José Pereira tem 49 anos de idade e 25 de atleta popular. Estreou-se na Mini da Ponte 25 de Abril e já correu 763 provas, das quais, 75 maratonas e 20 ultras. É totalista da Maratona do Porto e correu as últimas 25 maratonas disputadas em Lisboa.
Do alto do seu 1,80 m e muito comunicativo, quem não conhece José Pereira? Lisboeta de nascimento, já comemorou aos 49 anos de idade, as bodas de prata como atleta popular. Tudo começou quando o seu irmão mais novo viu um anúncio no jornal Record referente à Meia Maratona da Ponte 25 de Abril. Desafiou os outros dois irmãos e foi assim que José Pereira correu a Mini sem sequer ter treinado antes. “Comparados com os outros participantes, parecíamos uns extra terrestes. Não levámos relógio, as sapatilhas eram de lona. Não pertencíamos aquele mundo”.
Mas o objetivo foi alcançado com o cortar da meta. “No fim, fiquei a apanhar folhetos das outras provas e dos três irmãos, só fiquei eu então a correr”.
No seu percurso como atleta popular, José Pereira, reconhece a importância que teve então o professor António Matias através da sua participação no extinto Contra Relógio da Serra de Sintra.
Da estreia na Mini da Ponte 25 de Abril à Maratona dos Descobrimentos em 8 meses!
A seguir à Mini da Ponte 25 de Abril, José correu os 12 km do BNU e a dura prova da Chesol, na Serra de Sintra. A quinta, foram os 25 km do Jumbo em 31 de Outubro. No final, viu o folheto da Maratona dos Descobrimentos em 27 Novembro e pensou com os seus botões: “Se já fiz os 25 km…”.
Destemido, enfrentou a maratona, naturalmente mal preparado. “Foi o primeiro banho de humildade que tive no atletismo. Acabei a prova mas vi o ‘muro’, o ‘precipício’. Vi que tinha de ter calma comigo”.
“Correr uma maratona é uma prova de gestão. É um retiro espiritual”.
A caminho das 800 corridas
É atleta do Grupo Desportivo do Santander Totta e corre sem um plano de treinos elaborado. Treina 2 a 5 vezes por semana, conforme tem ou não uma maratona em perspetiva.
Tem um registo de todas as suas corridas. Já participou em 763 e o máximo num ano está em 62 (quando conheceu Célia Azenha) mas também já se ficou pelas 15. Nesta fase, costuma correr entre 20 a 25 provas.
A sua prova preferida era o Contra Relógio da Serra de Sintra. “Pelo seu percurso e pelos locais por onde passávamos, era uma prova transcendental”.
Já a prova que lhe deixou piores recordações foi a 1ª Maratona do Algarve. “O trajeto era mau, os abastecimentos eram maus com as bebidas ao sol, não havia público”.
“Para mim, baixar das 3h30m à maratona é a mesma coisa que ganhar uma medalha olímpica”
95 maratonas e ultras
Já correu 52 maratonas de estrada e mais 23 em montanha. Quanto a ultras, já vai em 20 com os 100 km a ser a distância máxima.
A sua distância preferida são os 42.195 metros. “Correr uma maratona é uma prova de gestão. É um retiro espiritual. O meu irmão mais novo voltou a correr e das últimas dez maratonas que corri, fizemos nove delas”.
Totalista da Maratona do Porto
É um dos 23 totalistas da maratona do Porto e desde 1999 que não falha uma maratona em Lisboa. “Em 20 anos, corri 25 porque houve anos que tivemos duas ou três”.
O momento da carreira que mais o marcou foi a sua primeira maratona que terminou em 4h03m (a primeira que correu sem estar minimamente preparado). Tem como recorde pessoal o tempo de 3h22m e a sua próxima maratona será já este mês em Badajoz. “Para mim, baixar das 3h30m à maratona é a mesma coisa que ganhar uma medalha olímpica”.
“Poder correr, é um ato de liberdade”
Provas de trail muito desgastantes
Durante alguns anos, José foi um habitual participante em provas de estrada e de trail. “Gosto de ambas mas por razões de saúde, tive de deixar o trail para trás”.
O nosso entrevistado mostra-se crítico relativamente ao desgaste causado pelas provas de trail, particularmente as ultras. “Há um grande desgaste, os ultra trails são muito exigentes. Depois, há os perigos como haver pessoas perdidas, a perigosidade dos percursos. Os ultras são provas com quilómetros a mais, sofre-se muito”.
“Já há empresas que vivem do atletismo, a modalidade tem procura”
Dois amores
José tem dois amores, a corrida e a música. “Poder ir a correr e a ouvir música, é extraordinário”. Já escolheu o CD que o vai acompanhar na maratona de Badajoz: “All things must pass”, de George Harrison, de 1970.
“Gestão de misérias”
Pensa correr enquanto puder. “Já estou no entardecer, o corpo já acusa o desgaste de 25 anos. Faço a ‘gestão de misérias’ que é gerir o melhor que posso para aguentar”. E acrescenta: “Poder correr, é um ato de liberdade. Penso correr enquanto puder, dentro da redução lógica que estou a fazer. E como sou totalista na Maratona do Porto, quero perpetuar esse facto”.
Três fases de esmorecimento mas sempre a reagir positivamente
José já passou por três fases na sua vida de atleta popular. Na primeira e quando estava a esmorecer, conheceu a Célia Azenha, sua atual companheira. “Corri então algumas 60 provas!”. Na segunda fase de esmorecimento, veio o MP3 que passou a acompanhá-lo nas corridas. Finalmente, na última fase, surgiu a popularização dos GPS. “O 610 é o melhor treinador que pode haver”.
“Devia haver muitas Voltas ao Minho com outros nomes. É o topo da solidariedade no atletismo”
Recuperadores após as provas
Não dispensa os exames médicos de rotina e tem os naturais cuidados com a alimentação. Mostra-se muito entusiasmado com os recuperadores. “Há bons produtos no mercado. O objetivo é não ficar com ácido lático, é poder recuperar melhor, não para correr mais”.
Valores a prezar nas corridas
No mundo das corridas, aprecia particularmente a solidariedade, a amizade e o companheirismo. “São valores que prezo, tenho feito boas amizades”.
Lembra ainda as Voltas Pedestres ao Minho que se realizam todos os anos na primeira 5ª feira de Setembro com a duração de quatro dias. “Devia haver muitas Voltas ao Minho com outros nomes. É o topo da solidariedade no atletismo”.
Se não estivesse no atletismo, teria escolhido o badminton, a única modalidade em que esteve federado.
Futuro da modalidade
José vê o futuro das corridas com otimismo. “Há futuro, está num bom momento. Já há empresas que vivem do atletismo, a modalidade tem procura”.
Mostra-se menos otimista quanto ao nível dos atletas de alta competição. “Estamos pior. Aprecio os grandes nomes do passado que é riquíssimo. O presente e o futuro são apenas bem intencionados”.
Sugestão de t-shirts opcionais nas provas
Quanto a sugestões para uma melhor organização das provas, fala-nos da possibilidade das t-shirts serem facultativas no momento das inscrições. Na sua opinião, estas deviam ser com ou sem t-shirt. Tal permitiria que o valor a pagar pudesse ser menos elevado. Esta é aliás, uma prática que já está a ser seguida por algumas Organizações.
Quando bloqueou com tantos e bons abastecimentos!
Não podem faltar estórias a quem corre há 25 anos. José conta-nos uma passada em 2015, num trail noturno com 33 km. “Cheguei aos abastecimentos. Eram tantos e tão bons que eu não comi nem bebi nada. Bloquei e fui descendo na classificação, descendo até a Célia passou por mim. Fui ver a classificação e tinha ficado em penúltimo”.
“Zonísticos Runners”
José revelou-nos ser o fundador de um grupo de corrida, os “Zonísticos Runners”. “Foi criado por mim e não admito atletas que corram mais do que eu. Às vezes, há quem abuse de mim…”
A terminar, falou do seu orgulho em ter posto a correr o António Castro. “Era apenas caminheiro e não gostava de correr. Agora, vai três vezes por semana treinar ao Estádio Universitário e participa nas provas populares”.