Com o (bem estranho) ano 2020 a terminar, é altura de um balanço sobre os últimos 50 anos do atletismo português. Como era ele há umas décadas atrás? Bem diferente do atual nos mais variados aspetos. No que ao seu nível diz respeito, há a registar progressos significativos. Quando se iniciaram as Taças da Europa, principal competição a nível de seleções, no final dos anos sessenta do século passado, Portugal estava entre as mais fracas seleções da Europa no setor masculino, ficando nos últimos lugares da fase eliminatória que então se realizava. E, no feminino, nem participava. Em 1970, há precisamente 50 anos, Portugal esteve mesmo ausente nos dois setores. O atletismo era o espelho de um país atrasado e sem meios. Posteriormente, o atletismo português encetou uma progressão assinalável, que começou a ser visível nos seus atletas fundistas (triunfos de Carlos Lopes, recordes de Fernando Mamede, êxitos de António Leitão, António Pinto, irmãos Castro, etc., etc.). A nível da seleção, conseguiu o apuramento para as meias-finais da Taça da Europa em 1977 e nas edições seguintes, embora em 1983, quando surgiu um novo figurino e as seleções foram distribuídas por três grupos, coubesse a Portugal o mais fraco, o C. Depois de alguns anos em que foi segundo classificado no grupo C (mas só o vencedor ascendia ao B), Portugal conseguiu finalmente a promoção em 1993 (equipa feminina) e 1994 (a masculina). Na primeira década do novo século, Portugal conseguiu terceiros lugares nesse grupo intermédio (duas vezes pela seleção masculina e três pela feminina). E em 2008 deu-se um marco histórico, na edição realizada em Leiria: a pontuação conjunta masculina e feminina (que passou a vigorar) foi a 12ª melhor entre todas as seleções, o que levou a que Portugal subisse pela primeira vez à Superliga (12 seleções). Desceu naturalmente à I Liga na edição seguinte, mas regressou ao lote dos melhores em 2011. E, em 2019, conseguiu um histórico (e folgado) triunfo na I Liga, que valeu nova ascensão à Superliga a realizar em 2021, mas agora com apenas oito seleções. Em 50 anos, Portugal passara dos últimos lugares da Europa para o top’8.
Para tal muito contribuíram os progressos nas chamadas disciplinas técnicas, que compensaram a quebra profunda do setor do meio-fundo, que chegou a ser o melhor da Europa.
A nível dos melhores atletas, a progressão também foi enorme. Bastará referir o exemplo dos Campeonatos da Europa (os Mundiais apenas começaram em 1983). Até 1978, em 13 edições, Portugal não conseguiu qualquer medalha e teve apenas dois finalistas – oito primeiros (4º Manuel Dias em 1950, 8º José Araújo em 1954). De 1982 até agora (12 edições), somou 36 medalhas e 93 finalistas. Nos Jogos Olímpicos, o 4º lugar de Manuel Oliveira em Tóquio’1964 foi a exceção, como finalista, nas primeiras 13 edições com presença portuguesa, entre 1912 e 1972. Nas 11 edições seguintes, até agora, Portugal somou 10 medalhas e um total de 27 finalistas (oito primeiros). Até 1972 (13 edições), haviam sido apenas 38 os atletas portugueses presentes nos Jogos (média inferior a três por edição). De 1984 até agora (2016), em nove edições, foram 228 as presenças, o que dá uma média superior a 25 por Jogos.
Outro aspeto que revela bem o quanto o atletismo português progrediu nos últimos 50 anos. A média dos 10 melhores atletas de cada prova, medida pela tabela internacional (170 marcas correspondentes a 17 provas olímpicas (todas as olímpicas de pista exceto 10000 m, decatlo e estafetas), ultrapassou pela primeira vez os 700 pontos em 1956, os 800 pontos em 1966, os 900 pontos em 1981 e atingiu um máximo de 975,5 pontos em 2000, regredindo depois para recuperar em 2018 (986,3 p.) e 2019 (991,1 p.). Já as médias dos 20 melhores de cada prova passou os 700 pontos em 1959, os 800 pontos em 1973, os 900 pontos em 1998 e chegou a 915,4 em 2000, voltando a bater recorde em 2018 (925,9 p.) e 2019 (930,4 p.).
Se esses foram dados amplamente positivos, há outros de extrema preocupação. Há 50 anos, nos principais campeonatos, as bancadas do Estádio 1º Maio, do Inatel (antiga FNAT), enchiam-se. A bancada central ficava lotada e a cabeceira a seguir à meta também tinha muita gente. No Estádio de Alvalade, a maior parte da bancada central e a lateral frente à meta enchiam. E as entradas eram pagas, não só nos campeonatos regionais e nacionais absolutos como dos de juniores! No Campeonato Regional de Lisboa de 1965, em Alvalade, o preço por jornada foi de 12$50, equivalente a quase 5 euros atuais (4,91€). E no Regional da I Divisão de 1968 (um Sporting-Benfica, com três atletas de cada equipa por prova), a receita foi de 27 contos (cerca de nove mil euros) na jornada de sábado e de 37 contos (12.344 euros) na de domingo.
A transferência da maioria de provas para o Estádio Nacional, na década seguinte, foi muito prejudicial. O número de espetadores foi diminuindo (nunca mais se cobraram bilhetes) e agora são quase só os atletas, dirigentes e familiares que aparecem…
Grave também é a cada vez menor atenção que a comunicação social presta à modalidade. Nos anos 60, por exemplo, A Bola, então com páginas grandes (o dobro das atuais) chegava a dedicar uma página (mais o continuado) a um campeonato de juniores (Nacional ou Regional de Lisboa), com comentários prova a prova, resultados completíssimos e reportagem! Muitas vezes o atletismo era tema de 1ª página nos jornais desportivos e até como título principal. Esse espaço foi diminuindo, mas ainda há uma década havia vários redatores especializados nos jornais desportivos e rara era a edição sem um tema sobre atletismo. Agora, a modalidade está reduzida a pequenas notícias de meia dúzia de linhas, rareando as reportagens. Preocupante…
Altos e baixos de meio século da modalidade em Portugal…