Tinha concluído 24 Maratonas, mas sentia a falta de uma Major, que é como quem diz, uma das maiores seis do mundo nesta distância mítica.
Em 2020, a pandemia não deixou, tão pouco em 2021, mas eis que em 2022 precisamente no passado dia 6 de novembro, o grande dia chegou. O dia pelo qual ansiei durante largos meses, melhor dizendo, alguns anos. Este domingo, este 6 de novembro de 2022, era apenas o momento da concretização da caminhada. A verdadeira recompensa!
Eram 4 da manhã e o despertador toca. Abri logo os olhos, era o dia. Nem cedi à tentação da ronha. Não havia tempo para tal. A primeira coisa que fiz? Pesquisar a hora local e perceber se por comparação com Lisboa, havia 5 horas de diferença. É verídico! Tinha um medo brutal de que o relógio não tivesse acertado automaticamente e que pudesse estar atrasado. Não foi o caso, tudo em ordem. Levantei que nem uma mola da cama e equipei-me. Eram 5 horas e alguns minutos e já de pequeno-almoço tomado, segui na companhia do Manuel António e Armando Dias, também atletas do Clube Ferroviário e dos restantes atletas que a par de nós, formávamos o grupo organizado pela Endeavor Maratones para os três autocarros que saíram do Hotel Riu Plaza New York Times Square em direção a Staten Island.
Terei chegado a Staten Island pelas 6:30 e tinha mais três horas e quinze minutos de espera pela frente até ao meu tiro de partida. Na prática, estava na zona de partida à hora em que, normalmente, me levanto para ir treinar ou correr uma maratona… Tanto tempo antes, meu Deus!
Entrei na Village e rapidamente comecei a sentir a dimensão desta prova. Na caixa “orange” da 2.ª vaga, fui avançando enquanto não abriam definitivamente o acesso à ponte. Quando abriram, muitos corredores seguiam tranquilamente e eu procurei mexer-me rápido. O suficiente para chegar à ponte Verrazano, ficando a um metro da linha de partida!
Sei que não é o nosso hino, mas entrei no espírito e respeitei o momento quando tocou o “New York, New York” de Frank Sinatra e três minutos depois, o hino norte-americano. Naquele momento solene, tive o primeiro arrepio. Estava mesmo ali para fazer a minha 25.ª Maratona! Dois minutos depois ouve-se o tiro de partida (um canhão!), menos de um minuto depois, estava eu a cruzar a linha. Estava a correr a minha maratona de sonho!
Eis que é a subir! Logo a primeira tareia nas pernas, que nos deixa bem acordados para o resto da prova.
Saímos da ponte e levámos com o primeiro banho de gente. Em pleno Brooklyn, uma verdadeira festa. Cartazes, pessoas mascaradas, mesas com comida para os corredores…
A cada reta e cada viragem, a multidão era uma constante. Era absolutamente impossível ficar indiferente com o brutal e inigualável apoio popular.
Porém… chegados ao bairro dos judeus hassídicos, onde reina um silêncio que contrasta com o constante bruah antes sentido, remetem-se os meus pensamentos a exigir que tenha força para continuar! Felizmente que este local onde não se houve um pio, passa rápido e logo a seguir, volta a loucura. Bandas a tocar, malta a dançar e a apoiar… Barulho, barulho e mais barulho! Em Brooklyn tudo para mim foi mágico. Foram mais de 12,4 milhas a ser tratado como um herói, engolido pela multidão, empurrado por pessoas que muito provavelmente nunca mais me verão na vida. Esse foi mesmo o combustível que me fez correr.
Em plena Pulaski Bridge, após uma longa subida, atingimos o marco da meia-maratona. Logo de seguida, entramos em Queens onde o percurso suaviza, mas é sol de pouca dura, pois logo a seguir vem a terrível ponte de Queensborough que nas suas quase duas milhas e de idêntico silêncio ao do bairro atrás referido, coloca-nos as pernas a pesar bem mais do que nas anteriores subidas.
Saídos da ponte, entrámos na 1st Avenue já com mais de 16 milhas e tínhamos quase quatro em diante nesta zona em que o perfil era um autêntico carrossel, só ignorado pelo banho de multidão que não desistia de nos apoiar.
Cumprida a longa reta em Manhattan, era hora de uma curta passagem de menos de duas milhas no Bronx. Mais uma ponte, agora nas quase 20 milhas, chega mais um teste à nossa resiliência.
A prova nesta altura, já tinha deixado, os meus joelhos (ainda mais) massacrados, pelo que reduzi o esforço, rolando o mais confortável possível no meio de todo o desconforto que sentia, até porque antes de voltar a Manhattan, tínhamos mais uma ponte. Esta pequena e menos dura, mas ainda assim, também exigente.
De novo em Manhattan, ainda a faltarem quase cinco milhas nada fáceis… Uma longa reta de altos e baixos que nem permitem por um segundo, recuperar o fôlego. Às 22,3 milhas, já em plena Quinta Avenida, contornámos o Marcus Garvey Park e logo a seguir atingimos o tão desejado Central Park.
Nesta avenida, mercê das longas milhas que já levávamos nas pernas, muitos corredores iam perdendo ritmo e ficando para trás!
Faltavam três milhas: uma na Quinta Avenida e as outras duas no sobe e desce do Central Park. “Agora é hora de deixar tudo nesta rua e pulmão nova-iorquino”, pensei eu, achando que dali em diante iria ser capaz de meter a minha sexta mudança e arrancar em grande ritmo até final. Nada disso. Já tinha entrado na reserva… mas empurrado pela multidão, era impossível não chegar ao fim. Pouco depois, entro no Central Park. Já dentro deste enorme pulmão, passo a placa da 25.ª milha. Nunca pensei nas minhas corridas em milhas, mas fiz as contas para que precisasse de uns 9 a 10 minutos para cumprir o que faltava. Cá dentro, já me sentia a celebrar. Saio momentaneamente do Central Park, entro na 59th e, já a faltar menos de uma milha para a meta, levo uma derradeira injeção de energia. Que público!
É a maratona mais desejada do mundo, é a melhor maratona do mundo e eu e mais de 47.000 dos perto de 60.000 inscritos, concluímo-la. Agora não é hora de baixar a cabeça. É sim hora de abrir os braços e celebrar a conquista de mais 42 quilómetros e 195 metros. E isso, independentemente do tempo (4:15:21), pior de sempre, foi para mim, motivo de celebração.
Apressei-me a receber a tão desejada (há três anos que a espreitava) – e que bonita que é! – medalha, o saco com fruta e bebidas energéticas, o poncho e entrar em contacto com a minha família que estava certo, me acompanharam através do dorsal ao longo daquele trajeto de cerca de 4 horas, a milhares de quilómetros de distância e que até conseguiram filmar a minha chegada triunfal e que comigo partilharam desde logo.
Chegado ao final eis que as dores que senti nos joelhos, o calor e o cansaço que me assolou, evaporam-se naquela linha de chegada. Sofri para lá chegar, lacrimejei depois de o fazer não me conseguindo conter, senti que afinal fui capaz, recebi aquela medalha que guardarei religiosamente e direi “confesso que vivi”!
Depois da videochamada familiar, com o poncho a abraçar-me por completo, rumei ao hotel que após um merecido banho, vesti-me, enganei ligeiramente o estomago e lá voltei à Big Apple. Agora sim, ia começar a celebração pós-maratona na companhia do Armando e do Manel, também atletas do Clube Ferroviário de Portugal. De medalha ao peito, rumámos ao Connolly’s Pub & Restaurant, onde tínhamos à nossa espera umas maravilhosas e megas postas de vitela e umas saborosíssimas e frescas Brooklyn Brewerys!
Esta maratona, agradeço-a aos meus amigos e à minha família que estão sempre lá, bem presentes (mesmo eu quase não fazendo referência a eles), que mesmo na sombra estão sempre com a boa energia no máximo, a puxar por mim e a apoiar-me. Agradeço ainda à minha CP por também ter patrocinado este sonho!
A todos e de coração, o meu obrigado.
Guilherme Gonçalves