Samuel Barata é aos 32 anos, campeão nacional de corta-mato curto. Nascido em Cabo Verde, cedo se destacou nas corridas. Veio para o Sporting CP aos 21 anos e representa atualmente o Vitória de Setúbal. Continua a preferir a pista à estrada e elege a sua participação nos Jogos da Francofonia em 2013 como o momento mais alto da sua carreira desportiva.
Samuel Freire tem 32 anos e nasceu em S. Lourenço dos Órgãos, na Ilha de Santiago em Cabo Verde. A viver em Lisboa, é atualmente, tratador de equídeos no Colégio Militar.
Começou a correr há 12 anos, ainda em Cabo Verde, por influência do seu irmão que também corria. Rapidamente deu nas vistas e aos 21 anos, estava em Portugal, representando o Sporting CP. “Já ganhava as provas quase todas, havia lá um sportinguista e foi através dele que vim para Portugal, para estudar e treinar”.
De Cabo Verde para Lisboa
Mas não foi fácil a adaptação de Samuel, vindo de um meio pequeno rodeado da família e dos amigos, para uma cidade como Lisboa, onde tudo era novidade para ele. “Foi difícil a adaptação, o clima era diferente, muito frio. Tive muitas lesões, estava longe da família. Armando Aldegalega era então, o meu treinador”.
Já o seu irmão também veio correr para Portugal, tendo representado o JOMA. Mas não conseguiu adaptar-se à vida do nosso país e acabou por regressar ao país natal.
Enquanto correu em Cabo Verde, Samuel fê-lo na estrada, dada a falta de uma pista. Depois em Portugal, dedicou-se à pista, particularmente aos 800 e 1.500 metros. A sua primeira prova em Portugal foi na pista da Cidade Universitária, tendo corrido os 1.500 m em 3m53s.
Do Sporting CP ao Vitória de Setúbal
Samuel já representou o Sporting CP, a JOMA, o SL Benfica e o Vitória de Setúbal desde 2021, tendo-se estreado neste clube com um segundo lugar no Cross da Amora.
“Quando achar que não consigo andar na frente, passarei a correr como hobby”
Campeão nacional de corta-mato curto
Neste ano em março, Samuel sagrou-se campeão nacional de corta-mato curto, em prova disputada em Guimarães, à frente dos benfiquistas Etson Barros e Samuel Barata.
No recente Nacional de Estrada disputado em Famalicão, Samuel foi sexto, em prova vencida pelo sportinguista Rui Pinto.
Depois de ter vencido a última edição da Corrida do Avante, venceu a Meia Maratona da Moita em 1h04m59s, marca que constituiu novo recorde de Cabo Verde.
Preferência pela pista
Samuel treina habitualmente 11 vezes por semana, três delas acompanhado. Consegue conciliar os treinos com a sua atividade profissional porque se levanta bem cedo. Não tem atualmente um treinador mas não dispensa um plano de treinos.
A sua distância preferida passa pelos 3.000 metros e corre em média, 15 provas por ano, entre a pista, corta-mato e estrada.
Já com um bonito curriculum na estrada, contando com várias vitórias no seu país natal e no estrangeiro como a Meia Maratona de Macau, a preferência de Samuel mantém-se na pista. “Ainda consigo fazer resultados interessantes. A estrada vai ser o meu futuro. Quero correr abaixo dos 14 minutos aos 5.000 m e dos 29 aos 10.000, são os meus grandes objetivos na pista”.
Ainda não se estreou no trail nem na maratona mas pensa experimentar os 42.195 metros. Aliás, já treinou para esta distância mas lesionou-se e teve de adiar a estreia.
Recordes pessoais
800 m: 1.49,94 (2017)
1.500 m: 3.45,94 (2017)
3.000 m: 8.07,86 (2019)
5.000 m: 14.10,62 (2019)
10.000 m: 29.33,64 (2022)
Meia Maratona: 1.04.59 (2022)
” Não posso estar a treinar e a pensar só na situação financeira”
Corrida da Liberdade em Cabo Verde é a sua prova preferida
A Corrida da Liberdade em Cabo Verde é a sua prova preferida. Disputa-se a 13 de janeiro na Cidade da Praia, data que já era feriado nacional e em que, pela primeira vez, em 1991, os cabo-verdianos exerceram o seu direito de voto nas primeiras eleições multipartidárias, após 16 anos em regime de partido único.
Já a prova com que “ficou com um gosto mais amargo”, foi nos Jogos da Lusofonia que se disputaram em Goa, em 2013. Foi quarto na final dos 1.500 m quando era o favorito à medalha de ouro. Mas acabou por conquistar nesses Jogos, uma medalha de prata na estafeta 4×400 m. Participou ainda nos Jogos Africanos de 2019 em Rabat, onde foi 19º nos 5.000 metros.
Momento mais alto da carreira
Samuel escolhe a sua participação nos Jogos da Francofonia que se disputaram em 2013 na cidade de Nice, como o momento mais alto da sua carreira desportiva. Foi então finalista dos 1.500 m, apesar de deter o pior tempo dos participantes. Cabo Verde participou nesses Jogos como convidado.
Correr sempre, mesmo como hobby
Pensa continuar no mundo do atletismo por muito tempo. “Gosto de fazer desporto, vou fazê-lo enquanto puder. Sou competitivo, é muito desgastante. Quando achar que não consigo andar na frente, passarei a correr como hobby.”
Se não estivesse no atletismo, era capaz de estar a jogar basquetebol, modalidade que praticou antes de optar pelas corridas.
No mundo do atletismo, aprecia particularmente as amizades que se fazem e o poder fazer turismo.
“Há atletas que dedicaram a vida toda ao atletismo e que estão agora a terminar a sua carreira mas não têm uma profissão”
Lesão grave há um ano
Sendo atleta federado, não dispensa naturalmente os exames médicos de rotina. Quanto a lesões, teve uma grave há um ano atrás que demorou a curar. De resto, tem tido uma ou outra mas sem gravidade. Tem os devidos cuidados com a alimentação, evitando beber refrigerantes.
A importância de um emprego
Quanto ao futuro na modalidade, Samuel considera que é não é fácil. “Já tive sonhos. Há atletas que dedicaram a vida toda ao atletismo e que estão agora a terminar a sua carreira mas não têm uma profissão”. E acrescenta: “O atletismo é um bocadinho ingrato. Quando corre bem, tudo bem. Mas podemos estar a treinar bem e os resultados não aparecerem. Não posso estar a treinar e a pensar só na situação financeira”.
“Vou com regularidade a Cabo Verde mas é aqui que quero viver”
Ambições na modalidade
Samuel tem ideias bem definidas. “Há que preparar bem o objetivo que queremos atingir. Definir a meta e trabalhar para isso”. Gostava de representar Cabo Verde no Mundial de Budapeste em 2023 e por agora, “representar o melhor possível o clube”.
“Hoje, vai haver mortes!”
Samuel conta-nos uma estória passada nos seus treinos. “Quando fui treinado pelo Rafael Marques, ele esfregava as mãos quando havia séries e dizia: ‘hoje vai haver mortes’. Depois na última série, já estávamos todos ‘mortos’. Quando o Rui Silva foi meu treinador, tive como colegas de treino entre outros, o Hermano Ferreira e o Ruben Pessoa. Um dia, tivemos treino de duas séries de 1.500 m e três de 1.000 m. Mal o treino começou, fui logo embora, rápido. Nas séries de 1.000 metros, fiz a primeira em 2m45s. O Rui Silva pensou que eu estava muito bem. Mas na última série de 1.000 m, já estava todo ‘roto’. Virei-me para o Rui Silva e disse-lhe: ‘Chefe, posso fazer mais uma série com os meus colegas?’ Ele disse-me que não e mandou-me fazer a série sozinho. Fiz a última a cerrar os dentes, bem cansado. Rui Silva disse-me então: ‘Foste tu que te mataste a ti próprio!’.
Quando atravessou a fronteira sem documentos!
A outra estória passou-se num estágio feito em Font Romeu, nos Pirenéus franceses. Samuel foi com outros companheiros para o estágio mas esqueceu-se de levar os documentos pessoais. Próximo de Andorra, um colega avisou-se para ter os documentos à mão, podia ser preciso. “Foi aí que eu lhe disse que me tinha esquecido dos documentos!” ‘O que é que eles vão pensar de ti, sem documentos?’ Felizmente, não pediram os documentos, não houve problema”.
Feliz em Portugal
A terminar, Samuel quis expressar como se sente bem em Portugal. “Gosto de viver aqui. Gosto da comida portuguesa. Vou com regularidade a Cabo Verde mas é aqui que quero viver”.