Jorge Pichardo, pai de Pedro Pichardo, campeão olímpico e vice-campeão mundial de pista coberta no triplo salto, participou numa interessante conversa promovida pela Confederação do Desporto de Portugal, conjuntamente com os cinco finalistas do seu prémio “Treinador do Ano”. O tema da conversa foi a análise dos treinadores no sucesso desportivo. Dado o seu interesse, divulgamos seguidamente o artigo de Joana Silva publicado no jornal O Jogo.
Jorge Pichardo, ao abordar de forma muito pessoal a gestão dos treinos do filho, o campeão olímpico Pedro Pichardo, e o que falta mudar no atletismo em Portugal, deixou ideias pouco comuns.Sendo raras as suas intervenções públicas, Jorge Pichardo, que antes de ser treinador foi atleta de salto em altura, triplo e comprimento, revelou que os treinos do seu grupo são “quase sempre de quatro ou cinco horas por dia, até sábado”.
“É bastante longo e entediante; é terrível e impactante”, contou. Apesar da exigência que transmite, Pichardo garante que, para o filho chegar ao nível que tem atualmente, “tem de se sacrificar”. “Sem sacrifício não há resultado”, assegurou.
Não esquecendo o papel de pai, por vezes sente dificuldades para separar as águas: “Dói-me muito, porque é meu filho e quando o vejo a treinar… O treino é forte. Às vezes quero tirá-lo de um exercício e ele diz-me “pai, temos de continuar, senão ficamos sempre na mesma”. Ele sabe sacrificar-se”.
Num momento raro, Jorge Pichardo contou que por vezes é o campeão olímpico a dar-lhe recados. “O meu filho diz-me: “olha, tu és meu pai em casa; aqui és treinador e tens de te comportar como treinador”. Eu ainda o vejo como o meu filhinho…”. O pai-treinador não disfarça o orgulho. “Se não insistíssemos tanto no trabalho, ele não teria chegado ao nível que tem. É com dor que há lucro”, conclui.
Analisando o atletismo em Portugal, Pichardo é muito direto: “Falta mudar a mentalidade. Tenho notado que os jovens atletas, e alguns dos já formados, são conformistas. Conformam-se com pouco”. E dá um exemplo: “Nos Jogos Olímpicos, ouvi conversas em que diziam “está a chover no Estádio Olímpico! Já chove!” Ou seja, o objetivo deles era ir lá. Não era pensar em ganhar. Isso parece-me um conceito derrotista. Confrontei alguns com isso. É preciso mudar a mentalidade, e não só dos atletas, também de alguns treinadores”.
“Cuba é um país 20 ou 100 vezes menos desenvolvido do que Portugal, tem quase o mesmo número de habitantes e possui mais atletas de primeiro nível. Que recebem uma miséria de salário”, contou Jorge Pichardo, explicando que, apesar das fracas condições, os cubanos “sabem ganhar terreno, lutar com quem têm de lutar”.
Sendo mais concreto, o técnico que se radicou em Portugal lembra que por cá “os atletas recebem 500, 600 ou 1000, enquanto em Cuba recebem 8 dólares; os atletas da seleção de Cuba recebem 8 dólares!”.
A terminar a sua intervenção, o cubano deixou uma palavra a todos os treinadores sobre a receita para o sucesso. “O objetivo fundamental de um treinador é educar, ensinar e formar. Nunca se esqueçam que essa é a função principal de um treinador. É ser pai, irmão, amigo, filho do atleta. É isto que é preciso para que o treino corra bem e o atleta tenha êxito”, disse.
Tendo estando entre os cinco finalistas na votação para melhor treinador – distinção natural, após um ano de 2021 de topo, com a conquista das duas principais competições: o Europeu de atletismo de pista coberta e os Jogos Olímpicos de Tóquio -, e apesar de não ter conseguido o galardão, Jorge Pichardo revelou ter ficado emocionado.
“Para mim foi um grande prazer, porque trabalhei em Cuba com atletas de alto rendimento e nunca fui nomeado para melhor treinador. É um grande orgulho ver que em Portugal se reconhece o meu trabalho”, contou o treinador de 54 anos, que além de Pedro Pichardo tem treinado Caterine Ibarguen, a colombiana campeã olímpica no Rio”16.