Em Tóquio, Sebastian Coe deu uma entrevista a cinco jornalistas espanhóis da Cadena Ser, Colpisa, El País, As e Marca. Dado o seu interesse, reproduzimo-la seguidamente.
Acha que estamos diante de uma geração de novos atletas?
Sem dúvida, é uma nova geração de grandes atletas. Nunca fui mais otimista. Nas provas de terça-feira à noite, para onde quer que olhasse, seja na pista ou nas competições (a final dos 200 metros femininos coincidiu com o salto com vara e o lançamento do martelo feminino) estava a enfrentar um acontecimento extraordinário. E os horários matinais não têm favorecido algumas provas. Por exemplo, comprimento feminino. É mais difícil saltar de manhã e as marcas ficaram-se por volta das 6,90, um salto único às 7 horas …
Uma dessas atletas da nova geração é Christine Mboma, a grande história da corrida dos 200 metros pela sua exclusão dos 800 devido ao hiperandrogenismo. Este tema é uma das suas grandes preocupações?
Para mim, a história dos 200 m é a de Elaine Thompson. Não quero fugir à questão que levanta. A primeira coisa que quero dizer é que a World Athletics tem a obrigação de garantir a integridade da competição. Não sou um cientista e tenho os meus conselheiros. E os cientistas, em estudos iniciados em 2019, que não duraram três ou quatro semanas, entenderam que esse tipo de anomalia confere uma vantagem nas provas de 400, 800, 1.500 e a milha. Mas não queremos tirar as pessoas da modalidade e é por isso, que lhes é oferecida a oportunidade de correr 200 metros ou menos, ou 5.000 e distâncias superiores. O que agora se vê nestes resultados nos 200 m? Vamos aguardar. As regras da modalidade estão em constante movimento e talvez no futuro, com base na experiência, tenhamos que mudá-las.. Mas, por enquanto, o que estudos científicos dizem é a vantagem em provas de 400 a 1.500 m.
Os sapatos também são um assunto polémico
Felizmente, existe agora um sistema para calibrar se um modelo é válido ou não. É uma questão de equilíbrio. Tudo evolui na modalidade e os sapatos também, dentro de limites que não pervertem o espírito desportivo. São muitas as marcas de sapatos que investem na modalidade, não só como patrocínio, mas também numa Federação ou num atleta específico. E que têm uma importante divisão de pesquisa por trás deles e fabricam sapatos, não só para melhorar as marcas, como para tornar a modalidade mais segura e para que os atletas não sofram lesões. Alcançar esse equilíbrio é o que queremos e estamos a alcançar. McLaughlin foi vista a vencer com a New Balance, Muhammad usou Nike, Warholm, Puma. Muitos atletas dos 200 m calçaram Adidas. Os meus instintos dizem-me que no próximo ano, todos estarão mais ou menos ao mesmo nível tecnológico. As pistas também evoluíram, 2% mais rápidas. Tem que perceber que não existem cenários perfeitos. Que existem trilhos mais rápidos, trilhos mais lentos. Em todas as modalidades, tem-se que procurar o equilíbrio do desenvolvimento tecnológico.
As pessoas não vão acreditar que as medalhas são conquistadas apenas para investimento?
Para bater recordes, não é só necessária a tecnologia. É mais uma parte. Também inclui treino, talento, desenvolvimento de habilidades, concentração, o tipo de pistas que tem … A Mondo (pista) encontrou uma muito boa depois de muitos anos de trabalho. Vamos ver, não vamos enganar, nenhuma marca de ténis vai fazer um modelo para que quem usa, corra mais devagar. Os sapatos estão melhores do que há cinco anos, da mesma forma que há 40 anos, quando eu corria, eles estavam melhores do que há 30 anos. Mas para McLaughlin bater o recorde, Warlhom bater o recorde, foi porque eles chegaram num grande pico de forma. Eles compreenderam o momento e não o alcançaram seis semanas antes para ganhar um meeting da Liga Diamante. Temos um grupo de trabalho formado por muitas pessoas, entre eles cientistas,
Poderia explicar as razões pelas quais introduziu a ronda final nas competições da Liga Diamante?
Primeiro, tem de perceber onde isso acontece. Não ocorre nos Jogos Olímpicos ou em Mundiais, onde são oito horas de transmissão e não duas. Temos falado com muitas operadoras de televisão: da Espanha, da Itália, da Grã-Bretanha, da Alemanha … E todas elas dizem-nos a mesma coisa: que não querem exibir os concursos e que, podendo escolher, optaram pelo dardo, a vara e salto em altura. Estamos a tentar inovar. Mesmo que venha da pista, gosto de concursos. E eu quero uma modalidade que tenha corridas e concursos. Eu poderia sentar-me e ficar quieto e não fazer nada. Mas queremos ajudar os concursos e ocorreu-nos esta fórmula. Que isto não é atletismo? A minha responsabilidade é encontrar fórmulas diferentes. Quando eu corria os 800 metros, chegavas à final, ganhavas, e não importava o tempo que tinhas feito na primeira ronda. Não é o mesmo? Bom, mas há um debate.
Por que decidiu transferir os Mundiais de 2022 para Julho, quando será o Tour de France…
Uma vez que se moveram os Jogos Olímpicos, o meu objetivo foi não só salvar a World Athletics, que somos a Federação mais forte, mas também salvar as federações continentais. Ou os Jogos da Commonwealth, que para vocês, não têm muito impacto, mas estão 74 países da Grã-Bretanha ao Quénia, passando pelo Canadá … Havia que enquadrar esse calendário e além disso, a NBC, que põe muito dinheiro, também queria que não coincidisse com o Open Britânico, porque é um dos seus melhores investimentos. Era muito complicado enquadrar tudo em 2022.
De certa forma, isto de Tóquio pode lembrar os do México 68. Nova tecnologia, novos sapatos …
Doha foi o melhor Mundial em marcas, assim não é estranho que estas marcas se produzam agora. É uma boa pergunta. De alguma forma, sim. No México 68, chegaram as pistas sintéticas, mais tecnologia, os sapatos, a altitude também influenciou. (Como em Tóquio a humidade) Aqui, Mondo (pista) conseguiu que os atletas de fundo notem que saem com as pernas frescas e que os sprinters digam que é muito rápida. É a combinação ideal.
Acha que está trabalhando bem à frente da World Athletics?
Não cabe a mim dizê-lo, mas acredito que o atletismo está agora em evolução, acima do resto das modalidades olímpicas. Estamos criando, inovando, conversando com muitos patrocinadores. Estamos bem financeiramente. Os nossos atletas estão a correr bem, estão fortes. Eles têm sido resilientes.