Lucinda de Sousa é aos 51 anos, uma das atletas mais conhecidas no mundo do trail. Atleta do Gondomar Futsal Clube, já teve a honra de representar Portugal em Campeonatos Mundiais de Trail. Esteve três vezes no UMTB e no seu primeiro Mundial em Annecy, correu 80 km com a rótula fraturada em dois locais!
Lucinda de Sousa é atleta internacional bem conhecida no mundo do trail, onde se tem destacado com muitos pódios. Nascida em Gondomar, tem 51 anos e é professora. Praticante desportiva desde a adolescência, dedica-se ao atletismo há 20 anos. Estreou-se no mundo das corridas na Corrida do Dia do Pai e logo depois, na Meia Maratona do Porto. “Adorei o ambiente e a superação”.
Atleta do Gondomar Futsal Clube–Atletismo, Lucinda treina todos os dias, dos quais, acompanhada, em 2 a 3 dias por semana. Paulo Pires, da Plataforma BeApt, é o seu treinador.
Como concilia Lucinda de Sousa os treinos e corridas com a atividade profissional? “Tudo na vida tem o seu espaço. Determinação, compromisso, capacidade de sofrimento e uma grande paixão pelos trilhos com a partilha das dificuldades e sensações com os restantes atletas. Todos estes princípios, eu transfiro para a vida profissional”.
“Todas as provas têm uma história, as provas em que a história não chega ao fim, são as provas em que fica algo por contar”
Preferência pelos Campeonatos Nacionais e Mundiais
Corre em média, duas provas por mês, dependendo muito dos objetivos do ano. As suas provas preferidas são os Campeonatos Nacionais e Mundiais, “por serem mais competitivos”.
Já quanto às provas que lhe deixaram recordações menos agradáveis, “todas as provas têm uma história, as provas em que a história não chega ao fim, são as provas em que fica algo por contar”.
“Todas as minhas provas pequenas ou grandes, têm uma pequena história para contar, penso que é essa, a minha maior motivação para os trilhos”
Especialista no Trail
Sendo uma atleta do Trail, diz-nos que a sua distância preferida passa pelos 50 km, com muita altimetria. Mas também já experimentou a maratona na estrada, tendo corrido três maratonas, sendo a primeira no Porto. “Foi uma prova muito importante para mim, foi essa que me incentivou às ultra distancias.”
Merecendo o Trail a sua preferência, é lá que ela compete de uma forma mais competitiva. Na estrada, fá-lo apenas pelo prazer da corrida, mas nunca de forma planeada/competitiva.
“Como foquei anteriormente, apenas realizei algumas provas na estrada, pelo gozo e prazer que possuo na corrida, pelo que não posso sequer ‘falar’ em ter deixado a estrada, uma vez que nunca lá estive, pelo menos num contexto de enquadramento competitivo.”
Para Lucinda, a grande diferença entre o trail e a estrada, reside na sua “maior identificação com o espírito, pela maior imprevisibilidade, com o tipo de treino que esta modalidade acarreta”.
O Trail surgiu-lhe de uma forma natural e gradual, até a um patamar que implica agora para si, uma grande articulação em conciliá-lo com a sua vida profissional e familiar.
“Fazer provas de três dígitos não é apenas calçar as sapatilhas e ir correr”
.A paixão pelas provas com três dígitos
Lucinda de Sousa tem ainda a paixão pelas provas com três dígitos, mas como ela afirmou, não é uma tarefa fácil. “É com muita dedicação, empenho, entrega, sacrifício do próprio e da família. Mas quando se termina com sucesso, é uma satisfação indescritível. Fazer provas de três dígitos não é apenas calçar as sapatilhas e ir correr. É necessário muito treino, gerir a alimentação que no meu caso, é muito difícil (tudo que ingiro nas provas, é com muita dificuldade). Gerir a frequência cardíaca etc…”
“Representar o país, é um momento único para quem gosta de competir”
Atleta internacional no Trail em diferentes continentes
Lucinda não tem todas as provas contabilizadas que já participou a nível internacional mas já correu em muitos países e diferentes continentes. Refere entre outras, Annecy, Lavaredo, Capadócia, África do Sul, UTMB, etc. A sua primeira internacionalização foi na Transgrancanária, em que foi sétima da geral e segunda no escalão. “Foi uma sensação inesquecível correr ao lado dos ‘Tubarões’. Todas as minhas provas pequenas ou grandes, têm uma pequena história para contar, penso que é essa, a minha maior motivação para os trilhos”.
Para si, as internacionalizações que lhe deixaram melhores recordações foram sem dúvida, os Mundiais de Trail. “Representar o país, é um momento único para quem gosta de competir.”
“O MIUT foi a primeira prova de três dígitos que realizei, sendo sempre uma incógnita a forma como o nosso corpo vai reagir com 10, 15, 20 horas de prova”
MIUT, momento marcante na sua carreira desportiva
Lucinda não hesita em escolher o MIUT disputado em 2014. “Será sempre uma excelente recordação, por várias razões. Foi a primeira prova de três dígitos que realizei, sendo sempre uma incógnita a forma como o nosso corpo vai reagir com 10, 15, 20 horas de prova; pelo facto de efetivamente ter ganho a prova, quando tinha, a participar entre outras, uma das melhores atletas do Mundo na modalidade, a qual ficou em 2015 em 3º lugar no conceituado UTMB (Ultra Trail Mont Blanc) e que obviamente era dada como favorita; bem como pelo companheirismo de um grupo fantástico que me apoiou na Madeira e o atleta e agora amigo João Cruz, que partilhou a prova quase toda comigo”.
“Nas lesões, é muito importante procurar técnicos especializados nas diferentes áreas”
Três vezes no Ultra Trail Mont Blanc
Curiosamente, poder correr no UTMB é para muitos amantes do trail, o momento mais marcante da sua carreira desportiva. Mas com Lucinda, não se passou assim. “O UTMB é a única prova em que não consegui terminar de alma cheia”. Explica-nos as suas razões: “Em competição, todas as provas possuem a sua história e a sua dureza. Por vezes, a mesma prova transmite-nos sensações de dureza e de dificuldade completamente diferentes. No meu caso, mais que a dureza do percurso e das condições ambientais, é o facto de possuir dificuldades em assimilar líquidos e sólidos, ao fim de algumas horas de prova, o que ‘inferniza’ a prova em termos da sua realização, bem como do respetivo rendimento. Este problema infelizmente, tem-me acompanhado em quase todas as provas de longa distancia, nomeadamente no UTMB.”
Para si, as principais diferenças das provas de trail no estrangeiro e em Portugal, começam pelo número de praticantes. “A partir daí, tudo é diferente”.
“O apoio aos atletas é manifestamente insuficiente para existirem profissionais na modalidade”
Saber lidar com as lesões
Pensa correr até quando o corpo e a mente o permitirem. Tem sido visitada por algumas lesões, procurando combatê-las com o cruzamento de várias modalidades e diferentes tipos de treino. Já foi operada a um joelho, já fraturou uma rótula, já fez um arrancamento de ligamentos, etc.
“As lesões é um dos aspetos mais sensíveis na vida de um atleta. À semelhança das provas, eu procuro não parar, optando por um treino que não afete a lesão. Muito importante, é procurar técnicos especializados nas diferentes áreas.”
“O treino, a alimentação e o descanso são variáveis, bastante importantes no desempenho físico”
Aposta no futuro em provas por etapas
No futuro, Lucinda pretende apostar em provas por etapas, “onde o convívio é brutal”. Se não estivesse nas corridas, éramos bem capazes de ter tido uma boa saltadora do triplo salto, disciplina em que ela se sente fascinada.
No mundo das corridas, aprecia particularmente o poder conhecer trilhos novos, a partilha de experiências com outros atletas e a adrenalina da competição. “Para além disso, todo o caminho que me leva a finalizar objetivos, é algo que me atrai e me faz viver de forma entusiasmante o meu dia a dia, que não é nada fácil”.
Já quanto ao futuro do atletismo em Portugal, considera que “existe um longo caminho a percorrer, o apoio aos atletas é manifestamente insuficiente para existirem profissionais na modalidade”.
Cuidados com a alimentação
Para Lucinda, “o treino, a alimentação e o descanso são variáveis, bastante importantes no desempenho físico”. Em termos alimentares, não come carne, recorrendo a poucos produtos lácteos e produtos processados. Procura respeitar a proporcionalidade prevista na roda dos alimentos, sendo que em determinadas alturas do ano, recorre a alguma suplementação.
No que diz respeito ao treino, considera-se disciplinada em cumprir o plano de treino elaborado. Mas o mesmo já não acontece quanto ao descanso. “Para dar resposta à minha atividade profissional de professora, tarefas de casa, família e treino, nem sempre é possível descansar o que seria devido”.
Não dispensa naturalmente os exames médicos de rotina, sendo acompanhada no CMEP pelo Doutor Jaime Milheiro.
Correr 80 km com a rótula fraturada em dois locais!
Estórias não faltam a Lucinda que escolheu uma nada agradável, passada no seu primeiro Mundial em Annecy. “Logo nos primeiros 100 metros, fui ‘ceifada’ caindo no alcatrão e todos corriam por cima de mim. Tive uma dor brutal, mas lá me levantei. Na primeira descida, o joelho que ficou ferido com a queda, estava a doer em demasia, mas lá continuei. Uma atleta da equipa já tinha desistido e para fechar a equipa, eu tinha mesmo que chegar ao fim. Na última descida antes da meta, já não conseguia colocar o pé no chão. Moral da história corri 80 km com a rótula fraturada em dois locais”.
Cuidados a ter a quem se inicia na prática desportiva
A terminar, Lucinda quis deixar um conselho a quem se inicia na prática desportiva. “Todas as pessoas que iniciam uma modalidade desportiva, devem iniciar por fazer um diagnóstico médico, por forma a apurar o seu estado de saúde, para posteriormente ser elaborado um programa de treino ajustado aquela pessoa. Caso não tenha acompanhamento, deve ter como base, o princípio do mais fácil para o mais complexo de uma forma gradual, com objetivos de provas também graduais. O cuidado com a alimentação e respetivo peso, deve ser outra das variáveis a considerar. Só depois, organizar o calendário de provas”.