acontecer?
Eliud Kipchoge: Nem sequer pensei nos outros competidores, porque estava focado no ritmo e no tempo da prova.
02: As suas “lebres” deixaram-no no km 25. Isso estava planeado?
Eliud Kipchoge: Não esperava ficar sozinho. Mas sou realmente grato às “lebres” que ficaram ao meu lado até o trecho dos 25 km.
02: Acredita que é capaz de superar o seu próprio recorde?
Eliud Kipchoge: Eu acho que o ser humano não tem limites. Tudo é possível e os recordes estão aí para serem batidos.
02: Participará nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020?
Eliud Kipchoge: Sim, vou continuar a correr e tentar ser bem-sucedido na missão. Nunca pensei em parar.
02: Como se motiva para continuar a correr? Há muita gente que corre uma maratona mas depois desanima. Como é que faz?
Eliud Kipchoge: É fácil. Eu amo o desporto, então não consigo parar!
02: Está sempre sorrindo, mesmo durante uma prova difícil. No que pensa nesses momentos?
Eliud Kipchoge: Maratona é vida. Se quer ser realmente feliz, precisa de aproveitar a vida. É por isso que sorrio. Eu divirto-me a correr a maratona