Sara de Brito tem 46 anos e a sua paixão pelo desporto vem desde criança. Conseguiu concretizar o seu sonho de ser professora de Educação Física e corre há seis anos. Destacou-se de imediato apresentando um curriculum invejável em tão curto espaço de tempo para uma atleta popular. Atingiu o auge ao ser selecionada para o campeonato do Mundo de Trail no Gerês onde conseguiu ser a melhor portuguesa. Até onde teria chegado Sara de Brito se o seu talento tivesse sido descoberto cedo?
Sara de Brito tem 46 anos, é professora de Educação Física e começou a correr há seis anos. É atleta do Clube de Atletismo da Barreira e logo no seu primeiro ano, venceu algumas provas de estrada e trail e sagrou-se Campeã Distrital de Montanha.
Treina quatro a seis vezes por semana, só ou acompanhada. Não tem tido treinador mas esse é um objetivo a atingir a curto prazo.
Sempre ligada ao desporto
O desporto sempre fez parte da vida de Sara. Desde os 13 anos, que ambicionava ser professora de Educação Física e já praticou ginástica acrobática, rugby, andebol, etc, mas nunca com caráter profissional. O facto de ter vivido durante a sua infância e adolescência, numa quinta a 20 quilómetros de Castelo Branco, condicionava este seu desejo de criança.
No andebol, os treinadores iam buscá-la só para os jogos, porque não tinha hipótese de treinar à noite. Na Ginástica Acrobática, levantava-se nos sábados às cinco da madrugada para fazer a sua parte da limpeza semanal da casa e poder uma hora depois, apanhar o autocarro a um quilómetro. Chegava a Castelo Branco às 8.30h e regressava a casa por voltas das 15 horas. “O desejo de praticar uma modalidade a sério, fosse ela qual fosse, era sem dúvida um sonho impossível de concretizar. Por isso corria sem método por aqueles campos fora na iminência de que algum dia alguém me descobrisse e fizesse de mim uma grande atleta”.
Sara ainda se lembra que não havia luz elétrica e que teve de dar à manivela num gerador para assistir em direto aos triunfos olímpicos de Rosa Mota e Carlos Lopes em Seul, 1988.
Rico curriculum desportivo
O seu curriculum desportivo inclui títulos de campeã de Corta-Mato Curto e Longo, campeã Distrital de Estrada, campeã de Maratona de Montanha, campeã de KM Vertical, campeã Distrital de Trail Longo, campeã de Corridas de Montanha, vencedora de diversos Circuitos de Trail e campeã Nacional de Ultra Trail entre outros resultados de relevo, como a última participação no Campeonato do Mundo de Trail onde foi a melhor portuguesa.
Em 2016, Sara de Brito traçou como objetivo, a participação no Campeonato Nacional de Ultra Trail com vista a conseguir integrar a seleção nacional de Trail no Campeonato do Mundo de Ultra Trail em 2017, a disputar-se na Itália. Sagrou-se campeã a três provas do final, sendo de imediato apurada para disputar o Mundial de Trail 2017. Tinha ainda como objetivo a participação numa das provas de qualificação para integrar a Seleção Nacional no Campeonato do Mundo de Trail 2016 em Portugal, onde só a vitória lhe dava o passaporte. Na estreia em provas de Ultra-Endurance (100 Km na Serra da Freita), venceu e conquistou um lugar na seleção para disputar o mundial 2016.
“Em jovem, corria sem método por aqueles campos fora na iminência de que algum dia alguém me descobrisse e fizesse de mim uma grande atleta”
Apoio da família
Não lhe tem sido fácil conciliar os treinos e corridas com a sua atividade profissional. “ Treino nos ‘buraquinhos’ que vou tendo ao longo do dia, costumo dizer que treino a ‘correr’. As provas normalmente são ao fim de semana, pelo que eles ficam ‘hipotecados’. Logo, é preciso muito apoio e compreensão da família, neste caso marido e filhas. No entanto, o meu marido, Miguel Saraiva, (que também corre) acompanha-me na maioria das provas”.
Paixão pelos trails
Sara estreou-se no Cross do Arrimal, prova na distância de 15 km que se realizava, nas imediações de Leiria. “Gostei imenso, até porque fiquei logo bem classificada e trouxe um troféu, mas lembro-me de ter ficado muito dorida. Na altura, era considerada uma prova bastante dura e ainda não existiam os Trails (pelo menos em nome). Mas a prova era efetivamente um Trail Curto”.
Os trails surgiram-lhe de forma natural. Identificou-se com eles desde o início. “São provas que requerem outro tipo de capacidades físicas, força, velocidade e destreza, bem como outras variáveis que tornam este tipo de provas muito mais atrativas”.
Vencer uma maratona no dia do seu aniversário!
A sua distância preferida oscila entre os 35 e os 50 km. Nestes dois últimos anos, participou em 36 provas na época 2014/2015 e na seguinte, fez 16 mas muitas eram ultras, com outro tipo de exigência.
As suas provas preferidas são aquelas que fazem parte dos Campeonatos Nacionais-Circuito de Montanha e Campeonato de Trail. Já os corta-matos são as provas que menos a seduzem.
Para além das ultramaratonas de montanha, Sara já correu quatro maratonas de estrada. A primeira foi em Badajoz (3h18m); a segunda no Porto (3h8m); venceu a terceira em Badajoz (3h7m), num dia inesquecível – 17 Março de 2013 – dia em que completou 43 anos. Finalmente, a quarta novamente em Badajoz (3h05m).
“A primeira marcou-me bastante por ter sido a primeira vez que utilizei um plano de treinos e por termos aqueles ‘fantasmas todos por desmistificar’ em relação aquela que é considerada a mãe de todas as provas e a que mais gosto de ver nos Jogos Olímpicos, para além de ser uma distância mítica. Até ganhar, tinha sido a prova que me tinha marcado mais em todos os aspetos”.
“Na 2 ª feira a seguir ao Mundial, dei nove aulas!!! E isto é apenas um exemplo…”
Momento mais marcante no Gerês
Costuma fazer exames médicos de rotina e as lesões têm-na visitado com frequência. Joelhos, tendões de aquiles, fascites plantares, entorses, contraturas, tendinites e agora a mais aborrecida de todas, uma pubalgia.
Tem algum tipo de cuidado com a alimentação, procurando fazer uma alimentação equilibrada, até por causa das suas filhas. Não é habitual tomar suplementos.
Pensa correr até que as “pernas deixem”… “Provavelmente os objetivos serão outros, tal como têm sido alterados de época para época e direcionados para diferentes vertentes de acordo com diferentes motivações ao longo da minha pequena carreira como atleta amadora”.
Como sucede com boa parte dos atletas do pelotão, Sara aprecia particularmente o convívio no mundo das corridas. “O convívio com outros atletas, que acabam por se tornar nossos amigos e o facto de servirmos de exemplo para muitas camadas jovens, senhoras, …. é veículo de promoção de atividade física”.
O momento da sua carreira que mais a marcou foi naturalmente a sua participação no Campeonato do Mundo de Trail disputado no Gerês.
“Só quando na 2ª feira seguinte, recebi um telefonema do selecionador nacional, José Carlos dos Santos, caí em mim, e pensei…. ‘nunca é tarde’ e todas as minhas reminiscências da infância vieram ao de cima, “um sonho latente tornado realidade”.
“Um sonho latente tornado realidade” – Selecionada para o Campeonato do Mundo de Trail
Como é natural, Sara começou a correr sem imaginar que um dia estaria a representar o país. “Foi o meu marido que me catapultou para este Mundial. Elaborou um plano em Novembro de 2015 que consistia na disputa do Campeonato Nacional de Ultra Trail 2016 com vista à seleção nacional para o Mundial de 2017 e a participação numa prova de Seleção para o Mundial deste ano, sem nenhum compromisso, como ele disse!”
Sara assegurou a participação no Mundial de 2017 em Itália ao vencer o Campeonato Nacional de Ultra Trail ainda faltavam três provas para o final e foi assim que partiu em Junho para a prova de seleção (apuramento para Mundial 2016), o Ultra Trail Serra da Freita. Uma competição de Ultra Endurance com 100 km, na qual os vencedores ficariam apurados para o Mundial no Gerês.
O seu marido pô-la à vontade: “Vais lá sem compromisso nenhum, diverte-te!”. Sara foi assim convencida e venceu sem esperar. “Foi uma prova muito dura, até porque aquela distância para mim era desconhecida, tinha o dobro dos quilómetros a que estava habituada e necessitava de uma gestão diferente. Na altura, nem tive bem noção do que representava aquela vitória. Só quando na 2ª feira seguinte, recebi um telefonema do selecionador nacional, José Carlos dos Santos, caí em mim, e pensei…. ‘nunca é tarde’ e todas as minhas reminiscências da infância vieram ao de cima, “um sonho latente tornado realidade”.
Dar nove aulas no dia seguinte ao Campeonato do Mundo de Trail
Quanto ao futuro da modalidade no nosso país, Sara considera que há muito a fazer. ”Julgo que aos poucos, tem evoluído com profissionais mais qualificados nos quadros de formação, mas mesmo assim, julgo que se devia investir muito mais na captação e na formação (escalões mais baixos). Porque existem em Portugal, muitos valores individuais por esse país fora, mas não existe forma de os captar e proporcionar uma vida atlética profissional. Nós por exemplo na seleção nacional de Trail, temos todos a nossa vida profissional que dificilmente e só com muita força de vontade e espírito de sacrifício, conseguimos conciliar com a corrida. Eu por exemplo, na 2 ª feira a seguir ao Mundial, dei nove aulas!!! E isto é apenas um exemplo… e antes ?!”
Sara já está apurada para o Mundial de Ultra Trail em 2017 na Itália e projeta conseguir também apurar-se para o de 2018 em Espanha.
No Campeonato do Mundo em 2017, na Itália
Sara vai ser orientada pelo selecionador nacional nesta fase tão importante. Para já, tem de curar a pubalgia que lhe apareceu três semanas após o Campeonato do Mundo. “Ando a fazer tratamentos e estou parada há mês e meio. Ando muito ansiosa e preocupada, mas nada posso fazer, a não ser cumprir o que o médico e fisioterapeuta me têm dito. Depois disso, vou ter que me dedicar e seguir à risca o que me for imposto e fazer ‘das tripas coração’, para me preparar o melhor possível de acordo com as condicionantes que me estão a limitar”.
Quanto a apoios futuros, Sara diz-nos que o selecionador está a desenvolver esforços para que os atletas selecionados possam ter algum apoio em termos de fisioterapia, seguro, locais para treinar, deslocações e faltas ao trabalho justificadas para participação em estágios e provas. “Mas, até ao momento, ainda não tive”.
Esquecimento do chip tira-lhe o pódio na Meia Maratona da Nazaré
Estórias não faltam à nossa entrevistada. Conta-nos a primeira vez que correu uma meia maratona, a da Nazaré. “No retorno, comecei a ouvir uns apitos … bip, bip…. e pensei ‘o que serão estes apitos ?!’ Continuei a correr, fiz um bom tempo de acordo com o que tinha previsto e ia ao pódio. Mas só no final da prova é que que me apercebi que os bips eram de uma coisa que se colocava na sapatilha para dar os tempos de passagem e tempo de prova (quando o speaker veio ter comigo para perguntar pelo meu ‘chip’). Ficaram aborrecidos por não me poderem classificar, eu também fiquei, mas não havia nada a fazer. A partir daí, nunca mais me esqueci”.
“Escolta” da polícia na Maratona de Badajoz no dia do seu aniversário
Outra estória passou-se na Maratona de Badajoz de 2013 quando aos 40 km passou duas atletas de renome e começa a ver uma mota da polícia espanhola a escoltá-la e a anunciar que era a primeira mulher. “Pensei… Mas será que vou ganhar esta Maratona? Sou mesmo eu que vou à frente? Ainda me estou a arrepiar. Foi um momento que guardo no meu coração com uma intensidade … talvez dos mais fortes. Foi a melhor prenda de anos que tive! O meu clube ficou super orgulhoso. É que nunca me passou pela cabeça que pudesse ganhar, porque a concorrência era muito forte! Logo, o sabor da vitória foi muito maior”.
- Sara de Brito no Campeonato do Mundo no Gerês, escrito por ela
E como foi a participação de Sara no Campeonato do Mundo de Trail no Gerês? Correr 85 km com um desnível positivo acumulado de 5.000 metros? O objetivo inicial dela passava por conseguir passar dentro das barreiras estipuladas pela Organização e pontuar para a seleção nacional. Em 2015, a equipa feminina tinha sido décima terceira e agora o objetivo passava por entrar no top 10.
Sara acabou por ser a melhor portuguesa ao classificar-se em 21º lugar e Portugal obteve um surpreendente e saboroso sexto lugar.
Mas para saber como foi a prova de Sara, nada melhor do que ler este excerto do texto que ela nos facultou e escreveu para o Jornal das Regiões de Leiria. Os subtítulos são da nossa autoria.
Tudo começou nos 10 km da Serra da Freita
“A minha participação no Campeonato do Mundo de Trail 2016 foi sem dúvida um dos momentos mais marcantes da minha vida e foi tudo tão rápido e tão intenso … Tudo começou com o meu apuramento para a Seleção Nacional de Trail a 25 de Junho, no Ultra Trail da Serra da Freita.
Sem grandes pretensões, estreei-me em grandes distâncias nesta prova. Não me apercebi ao certo do significado dessa vitória, até receber um telefonema do selecionador nacional, a felicitar-me pelo resultado obtido e a convocar-me para o primeiro estágio que decorreria daí a 15 dias, em Julho. E aí começou esta aventura. Sentia um misto de entusiasmo, alegria e ao mesmo tempo, preocupação pela responsabilidade que acabara de assumir. Por um lado, o orgulho de vestir as cores nacionais e representar o meu país num Campeonato do Mundo, por outro, o cansaço acumulado pelo número e exigência das provas disputadas até à data, e o escasso tempo para recuperar, preparar e representar com dignidade todos os portugueses. Em Agosto, sofri uma lesão que me obrigou a ‘descansar’ e aumentou a minha apreensão. Comecei a treinar após um mês, já em Setembro…
Apoios fundamentais
Treinei o que podia, tendo em conta o meu agitado dia a dia. Foi imprescindível o apoio que tive do meu incansável marido e família, do meu espetacular Clube Atletismo da Barreira, da minha fisioterapeuta e amiga, Adriana Ferreira, que esteve sempre pronta para afinar a ‘máquina’ ao mais alto nível, dos atletas conterrâneos e nazarenos com quem treinei algumas vezes e se mostraram sempre disponíveis para me tornar mais forte, dos meus colegas e alunos da Escola Secundária Francisco Rodrigues Lobo, Leirifitness (ginásio), natação e prisão-escola, que enalteciam as minhas capacidades e não se cansavam de proferir palavras de incentivo, dos meus amigos que acreditaram em mim desde o início e também o apoio prestado pelo Município de Leiria-Visite Leiria e União das Freguesias de Leiria, Pousos, Barreira e Cortes.
Acordar às 2h da madrugada no dia da prova
Começou a contagem decrescente e lá fomos nós dia 27 de Outubro até ao Gerês, palco do grande evento, o maior e mais importante desde sempre no nosso país, organizado pela nossa grande referência no Trail, Carlos Sá e o seu staff. Participaram 38 nações, alojadas no Bom Jesus de Braga, um lugar magnífico onde a inspiração e capacidades de qualquer atleta são exacerbadas.
Desde o primeiro estágio a cumplicidade entre os elementos da seleção nacional e toda a equipa técnica, foi crescendo e foi-se transformando em espírito de equipa, cooperação, entreajuda e amizade, determinantes na nossa prestação.
Depois de uma sessão de corte e costura em que cada um desenhou o seu próprio modelo de blusa/equipamento, com direito a passagem de modelos e muito boa disposição, deitámo-nos ansiosos e ‘fingimos’ dormir, uns mais que outros… eu fechei os olhos depois de ler e reler as linhas que o meu Amor me escreveu a dar-me força e estratégias de superação. A alvorada foi às 2.00 da manhã. Como bons anfitriões, fomos a primeira equipa a chegar às Pontes do Rio Caldo.
Partida às 5h
O ambiente foi aquecendo e às 5.00 da madrugada, chegou o momento tão esperado para 235 atletas. A partida para o ”2016 TRAIL WORLD CHAMPIONSHIP”.
Depressa o nervoso se transformou em energia e senti que estava bem. Ao longo do percurso, ouvia gritar o meu nome à mistura com palavras desafiadoras de alento e coragem, que me transmitiam uma energia positiva e me davam vontade de correr mais. Familiares, amigos, atletas de trail, desconhecidos, pululavam de noite e de dia, por tudo quanto era serra, trilho e aldeia a envergar a bandeira nacional, a assobiar, a chocalhar, a apitar, e a gritarem pelos seus atletas tugas. Foram incansáveis. Quando cheguei ao Gerês (30 km), por ser a 1ª atleta portuguesa, da minha claque CA Barreira e restantes espectadores, implodiram aplausos calorosos que funcionaram como um “boost” energético. Mas continuei a fazer a minha corrida, concentrada, sabia que uma variável poderia comprometer o sucesso da equipa feminina, único objetivo pretendido. Ouvi as palavras do selecionador e segui com o eco de um último grito dado pelo meu Miguel Saraiva: Força Amor! (sempre comigo debaixo de olho).
Seguia-se uma parte do percurso que se afigurava como dos mais bonitos e difíceis, no qual surpreendentemente me senti muito bem apesar de chegar ao topo da Serra Amarela (1.335m) a destilar, sem água. No abastecimento ‘aquela’ coca-cola fresquinha foi um manjar dos deuses. Chegada ao Lindoso (54,5 km), senti novamente o calor do meu clube, dos espectadores, e em particular da minha filha Marta, dos meus pais e da minha irmã Patrícia, a quem consegui ainda dar um ‘beijo corrido’. Enquanto abastecia, ouvia-os e via-os e retive tudo o que disseram e fizeram. Senti-me lisonjeada por depositarem em mim toda a confiança.
Chegada ao topo do “Cabo das Tormentas”
Continuei até ao próximo posto, Soajo (63,5 km). Supostamente esta parte do percurso seria pacífica, mas aqui sim, denotei algum cansaço. O percurso era muito técnico, cheio de pedras e pedregulhos, um tremendo ‘parte pernas’, fator que não me fez abrandar o ritmo, pois o facto de ir ultrapassando algumas referências internacionais do trail, contrabalançava o desgaste. Durante o abastecimento, continuavam as palavras de incentivo, um apoio fantástico que funcionava como elixir de rejuvenescimento. Partida para mais um troço, Soajo – Mezio, mais 10 km, dos quais fazia parte uma subida interminável. Esta assemelhou-se ao Cabo das Tormentas, conheci o Adamastor, mas dominei-a. Como nunca treinei com bastões, não os utilizei durante a prova e creio que aqui me tinham dado jeito…ou não. A dificuldade foi sentida por todos os adversários que me rodeavam, mesmo assim não baixei a guarda e pensava ‘eles hão-de estar como eu’.
Quando cheguei ao topo, senti-me a Super Mulher, só me apetecia voar. Mas não podia, refreei os ânimos e deixei o corpo comandar-me e rolar a um ritmo regular até àquele que seria o último abastecimento-Mezio.
Apoio de tanta gente!
A minha chegada foi anunciada mais uma vez com grande alarido por parte do speaker, dos apoiantes, dos meus pais, da minha filha, dos elementos do meu clube e do meu Amor, que correu interiormente tanto quanto eu. Depois do apoio incondicional da equipa técnica e da alegria refletida no rosto do nosso selecionador nacional, ouvi as suas palavras de regozijo pela prestação dos seus atletas, e continuei, para aquela que seria para mim a etapa mais épica de toda a prova.
Ouvi as palavras do Délio, Nuno Dias, Valentim, Jorge Agostinho, Daniel, Sílvia e Cármen (atletas do CAB) e interiorizei-as. Tal como disseram, mantendo o meu ritmo, iria passar mais duas atletas que iam um pouco à frente. Surgiram-me cãibras. Aliviei o passo. E fiz aquela que seria a última subida da prova. Olhei para o relógio, constatei que faltavam “escassos” 4 km, sabia que eram a descer acentuadamente e pensei: ‘elas vêm aí e ainda não fiz nenhuma descida à minha maneira…sem travões, porque não?!’… e corri, corri, corri, sem travar, sem alma, desalmadamente, como se não houvesse amanhã!
Acabar a gatinhar
Perto da meta, senti as pernas a falhar, mas não liguei, já estava focada num único objetivo, cortar a meta o mais rápido possível! Recolhi orgulhosamente a nossa bandeira das mãos da Salete que fez questão em ma dar, e quando quis erguê-la como sinónimo de Missão Cumprida, o corpo traiu-me e não deixou. Continuei, continuei a trote e caí. Levantei-me e olhei para trás para garantir que ninguém vinha lá enquanto dava uns passos para me tentar recompor. Corri mais devagar e quando subi o pórtico, aquela que seria a ‘subida’ mais simples de toda a prova, perfilou-se como a Mais Difícil de Sempre. Não a consegui fazer, porque caí de novo e desta vez as pernas ignoraram as ordens desesperadas da minha mente: ‘Levantem-se depressa! cortem a meta que está mesmo aí! pisem o tapete! ‘ e … nada.
Mas a mente continuava a correr tão rápido como nos últimos km e depressa arranjou uma solução ordenando: ‘Gatinha!’. E foi a gatinhar que pisei o primeiro tapete e finalizei o Maior Desafio da Minha Vida!!! Consegui!!! Deitei-me com a sensação do dever cumprido, já nada importava, mas continuei a ouvir vozes, desta vez exteriores e que me eram familiares na qual sobressaía a da minha irmã, ‘rebola, rebola’, e como sempre, tive confiança no seu amor por mim, rebolei!
Lutei até ao fim! E contribuí para um épico 6º lugar da Seleção Nacional Feminina, único objetivo pretendido!
Não foi este final de prova que imaginei. Gostava de ter festejado a minha chegada energicamente com todos aqueles que me apoiaram ao longo da prova, no local e à distância, com os meus colegas da Seleção, com o selecionador, com a equipa técnica, com o organizador, Carlos Sá …. mas, foi este que Deus quis, e respeito. Nada acontece por acaso. Sinto-me tremendamente orgulhosa e a pessoa mais privilegiada do mundo por ter tido a oportunidade de representar com dignidade todos os portugueses no nosso próprio país. Pode haver muitos Mundiais, mas, para mim, nunca nenhum como este. Sinto uma profunda gratidão pela onda de calor humano que se gerou como retorno do meu esforço, emulação, patriotismo e vontade de vencer este desafio representando todos com alma e coração. Vocês têm sido inexcedíveis. Muito obrigada. Continuarei a lutar por vocês em 2017!”