Era uma questão de tempo, o doping já chegou ao trail. O queniano Mark Kangogo, vencedor da prova Sierre-Zinal 2022, foi posteriormente desclassificado pela Agência Mundial Antidoping (WADA) por ter acusado positivo para duas substâncias proibidas.
As provas de trail têm há muito tempo, testes antidoping muito limitados. Com o grande aumento de atletas suspensos por doping nas provas de estrada e pista, pergunta-se como estão as Organizações de provas de trail a lidar com esse problema.
O Programa Quartz (também conhecido como Programa de Saúde) é organizado pela Associação Atletas pela Transparência (AFT) e é agora utilizado por algumas das maiores provas de trail running do mundo, incluindo a Golden Trail World Series, Ultra Trail de Mont Blanc e outras).
Embora alguns testes antidoping estejam a ser feitos nessas provas, os atletas expressaram a sua preocupação com a falta de consistência entre as provas e a diferença significativa nas consequências sancionadas pelo Quartz, em comparação com a WADA.
O que é exatamente o Programa Quartz?
Segundo Simon Pallet, presidente da Associação Atletas pela Transparência, o Programa Quartz foi criado originalmente em 2008, com o objetivo principal de garantir a aptidão médica de um corredor para participar numa prova de trail.
Pallet explicou que o Quartz faz exames médicos antes da prova para obter o perfil biológico do atleta, além de exames toxicológicos para substâncias proibidas na linha de chegada. Eles podem impedir um corredor de partir se não for considerado clinicamente apto, e podem desqualificá-lo se testar positivo para substâncias proibidas.
A lista de substâncias proibidas do Quartz contém todos os medicamentos regulamentados pela WADA, mas com a adição de outros, como os anti-inflamatórios não esteroides, que se mostraram perigosos em ultra distâncias.
Provas que recorrem ao Programa Quartz
Há dois grandes circuitos de trail running que utilizam atualmente o Quartz (e referem tal nos seus regulamentos): o Golden Trail Series e o UTMB. Outras Organizações, como a Marathon des Sables e o Festival des Templiers, também utilizam os serviços do Quartz.
Diferenças entre Quartz e WADA
As políticas e objetivos da WADA estão focados na deteção do uso de substâncias e métodos proibidos. Pallet diz que a agenda do Quartz é diferente: “O objetivo do Programa Quartz consiste em proteger a integridade e a saúde do atleta. É por isso que estabelecemos uma lista médica que inclui substâncias adicionais à lista antidoping, que provaram ser perigosas em provas de competição”. Ele acrescenta: “A nossa missão não é apanhar aqueles que fazem batota – embora tenhamos o prazer de ajudar a tornar a modalidade justa – é falar sobre problemas de saúde com os atletas e protegê-los quando eles não puderem fazê-lo sozinhos”.
Ultramaratonistas famosos, como a recordista mundial Camille Herron, chamaram a atenção para a falta de transparência dentro da modalidade, pedindo que haja uma expectativa maior para que os atletas conheçam as regras sobre o doping, bem como as consequências para atletas de ultra e trail que fazem batota.
Que autoridade tem o Quartz sobre os atletas?
Em provas ou circuitos que utilizam o Quartz, os atletas podem ser proibidos de partir, se for considerado que violaram as regras da prova pelo não cumprimento da lista médica. “No entanto, o doping não nos diz respeito”, diz Pallet. “O que nos interessa são os riscos médicos, como trombose ou insuficiência renal grave”.
O Quartz utiliza uma abordagem médica e não divulga os resultados. “Se um atleta desejar, é sua prerrogativa explicar, ou não, por que não começou a prova”, diz Pallet.
Ele acrescenta: “No contexto do antidoping, certos atletas podem recorrer de quaisquer decisões de uma suspensão provisória. Nesse caso, eles estão autorizados a continuar em atividade enquanto aguardam o restante procedimento, que às vezes pode ser muito demorado. Como parte do Programa Quartz, ainda podemos impedi-los legalmente de participar em competições até que o procedimento seja totalmente finalizado.”