Maria da Graça Costa venceu aos 55 anos de idade a primeira edição da Maratona da Europa, disputada recentemente em Aveiro. Natural de Barcelos, participa em provas há apenas cinco anos e é atleta dos Amigos da Montanha. A maratona é a sua distância preferida. Onde poderia ela ter chegado se tivesse começado a correr cedo e fosse devidamente acompanhada?
Maria da Graça Caleiro da Costa tem 55 anos e é assistente técnica nos serviços administrativos do agrupamento de escolas da sua cidade natal, Barcelos. Estreou-se numa prova popular há apenas cinco anos. Antes, treinava ocasionalmente para manter a forma física até que em 2012, uma sobrinha a convidou a juntar-se ao grupo “Vida Ativa”. A partir daí, começou a treinar de uma forma mais regular mas ainda sem entrar em provas populares. Muito incentivada por outros companheiros do grupo, decidiu finalmente estrear-se na Meia Maratona de Barcelos, em 2014. Foi o clique que precisava porque nunca mais parou.
Estreia na Meia Maratona de Barcelos
A estreia na Meia Maratona deixou-lhe boas recordações pois foi a quinta classificada. “Na altura, não tinha grande experiência e participei mais pelo incentivo dos colegas de treino. Acabei por terminar em 5º lugar da geral feminina, como era a minha primeira meia maratona, fiquei feliz com o resultado. Penso ter sido a partir daí que comecei a levar as corridas mais a sério”.
“Penso ser a distância (maratona) onde estou mais confortável e onde se vive um ambiente sem igual”
Preparação cuidada para provas escolhidas a dedo
Maria da Graça está inscrita nos Amigos da Montanha e treina habitualmente 4 a 5 vezes por semana. Quando está a preparar uma prova, treina sozinha e todos os dias. Fora disso, treina com o seu grupo “Vida Ativa”. Os treinos são estruturados pelo seu marido que também corre e é fisioterapeuta. Conta ainda com a ajuda ocasional do professor Carlos Pereira, treinador das camadas jovens dos Amigos da Montanha. Treina por norma ao final da tarde e alterna os treinos mais curtos e intensos nos dias da semana com os treinos mais longos ao fim de semana. Quando corre no estrangeiro, a solução é meter uns dias de férias, aproveitados então para correr e conhecer as cidades onde se realizam as provas.
É muito cuidadosa na escolha das provas em que participa. Corre em média, uma prova por mês, procurando agendar o calendário à volta dos campeonatos nacionais e internacionais de veteranos. “Todas as outras provas em que participo servem mais como treino”.
Maratona, distância preferida
A sua distância preferida passa pela maratona. “Penso ser a distância onde estou mais confortável e onde se vive um ambiente sem igual”. Já correu seis maratonas, tendo-se estreado no Porto em 2015. “Treinei durante meses para preparar a prova e tinha a esperança de fazer um tempo abaixo das quatro horas. Fui aguentando o ritmo até ultrapassar o fatídico km 35 sem grandes quebras, depois foi sofrer até à meta e acabei em 3h35m. Foi depois desta prova que me aconselharam a inscrever-me na ANAV e a competir nos campeonatos nacionais”.
Maratona do Porto – a prova preferida
A sua prova preferida é a Maratona do Porto e não lhe é difícil explicar porquê: “Vive-se ao longo da prova, um ambiente único, passar na ponte D. Luís por um corredor de pessoas, no túnel da Ribeira com os vídeos e as músicas épicas, a reta da meta com um mar de gente a gritar por nós. É sem sombra de dúvida, a prova que mais prazer me dá correr”.
Já hesita entre as Maratonas de Lisboa e Funchal quando à prova onde menos gostou de participar. Na sua opinião, “a Maratona de Lisboa tem tudo para ser uma grande prova mas a organização deixa muito a desejar. A Maratona do Funchal tem um percurso muito saturante e confuso, feito em dois circuitos. O primeiro circuito são três voltas de 8,3 km cada, depois descemos até o centro de Funchal e damos quatro voltas de 4,2 km. Mas no geral penso que a Maratona do Funchal foi aquela que mais me desagradou”.
“Nunca pensei em vencer a Maratona da Europa. Foi um momento único e que recordarei como um dos pontos mais altos da minha carreira”
Triunfo surpreendente na Maratona da Europa, em Aveiro
Maria da Graça ficou na história da 1ª Maratona da Europa disputada em Aveiro ao cortar a meta em primeiro lugar. Não esperava vencer, apenas a “esperança de reconquistar o título de campeã nacional de masters no meu escalão e talvez bater o meu recorde pessoal na distância. Mas nunca pensei em vencer a prova. Foi um momento único e que recordarei como um dos pontos mais altos da minha carreira”.
O momento mais marcante da sua carreira foi quando representou Portugal nos Campeonatos do Mundo de Masters na Polónia, onde obteve o 5º lugar de escalão e um novo recorde nacional na meia maratona.
“Sinto-me tão confortável e realizada na modalidade que tudo o resto não me seduz”
Projetos futuros
Os projetos futuros passam pelas participações no Europeu de Masters que se disputam em Veneza no próximo mês de Setembro e eventualmente, no Mundial da Maratona de Masters no próximo ano. Pensa correr até quando as pernas a deixarem, “não tenho um limite, ou uma data prevista, vou competindo e avaliando o impacto que tem no meu corpo. Assim que sinta que estou a correr contra vontade, ou em sacrifício, será talvez o dia em que abandone a modalidade”.
Não se consegue imaginar a praticar outra modalidade que não o atletismo. “Não me imagino a fazer mais nada, frequentei o ginásio durante muitos anos, e dava umas corridas de fim-de-semana por lazer, mas agora que o vício se entranhou, é difícil pensar em algo mais, sinto-me tão confortável e realizada na modalidade que tudo o resto não me seduz”.
“O trail ainda está numa fase muito embrionária e a forma como a modalidade é gerida, não é de todo do meu agrado”
Trails, agora não!
Participou no Campeonato Nacional de Trail em 2016 mas não se mostra muito entusiasmada com os trails. Na sua opinião, “o trail ainda está numa fase muito embrionária e a forma como a modalidade é gerida, não é de todo do meu agrado, pelo que decidi dedicar-me apenas à estrada. Penso que a principal diferença entre ambas, é a exigência. A estrada obriga a um ritmo constante e elevado, no trail, é preciso uma boa estrutura física para aguentar a dureza do terreno”.
Cuidados com a alimentação e a fisioterapia”
Maria da Graça não dispensa os exames médicos de rotina e tem os devidos cuidados com a alimentação. “Tento manter uma dieta equilibrada, procuro essencialmente comer alimentos ricos em fibras e proteínas. Quando treino para uma maratona, tenho mais atenção aos hidratos de carbono. Na hidratação, é onde faço realmente uma seleção mais cuidada, bebo sempre muitos líquidos. Nos treinos, bebo apenas água até uma hora antes mas nos treinos mais longos, bebo uma bebida isotónica.
As lesões não a têm visitado. “Muito porque também tenho cuidado com a condição física e faço tratamentos semanais na clinica onde o meu marido trabalha. A única lesão que tive foi uma lesão traumática onde parti um dedo do pé na praia”.
Atletismo está na moda
Para Maria da Graça, “o atletismo está na moda, o que atrai muita gente para a modalidade. Mas infelizmente, essa quantidade não se tem traduzido em resultados”. Na sua opinião, “a grande percentagem dos corredores, são-no sem grande preparação ou aptidão, correm mais pela foto, ou pela exposição”. Mas fica-lhe a esperança de que “toda esta notabilidade conquiste as novas gerações e as inspire a lutar por melhores resultados”.
Melhorar as partidas
Quanto às organizações das provas, a nossa entrevistada tem ouvido muitas queixas dos atletas, umas com, outras sem razão. No entanto, há uma queixa que ela ouve, repetida em todas as provas e que tem a ver com as partidas. “Penso que no ato da inscrição, as organizações deveriam pedir comprovativos de tempos, para evitar que atletas mais lentos ocupassem as boxes mais rápidas e desta forma, evitar o muito frustrante efeito rolha nos primeiros km de prova”.
No mundo das corridas
No geral, Maria da Graça gosta da competitividade, do sentimento de conquista, de cruzar a meta e sentir que deu tudo e que descobriu novos limites. No particular, “gosto das diferentes provas, é diferente correr no norte ou no sul, a Meia de Guimarães nada tem a ver com a Meia de Lisboa, é essa diversidade que também me atrai”.
Fim de semana desastroso na Maratona de Lisboa em 2017
Quem não teve já uma prova onde tudo correu mal? Com Maria da Graça, correu tudo mal antes e depois, quando decidiu disputar o Campeonato Nacional da Maratona de Masters, em Lisboa de 2017. Tudo começou no dia anterior à prova, logo no levantamento dos dorsais, onde teve de esperar debaixo de um calor imenso mais de uma hora para conseguir entrar no pavilhão. “Quando o meu marido tentou levantar o meu dorsal, o meu nome não constava nas listas da Federação, pelo que dessa forma não poderia correr para o Campeonato. Foi preciso esperar cerca de duas horas para resolver o problema. Depois, havia uma divergência quanto aos horários da prova, a organização dizia às 8 h e a Federação às 8.30 h e ninguém me conseguiu explicar qual o horário correto”.
Depois durante a noite, pouco ou nada dormiu. “A verdade é que não estava nada habituada ao movimento noturno das grandes cidades e dormi cerca de três horas. Às cinco da manhã, levantei-me e comecei a equipar-me, saí do hotel perto das 5.30 h e foi para o Cais do Sodré para apanhar o comboio para Cascais. Tinham-me dito que haveria um reforço dos transportes para a partida, mas a verdade é que tal não aconteceu. Esperei até às 6.30 h por um comboio que ficou completamente sobrelotado, cheguei a Cascais às 7h20m e ainda tive de fazer 2 km a pé até ao local de partida. Aqui, tentei encontrar alguém que me esclarecesse quanto à hora de partida. Só no último minuto é que disseram que a partida era conjunta para atletas federados, e não federados. Lá fiz a minha prova e nos últimos quilómetros, quebrei muito. Cheguei mesmo a caminhar um pouco, cruzei a meta com muitas dificuldades. Ainda nem tinha descansado e já estavam a chamar pelo meu nome para receber a medalha de campeã nacional. Tive de me acotovelar através de um mar de atletas até chegar ao local dos pódios pois estava do lado oposto, recebi a minha medalha e fui para o hotel”.
Ao final da tarde, Maria da Graça regressou de comboio a Barcelos. Foi uma viagem bastante atribulada devido aos incêndios florestais. Por motivos de segurança, o comboio ficou retido em Coimbra perto de três horas. Mais à frente já perto de Aveiro, começaram a ser visíveis focos de incêndios que se foram tornando mais regulares e próximos, até o comboio abrandar e atravessaram um autêntico túnel de chamas que envolveu por completo os passageiros. “Dentro da carruagem, a temperatura tornou-se quase insuportável, e as pessoas começaram a entrar em pânico, foram minutos de muito pavor. Quando chegámos à estação de Nine já perto das duas horas da manhã, saímos o mais rapidamente possível e viemos para Barcelos. Pelo caminho, dou-me conta que me havia esquecido do saco com as medalhas no comboio. No dia seguinte, ainda tentei reavê-las ou saber onde estavam mas até ao dia de hoje, não sei do seu destino”.
Agradecimento a quem a apoia
A terminar, Maria da Graça quis deixar expresso o seu agradecimento a todos aqueles que a apoiam, “principalmente ao meu marido que sempre me deu muita força e faz-me acreditar que ainda tenho muito para conquistar”.