Miriam dos Santos Martins é atleta do Grecas – Associação Desportiva e Cultural de Santo António de Vagos. Começou a correr em 2016 no Beira-Mar mas teve um acidente grave que quase a deixou paraplégica. Recuperou após duas operações e aos 29 anos, é uma presença regular no pódio nas provas de estrada. Quer estrear-se na maratona.Treina todos os dias, apesar de ter uma profissão (Oficial de Justiça) que a obriga a trabalhar frequentemente para além do seu horário de trabalho. Miriam Martins é um exemplo para muitos daqueles que desistem facilmente, à mínima contrariedade.
Há quantos anos treina e como apareceu o atletismo na sua vida?
Embora sempre tenha sido ativa e tenha corrido algumas vezes em anos anteriores, posso dizer que a corrida começou a sério a partir do final do ano de 2017, o qual foi pautado por uma operação à coluna que me levou a encarar a corrida de uma maneira diferente. No entanto, dei os primeiros passos em 2016, ano em que fui convidada a entrar num clube de atletismo de Aveiro, o Beira-Mar. O convite surgiu na sequência de um treino com alguns atletas do clube, tendo iniciado aí. Fui na altura, orientada pelo senhor Mário Cordeiro, mas como tinha uma limitação na coluna, não podia levar as coisas tão a sério. Daí, considerar sempre o final do ano de 2017, inícios de 2018, como o período em que comecei a levar a corrida de forma mais estruturada, altura em que removi as placas que tinha nas costas.
Está inscrita nalgum clube?
Neste momento, não obstante residir em Lisboa, faço parte da Associação de Atletismo de Aveiro, estando filiada pelo clube Grecas Vagos. Estive em momento prévio, no clube do meu treinador, o Ingleses Futebol Clube que pertence à Associação de Atletismo de Lisboa.
Treina quantas vezes por semana?
Treino imperativamente todos os dias, e quando o corpo o permite, faço entre 2 a 3 treinos bidiários por semana, sendo um deles orientado para a técnica de corrida.
“Acho que em tudo na vida, é preciso ter vontade, pois o cansaço e fadiga estão sempre lá, mas treinar, não falha”
Como consegue conciliar o seu trabalho de Oficial de Justiça com as provas e os treinos?
Com muita determinação e vontade, pois o meu trabalho é pior do que aparenta ser, especialmente com o panorama atual do país, essencialmente com a falta de pessoas qualificadas nos tribunais. Tal, leva-me a ter que fazer serões além do meu expediente. Faço muitos treinos de manhã antes do trabalho, e por vezes nos bidiários, faço um treino mais forte na manhã e à tarde, um mais calmo. Acho que em tudo na vida, é preciso ter vontade, pois o cansaço e fadiga estão sempre lá, mas treinar, não falha. Mas isso implica sacrifícios, como abdicar de tempo social com a família e amigos.
Tem treinador? Costuma ter algum plano de treinos?
Tenho sim, felizmente. Quando entrei neste mundo novo do atletismo, e por nunca ter tido orientação prévia, fiz muitas asneiras, embora no início, sempre com o apoio do meu namorado, também ele, atleta da modalidade há vários anos. Ele prescrevia o treino diariamente (contudo, à distância, pois ele residia em Viseu), ele foi crucial na minha evolução pois antigamente, eu corria à toa. Mas como eu fazia muitas asneiras, não cumprindo o plano, e para não nos chatearmos, ele teve que me deixar de treinar. Com isso, procurei recomendações de treinadores em Lisboa e o Américo Brito foi uma das recomendações, continuo com ele até à data. É ele que me passa os treinos, de acordo com o meu calendário desportivo, e obviamente, problemas que possam surgir pelo meio que obriguem a ajustes, sendo relevante a presença dele.
Quando foi a primeira corrida oficial em que participou? Que achou dela?
Foi a Corrida da Costa Nova. São 10 km e por acaso, é uma distância que está homologada. Na altura, gostei pois foi uma provação. Tinha tido um grave acidente uns meses antes que quase me deixou paraplégica, e foi-me dito que nunca iria ter uma vida normal. O percurso não me agrada de todo, é todo plano e monótono, mas só o facto de estar a correr ali no meio de tantos atletas, foi gratificante. Na altura, tinha placas de titânio nas costas e fiz 44 minutos, sem nenhum treino específico. Apenas corria.
“A corrida, o desporto em geral, são sempre saudáveis, se a pessoa souber as limitações do seu corpo”
Quantas corridas faz em média por ano?
Questão complicada. Não costumo contabilizar as provas que faço por ano, e desde a pandemia, ainda menos. Mas penso que devo fazer umas 20 provas de estrada, em época desportiva normal.
Qual a(s) corrida (s) em que mais gosta de participar?
Eu adoro meias maratonas, por isso acho que teria que dizer a Meia Maratona de Ovar, e se puder escolher outra, a São Silvestre da Amadora. São ambas obrigatórias.
E a(s) que menos gostou de participar?
Não tenho nenhuma prova que tenha odiado, mas como disse, a Corrida da Costa Nova, embora tenha sido a minha primeira corrida, não me agrada, justamente porque é demasiado aborrecida de percurso.
Qual a distância preferida?
Como referi anteriormente, meia maratona é a minha “queridinha”. Também gosto muito de correr 15 km, mas a ter que escolher, é a meia maratona sem pestanejar.
Já correu maratonas?
Infelizmente, o Covid tirou-me essa oportunidade. É o meu objetivo a longo prazo. Desde que ando nisto das corridas, que a maratona é a prova em que revejo. Ia fazer Valência mas veio o Covid e o objetivo foi adiado.
“É triste, mas em Portugal, já se perderam imensos talentos pelo pouco investimento que é feito nesta modalidade”
Para além da estrada, costuma correr na pista?
Não sou atleta de pista, e nunca fiz muitas provas em pista. Só agora em 2022, é que comecei efetivamente a fazer pista. Por norma, faço 3.000 e 5.000 m, gosto bastante dos 3.000. Os 1.500 m, serão uma estreia no dia da Corrida das Fogueiras. Mas em suma, posso dizer que sou atleta de estrada. Idealmente, se tivesse começado mais cedo na pista, talvez tivesse mais predisposição para tal, mas não me vejo a fazer imensas provas em pista.
Qual foi o momento da sua carreira desportiva que mais a marcou?
Penso que foi na Meia Maratona de Ílhavo, quando subi ao pódio com duas atletas já muito conhecidas deste mundo das corridas, a Vera Nunes e a Carla Martinho. Embora não tenha nenhum ídolo desportivo, partilhar um pódio com essas duas atletas de referência, para mim foi importante, pois o meu caminho para estar ali junto delas foi bem duro e fez-me sentir orgulhosa de mim e das minhas capacidades.
Até quando pensa correr?
Até quando o corpo o assim permitir, pois eu dificilmente deixo de correr por outra razão que não seja por saúde. E mesmo assim, é difícil, já que já corri com todas as limitações e mais algumas.
Costuma fazer exames médicos de rotina?
Por ter uma anemia que se antevê que é crónica, faço muitas análises ao sangue. Por norma, entre 4 a 5 vezes por ano. Mas acho que qualquer pessoa que faça desporto diariamente, deve fazer exames médicos. A corrida, o desporto em geral, são sempre saudáveis, se a pessoa souber as limitações do seu corpo.
Lesões?
A pior que tive foi uma fratura de stress no perónio, que foi por excesso de carga e alimentação deficiente. Inclusive, fiz uma prova já com ela, não é uma lembrança agradável. Costumo ter canelites dado o meu tipo de passada um pouco incomum, e algumas contraturas que já advém do trabalho também.
Tem algum tipo de cuidado com a alimentação?
Em tempos, era muito fundamentalista com a alimentação (pois tive anorexia). Hoje em dia, sou seguida por um nutricionista de desporto, o Sérgio Veloso, e já encaro a alimentação de uma forma mais intuitiva. Portanto, sim como de tudo, embora maioritariamente não coma quase nenhuns processados.
“Não façam invenções com comidas e suplementos em dias de prova para a coisa não dar para o torto”
Se não estivesse no atletismo, que modalidade gostaria de ter seguido?
Honestamente, não me via em outro desporto que não este. Desde que me conheço, que sempre adorei correr. Mas acho que se fizesse outro desporto, via-me a fazer treinos de alta intensidade, porque gosto imenso de treinar.
Que futuro vê para o atletismo em Portugal?
Embora queira ter uma atitude positiva para com o atletismo em Portugal, a verdade é que ele está um pouco morto, o que se vê pela falta de apoios aos atletas. Fico feliz em ver atletas promissores a terem apoio, mas não é o suficiente comparando com outros países. Espero que seja algo que mude a longo prazo, mas há que ter esperança nos atletas. É triste, mas em Portugal, já se perderam imensos talentos pelo pouco investimento que é feito nesta modalidade.
O que mais aprecia no mundo das corridas?
A competição e a amizade. Posso dizer que as pessoas que mais gosto, correm. Acho que se conhecem pessoas de todo o lado, e isso é enriquecedor. E as minhas amizades, na sua maioria, vieram das corridas.
“Há alturas no ano em que não se justifica começar provas em horários com muito calor”
Como participante em provas de estrada, como vê as suas organizações?
Há organizações que pecam umas mais que outras. Há muitas coisas que as organizações podem mudar, nomeadamente o haver blocos de partida quando temos imensos participantes e sem dúvida, “prémios” mais aliciantes aos atletas de alta competição, o que segundo os atletas mais velhos, têm vindo a decrescer… É importante, as organizações terem lucro (pois é um negócio), sem esquecer claro, que é importante terem atletas de nível nas mesmas, para elas serem mais atrativas. Acho que são dois aspetos a considerar pelas organizações, por isso é que a São Silvestre da Amadora e a de Ovar trazem tantos atletas de relevo, pois têm esses pontos bem consolidados.
Sugestões para uma melhor organização das provas
Como já referi anteriormente, blocos de partida, é crucial. Terem bengaleiros sempre que possível pois nem sempre existem. Outro ponto, é a questão do levantamento de dorsais, há organizações que falham imenso nesse aspeto. Outra questão relevante, é as horas de início da prova nas várias alturas do ano. Há pouco tempo, vi uma maratona em Coimbra realizar-se às 11 horas… Não faz qualquer sentido, porque há alturas no ano em que não se justifica começar provas em horários com muito calor. Temos que saber que para um atleta de alto rendimento já é duro, imaginem um atleta de pelotão.
“A longo prazo, quero fazer maratonas e provas de longa distância”
Projetos futuros na modalidade
Para mim, a maratona. E melhorar as minhas marcas e recuperar o tempo perdido durante o covid, tendo tido anemia prolongada. Mas a longo prazo, quero fazer maratonas.
Uma ou duas estórias curiosas acerca das suas corridas
Tenho uma que foi na Corrida de Santo António em Lisboa, marcada pelo pior e pela teimosia, pois tive uns problemas intestinais e não quis desistir (acho que não preciso mencionar o que aconteceu). Posso dizer que não façam invenções com comidas e suplementos em dias de prova para a coisa não dar para o torto.
Tenho uma corrida também em que foi o dia em que fiz a maratona e não fiz. Fui ajudar um amigo meu na primeira maratona, fiz de ‘lebre’ durante 27 km e depois tive que voltar para trás, mas como não queria correr os 42 km, fui fazendo de claque aos atletas em prova. No final apanhei um belo de um escaldão, mas ao menos dei força às pessoas e ajudei um amigo. Foi na maratona de Aveiro (vulgo Maratona da Europa).
“A todos aqueles que duvidam deles, acreditem sempre nas suas capacidades e lutem, mesmo que custe e que demore, pois vale sempre a pena”
Mais algum aspeto que ache de interesse divulgar
Acho que posso apenas acrescentar que quando se tem força, gosto e vontade de fazer algo, simplesmente, vão em frente e não deixem que alguém diga o contrário. Embora não toque muito no assunto, houve alguém que me desencorajou quando tive o tal acidente grave. Porém, mesmo tendo tido sorte no meio do azar, não significa que a minha vida acabou ali e que deva ter cuidado para não partir, só porque alguém com um diploma o diz. Quero apenas acrescentar, aos mais novos, aos mais velhos, e a todos aqueles que duvidam deles, que acreditem sempre nas suas capacidades e lutem, mesmo que custe e que demore, pois vale sempre a pena.