Como sabemos, o Quénia atravessa um grave problema com dezenas de atletas suspensos por doping. Em entrevista ao jornalista Romain Donneux, o australiano Brett Clothier, diretor da Unidade de Integridade de Atletismo explicou as razões para tal situação.
“Como explica a explosão de casos de doping no Quénia?
O ponto de partida é que as maratonas oferecem muitas oportunidades financeiras e os maratonistas só podem fazer uma ou duas por ano. Então, isso abre espaço para muita gente, já que um atleta colocado no 100º lugar do ranking mundial, pode ganhar muito dinheiro vencendo uma maratona, o que não é o caso do 100º saltador do mundo em comprimento. E, no Quénia, há um grupo muito grande de excelentes corredores. A pandemia também desempenhou um grande papel. Houve menos corridas, menos dinheiro a entrar e isso levou alguns a correr mais riscos. Porque é financeira, a primeira motivação para se dopar. Isso é o que torna o Quénia único.
Como fez para chegar a estes resultados?
O sistema não estava preparado para lidar com um grande número de atletas a controlar. O nosso foco estava nas grandes competições onde monitoramos particularmente os dez primeiros por disciplina. O que obviamente não era bom o suficiente para o mundo das corridas de estrada. Assim, durante vários anos, aumentámos o número de testes de corredores profissionais. Em 2019, vimos com os principais organizadores de provas obter uma ajuda de 3 milhões de dólares para controlar os 300 melhores do mundo (150 homens e 150 mulheres). Infelizmente, nomeadamente por causa da pandemia, tivemos de reduzir os números, havendo, neste momento, um pool de atletas testados de 40 homens e 40 mulheres, o que não chega. Mas permitiu-nos ainda lançar as bases para avançar no futuro, coletando inteligência, amostras de atletas menos bem classificados e já tendo perfis. E no próximo ano, esperamos voltar ao objetivo inicial.
Ficou surpreendido com o número de casos?
Não diria que estou surpreendido porque, como disse, coletamos muitas informações sobre o Quénia e temos uma compreensão crescente do que está lá a acontecer. Portanto, não é surpresa que os casos estejam a acontecer. A grande reserva de talentos, juntamente com os problemas económicos, cria um ambiente muito propício para o mercado negro de produtos dopantes e doping em geral. Técnicas e produtos, estão facilmente disponíveis, o que cria todo um mercado paralelo.
Os intervenientes exteriores como os managers ou treinadores estrangeiros, costumam ser visados quando se trata de encontrar os culpados para este problema. O que acha?
É um erro pensar isso. Cada caso é um caso, mas, em geral, não são os dirigentes que facilitam o doping. São práticas que acontecem localmente com produtos locais. Acima de tudo, os dirigentes têm um papel a desempenhar na prevenção, monitorando os seus atletas da melhor maneira possível para evitar abusos.
Desde que a AIU assumiu o controle do antidoping, os resultados parecem estar aí.
Obviamente, é lamentável que existam casos, mas o mais importante, é que possamos descobri-los. Lá, claramente, há um alto risco de doping no Quénia. Estamos na fase da descoberta e não podemos resolver nada se não passarmos por esta fase. Cooperamos muito bem com as autoridades locais, que não negam e não tentam prejudicar o nosso trabalho. Pelo contrário, eles ajudam-nos a resolvê-lo. Eu acho realmente que podemos melhorar a situação.