A propósito do Dia Mundial da Saúde Mental comemorada no passado domingo, o ex-atleta Michael Johnson relatou os seus problemas mentais nas competições, fazendo alusão aos casos da ginasta Simone Biles e da tenista Naomi Osaka.
O ex-atleta norte-americano Michael Johnson, quatro vezes olímpico e oito vezes campeão mundial, reconhece que “o desporto de elite pode ser mau para a saúde mental”, aludindo aos casos da ginasta Simone Biles e da tenista Naomi Osaka.
No Dia Mundial da Saúde Mental, Johnson comentou num comunicado da Laureus Academy, da qual é embaixador, que quando soube que Naomi Osaka se havia retirado do Open da França devido a problemas relacionados com a sua saúde mental, ” ela não sabia exatamente o que estava a acontecer, o que agora é compreensível, já que a própria Naomi disse que ainda está a tentar descobrir.”
“Eu estava a trabalhar para a BBC”, lembra Johnson, “quando Simone Biles se retirou das competições durante os JO de Tóquio. Pensei muito em Naomi desde o Open da França. Desta vez, decidi, vou esperar um pouco. Dia após dia, Simone falava com sinceridade e detalhes, e quanto mais ela falava, mais perto estávamos do compreendimento.”
Para o ex-atleta, “o aspeto mental deste desporto pode anular completamente o talento físico até mesmo do melhor competidor”. “A saúde mental é um problema que afeta a todos nós (…). Não é algo que possa ser diagnosticado e analisado em tempo real na cabine de transmissão ou nas redes sociais. Temos que ouvir.”
Johnson descreve assim a pressão que sofre o atleta de elite: “Quando se chega onde eu estive, ou onde Naomi e Simone estão agora, estás a fazer o teu trabalho em frente de milhões de pessoas. Não importa o quão preparado se esteja fisicamente, isso acontece com um custo mental. Treinei a minha vida inteira parat. Adoro isto. Mas posso falhar. Posso não ter de novo esta hipótese. Posso dececionar os meus companheiros de equipa. O meu contrato pode não ser renovado. E todos estão a assistir, todo o tempo”.
E ele cita o seu próprio caso nos Jogos Barcelona’92: “Tinha 24 anos. Fazia dois anos que estava invicto nos 200 metros, era o campeão do mundo e o grande favorito ao ouro em Espanha. Depois, pouco antes nos Jogos, tive uma intoxicação alimentar. Depois de recuperar dos efeitos iniciais, não achei que a doença fosse afetar-me na pista. Eu sentia-me bem, até que a pistola tocou. Naquele momento, senti-me como se estivesse a correr no corpo de outra pessoa. Fui daquela prova para os quartos de final, mas não cheguei à final.”
“A equipa dos Estados Unidos viajou (para a Espanha) com psicólogos do desporto e eles quiseram ver-me imediatamente. A equipa havia reconhecido que o que havia acontecido comigo era o tipo de coisa que poderia levar ao que chamamos de ‘desaceleração’: uma espiral descendente da qual é difícil sair.”
“Podes começar a duvidar de ti mesmo”, explica ele, “e era isso que estava a acontecer comigo. Mas assim que me sentei naquele quarto de hotel com a psicóloga da equipa, percebi que não era onde eu precisava de estar. Pode funcionar para algumas pessoas. Não para mim.”
“Tive sorte”, confessa. “Os meus pais estavam em Barcelona, assim como os meus irmãos (eu sou o mais novo de cinco irmãos). O meu pai veio ao meu quarto do hotel e eu sabia que poderia dizer-lhe como me sentia, quais eram os meus medos. E ele apenas ouviu. Então, ele disse: ‘Tu não perdeste uma final. Tu não ganhaste esta. Mas também não foste capaz de competir nela.’
Para Johnson, a experiência do Barcelona’92 foi “a maior deceção” da sua carreira. “E não acabou quando entrei no avião de regresso aos Estados Unidos”, diz ele. “Um par de semanas mais tarde, estava sentado em casa, pensando todavia naquilo. E agora, dou-me conta de que tinha de pensar naquilo. Tinha que estar aborrecido, tinha que estar dececionado. Tinha que sentir tudo isso antes de poder processar o que se havia passado”.
“Eventualmente, comecei a pensar mais e mais nos três medalhados de Barcelona. Ouro, prata e bronze. Eu havia competido muito com cada um deles nos dois anos anteriores aos Jogos Olímpicos. E eles nunca me tinham vencido. Comecei a perceber que, se nos enfrentássemos no ano seguinte, a probabilidade de eu cruzar a linha de chegada em primeiro lugar era bastante alta. Não tinha feito nada de errado. Não havia perdido o meu charme. E não tinha deixado de ser o corredor de 200 metros mais rápido do mundo. “
Em Atlanta 96, nos Jogos Olímpicos seguintes, ele sentiu “mais pressão do que em qualquer outro momento. Eu não teria desejado de outra forma. Em 1996, eu já sabia quem eu era. Eu sabia que era mais feliz e que estava no meu melhor, sob a pressão mais intensa.”
“Se eu não me sentisse seguro, não teria apelado ao COI para mudar o calendário para permitir-me competir nos 200 e 400 m nuns Jogos Olímpicos em casa.” Ele conquistou a medalha de ouro nas duas finais.
“Hoje é o Dia Mundial da Saúde Mental. Mas não tente colocar esse assunto numa gaveta. Isso é impossível. Afeta astros do desporto e as pessoas com quem compartilhas a tua vida, e é completamente diferente para todos. Eles”, ressaltou.