Este ano, assistimos a vários recordes mundiais, alguns deles que resistiam algumas dezenas de anos. A nova tecnologia dos sapatos é apresentada como a grande responsável por tal evolução. Mitch Phillips abordou este tema da seguinte forma.
Quando o presidente da World Athletics, Sebastian Coe, começou a sua análise do ano destacando “algumas performances de cair o queixo”, ele resumiu perfeitamente o paradoxo atual da modalidade – as pessoas ficam surpreendidas com o que estão a ver, mas não necessariamente impressionadas.
Durante décadas, enormes recordes mundiais foram recebidos frequentemente com uma suposição cansativa de doping, mas muitos dos recordes ainda maiores de hoje, são o resultado de “tecnologia do aprimoramento de desempenho”.
O “cair do queixo” é frequentemente acompanhado por um balançar de cabeça, uma vez que uma sucessão de atuações surpreendentes na pista e na estrada, deixou os fãs totalmente desconcertados.
Ilustrando perfeitamente o problema, a final masculina olímpica dos 400 metros barreiras em Tóquio neste ano, foi amplamente aclamada como uma das maiores corridas da história.
O recorde mundial do norte-americano Kevin Young de 46,78 segundos tinha 29 anos, antes de o norueguês Karsten Warholm superá-lo finalmente em oitenta centésimos em Oslo, em Julho.
Em Tóquio, Warholm marcou incríveis 45,94 segundos, enquanto o norte-americano Rai Benjamin e o brasileiro Alison do Santos também estiveram dentro da marca de Young, intocável durante quase três décadas.
Como os céticos não reagiram com adulação, mas com perguntas sobre o impacto aparentemente óbvio dos novos espigões de sola grossa e banhados a carbono e a pista de Tóquio com “retorno de energia”, Benjamin respondeu que poderia ter feito isso em qualquer lugar.
“Ninguém vai fazer o que acabámos de fazer”, disse ele. “Kevin Young, Edwin Moses (que bateu o recorde mundial por quatro vezes e ganhou duas medalhas de ouro olímpicas em 10 anos com 122 vitórias consecutivas), respeito esses atletas, mas eles não puderam correr o que acabámos de correr.”
História semelhante
Foi uma história semelhante, embora com margens menores, no evento feminino, onde Sydney McLaughlin e Dalilah Muhammad correram dentro do recorde mundial pré-Jogos de McLaughlin e quase um segundo mais rápido do que a marca estabelecida pela russa Yuliya Pechonkina em 2003, que durou 16 anos.
Claro, os tempos ficaram sempre mais rápidos e as inovações técnicas ajudaram, mas os recordes vistos agora, estão, nas palavras do próprio Warholm, “tirando a credibilidade da nossa modalidade” enquanto ele criticava bizarramente os sapatos de carbono de Benjamin por terem solas mais grossas que os seus.
Um dos outros destaques do programa Olímpico de Tóquio foi a obtenção sem precedentes dos títulos dos 100 e 200 m pela jamaicana Elaine Thompson-Herah, pois, também auxiliada pelos picos de carbono, ela aproximou-se dos tempos extraordinários e extremamente duvidosos estabelecidos pela falecida Florence Griffith Joyner em 1988.
É uma história semelhante nas estradas, onde as regras de design de sapatos da World Athletics para 2020 devem ser um dos maiores exemplos de fechar a porta do estábulo depois de o cavalo não apenas ter fugido, mas desaparecido nas colinas.
Os recordes continuam a cair em todos os níveis e este ano viu quase dois minutos varridos do recorde mundial da meia-maratona feminina.
Coe diz que é inútil agora tentar colocar essas performances aparentemente estupendas no contexto histórico e por exemplo, no caso das duas provas de 400 m barreiras, ele está certo de que os fãs deveriam sentar-se e apenas apreciar o impressionante confronto direto no maior palco de todos.
No entanto, talvez o evento mais edificante do ano do atletismo não tenha apresentado um recorde, ou um vencedor absoluto, já que Mutaz Essa Barshim do Qatar e o italiano Gianmarco Tamberi encontraram-se igualados após três falhas a 2,39 metros na final olímpica do salto em altura.
Barshim perguntou a um juiz: “Podemos ter duas medalhas de ouro?” E quando ele disse “sim”, e os dois explodiram de alegria, foi realmente um dos grandes momentos olímpicos.