A Ucrânia está presente no Europeu de Pista Coberta com 11 atletas, quatro dos quais, no salto em altura feminino. Muitos outros atletas não podem estar presentes em Istambul, devido à invasão russa na Ucrânia. Almi Nerurkar escreveu este artigo sobre a vida de atletas ucranianos espalhados pela Europa.
Centros de treino bombardeados, toques de recolher diários e blackouts noturnos, tornaram-se norma para os atletas ucranianos, enquanto continuam a perseguir os seus sonhos desportivos
Yaroslava Yastreb é uma atleta ucraniana de 24 anos, de meio fundo, natural de Kherson, no sul do país. A sua cidade natal foi capturada pelos militares russos no segundo dia da invasão em fevereiro do ano passado e, alguns dias após a ocupação, ela juntou-se a milhões de outros ucranianos que tentavam escapar.
“Quando a guerra estourou, eu estava em Kiev para estudar”, diz Yastreb. “Em quatro dias, encontrei uma maneira de ir para o exterior. As estradas no oeste da Ucrânia eram difíceis, mas quando cruzei a fronteira para a Polónia, havia comboios gratuitos e muita ajuda para os ucranianos que foram forçados a fugir.”
A sua família, que ainda estava em Kherson, passou mais de três semanas numa cave, escondendo-se dos constantes bombardeamentos e do exército russo na sua cidade. “A minha mãe e o meu irmão acabaram por ficar com amigos na parte ocidental da Ucrânia. Aí organizei um autocarro para eles viajarem para o exterior. Os meus tios e a minha avó ainda estão em Kherson e é difícil para nós. Eles não querem mudar de casa. Mas ainda é perigoso para eles e é difícil contatá-los”.
Mas Yastreb sente-se feliz quando pensa na sua nova situação em Friedrichshafen, uma cidade nas margens do Lago Constança, no sul da Alemanha. “A Alemanha é o melhor país para o povo ucraniano”, diz ela. “O governo paga o meu apartamento e eu tenho aulas de idiomas todos os dias.”
Ela também ganhou uma nova perspetiva de treino com o seu novo treinador, Norman Feiler, que mora em Munique. “O meu treinador na Ucrânia era muito velho e treinou-nos no estilo da União Soviética”, diz ela. “O treino foi muito duro, um desgaste grande do corpo. Fiquei cinco anos sem menstruar e estava muito magra.
“Eu tinha que manter o meu peso abaixo de 50 kg, eu era pele e osso… e talvez um pouco de músculo,” ela ri. “O meu treinador em Munique faz isto como um hobby. Há menos pressão por resultados. Agora, posso correr porque gosto, não porque devo e porque é o meu trabalho”.
O último ano foi um ano cheio de adaptações para Yastreb. “Um ano atrás, eu era capaz de vencer todas as corridas com muita facilidade”, diz ela. “Mas este verão, foi difícil e tem sido difícil para mim perceber que não tenho o mesmo nível de antes. Agora administro os meus treinos de acordo com a minha saúde e no futuro, quero voltar para a Ucrânia e disputar os campeonatos nacionais como uma atleta diferente”.
Daria Ozerianova é uma ex-campeã júnior ucraniana do salto em altura que vem da cidade portuária de Mykolaiv, perto do Mar Negro, no sul da Ucrânia. A sua cidade natal foi repetidamente bombardeada pelos militares russos e acredita-se que cerca de 150 civis tenham perdido a vida, embora a cidade ainda esteja sob controle ucraniano. Em março do ano passado, aos 18 anos, ela fugiu de casa e viajou para a Bélgica, onde começou a trabalhar num restaurante.
Chega ao seu novo país, Ozerianova ficou inicialmente com uma família anfitriã e pôde ingressar no clube local de atletismo. Mas nos meses seguintes, ela teve que encontrar outro trabalho para pagar o aluguer de um apartamento. “Agora eu exercito-me no ginásio local quando tenho tempo depois do trabalho, mas é difícil chamar isso de atletismo”, diz ela.
Depois de perder a temporada de 2021 devido a uma lesão, Ozerianova sente que a oportunidade de seguir os seus sonhos desportivos, foi suspensa. “No meu caso, a guerra estragou tudo. Um dia, sei que voltarei. Mas a vida agora é tão incerta que não posso ter a certeza de nada.”
Nem todos os atletas ucranianos foram forçados a fugir da sua terra natal. Erik Kostrytsya, de 23 anos, que há dois anos conquistou a medalha de bronze fazendo parte da estafeta da equipa ucraniana do Campeonato Europeu Sub-23 em Tallinn e que terminou em terceiro lugar no recente Campeonato Ucraniano de Pista Coberta, está agora baseado na capital Kiev.
Originalmente de Lutsk, 160 quilómetros ao norte de Lviv, no oeste da Ucrânia, Kostrytsya descreve a vida na capital do país como “bastante calma” em comparação com as cenas mais pesadas do conflito nas regiões orientais da Ucrânia. “Kyiv é o melhor lugar para treinar, já que a minha cidade natal não tem pista coberta. Às vezes, é difícil estar aqui e há mais incertezas, mas acostumamo-nos a isso”, explica Kostrytsya. “As luzes apagando-se ou os alarmes disparando durante o nosso treino, parecem agora normais.”
Kostrytsya também me conta que “as primeiras semanas da invasão foram as mais difíceis. Todos nós vivíamos numa completa incerteza sobre o nosso futuro. Alguns atletas decidiram entrar para o exército, outros estavam desesperados para escapar”.
Já em julho do ano passado, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, relatou ao presidente do COI que 89 atletas e treinadores foram mortos durante o serviço ativo para os militares ucranianos.
Um ano depois do início do conflito, Kostrytsya diz que “hoje, as coisas aqui, parecem mais estáveis. Ainda ouvimos sirenes de alarme e há cortes de energia regulares, mas muitas pessoas voltaram para as suas casas e estão focadas em defender a sua liberdade, mantendo a economia a funcionar e agindo como defesa territorial”.
Acrescenta que “agora, há um grande incentivo para mostrar ao mundo que somos fortes, custe o que custar”.
Esse mesmo espírito de desafio está presente na Federação Ucraniana de Atletismo, que, segundo Kostrytsya, faz questão de usar o sucesso dos seus atletas como forma de inspirar a população. “Apesar de tudo, a nossa federação está a tentar fazer tudo por nós”, diz ele. “Embora o financiamento seja limitado e o calendário de competições não esteja a funcionar normalmente, muitos de nós da seleção, conseguimos encontrar uma maneira de continuar o nosso treino.”
Stanislav Kovakenko, que conquistou no início deste ano, o título ucraniano dos 60 m em pista coberta, encontrou um caminho diferente para o seu treino, passando um tempo no Reino Unido e na Eslováquia, na sua tentativa de ganhar um lugar na seleção para o Campeonato em Istambul. Antes do Campeonato Europeu de 2022 em Munique, o jovem de 25 anos e a sua equipa nacional de estafeta, passaram três semanas a treinar na Cardiff Metropolitan University. “Na verdade, a nossa federação recebeu ofertas de ajuda de mais de vinte federações nacionais”, lembra Kovakenko, que é atualmente, o sprinter mais rápido do quarteto.
“Não posso dizer que a vida é fácil”, diz ele. “Quase não temos salário e sinto que estou a viver de um dia para o outro. Talvez as minhas economias durem mais três ou quatro meses, mas se eu não conseguir mostrar nenhum resultado decente, talvez eu tenha que me alistar no exército e estar pronto para defender a minha pátria na frente real.”
Kovakenko explica que tem experiência em lidar com situações difíceis. “No crescimento, eu era uma criança má e tive uma infância difícil. Eu não jogava nada além de jogos de computador. Mas então, o meu professor apresentou-me o atletismo e eu deixei de ser um menino preguiçoso que não fazia absolutamente nada, para me tornar o homem mais rápido da Ucrânia. O desporto então, salvou-me. Espero que isto me salve agora novamente.”
Falando com estes atletas, torna-se rapidamente óbvio como a invasão da Ucrânia pela Rússia teve um grande impacto nos atletas enquanto treinavam. Ao longo do ano passado, todos os ucranianos terão encontrado maneiras de viver com a incerteza de não saber como as suas vidas podem mudar repentinamente, e esse não é menos o caso dos atletas cujas histórias ouvi.
Ao conversar com Kostrytsya e Kovakenko, tive a sensação de que a determinação deles em continuar no atletismo, fazia parte de um desejo mais amplo e da oportunidade de demonstrar o orgulho e a perseverança do povo ucraniano.
Yastreb e Kovakenko também reconhecem a sorte que tiveram como atletas, em comparação com outros refugiados ucranianos, por receberem o apoio da comunidade internacional do atletismo, enquanto tentam adaptar-se às suas novas vidas. Seja o apoio da Cardiff Metropolitan University para Kovakenko, ou a orientação do técnico Feiler, de Munique, para Yastreb, ela reflete “o mundo não parece tão grande quando se está conectado com o mundo da corrida”.
No entanto, a história de Ozerianova também me mostrou o quão difícil se tornou para outros atletas ucranianos continuar sem qualquer apoio próximo de treinadores, atletas amigos e federações.
Muito interessante este artigo que, focado num núcleo muito restrito da sociedade ucraniana, dá para avaliar a heroicidade deste .povo.