O recente recorde mundial da maratona em Berlim pela etíope Tigst Assefa em 2h11m53 mereceu uma interessante análise de João Lima, já com alguns artigos publicados na Revista Atletismo.
Publicamos seguidamente a sua análise relativa à evolução dos recordes mundiais nos dois sexos, desde os 1.000 m aos 100 km.
Sendo o Atletismo uma modalidade multi-disciplinar, multi-género e multi-escalão, conta com muitos recordes mundiais. Todo e qualquer um é fantástico pois significa que alguém fez o que nunca tinha sido efectuado por qualquer um dos milhares de atletas mundiais.
Mas sendo qualquer um fantástico, alguns ganham uma mística especial por razões como a quebra de alguma barreira, seja cronométrica ou distância, ou pela diferença alcançada em relação à anterior marca.
Um dos míticos foi, durante exactamente 16 anos e meio (Londres, 13 de Abril de 2003 a 13 de Outubro de 2019 em Chicago), o recorde mundial feminino da Maratona.
Paula Radcliffe alcançou na Maratona de Londres de há 20 anos atrás, uma marca inacreditável para a época, 2:15:25, batendo por 1 minuto e 53 segundos o anterior recorde e colocando a fasquia de tal forma que durante mais de 15 anos, ninguém se aproximou, poucas conseguiram o minuto 17, nenhuma o 16.
Nesse referido dia de 2019, um mito caiu. Brigid Kosgei parou o cronómetro em 2:14:04 e espantou o mundo! Afinal o recorde de Paula Radcliffe era humano e tinha sido batido.
Desde ontem, e após a Maratona de Berlim, como classificar o que a etíope Tigst Assefa alcançou? Não só bateu a inacreditável marca de Kosgei que tinha derrubado a mítica marca de Radcliffe, como o fez pela estonteante diferença de 2 minutos e 11 segundos!
2:11:53 passou a ser a marca que encima a tabela mundial feminina. E é abaixo de 2:12:11… E porquê esta referência de tempo? Porque quando o célebre Abebe Bikila venceu a Maratona Olímpica de Tóquio 1964, repetindo a vitória de Roma 1960, registou esse tempo, novo recorde mundial por 1 minuto e 44 segundos.
Um conjunto de médicos, fisiologistas e cientistas reuniram-se então, estudaram todos os parâmetros, analisaram todas as premissas e concluíram que, com essa marca, tinha sido alcançado o limite humano!
Quase 60 anos depois, sabemos que a nível masculino essa marca já desceu mais de 11 minutos (11.02) e agora foi a vez do sector feminino derrubar também esse limite.
Sector feminino que nesse ano de 1964 não podia ultrapassar os 800 metros (400 entre 1928 e 1960), só em 1972 os 1.500 metros e nos anos 80 tudo se normalizou, com a primeira Maratona feminina oficial a ser disputada em 1982, no Europeu de Atenas e a vitória duma tal de Rosa Mota!
Nunca é demais recordar que, para esse impedimento, “especialistas” consideraram que tais distâncias eram demasiado para o “frágil” corpo duma mulher, com justificações “científicas” como correrem distâncias dessas poderiam provocar a queda do útero (!!!).
Sem nada de tão radical lhe ter sucedido… Tigst Assefa ontem também destruiu a proclamação de 1964 sobre o limite humano.
E ainda voltando à tal “fragilidade feminina”, o que se prova é que quanto maior for a distância, mais a mulher se aproxima do homem. Por outras palavras, quanto mais resistência e menos explosão for necessário, mais as atletas femininas aproximam-se.
Atente-se no quadro seguinte onde constam os recordes mundiais das distâncias mais significativas, a partir dos mil metros, tendo na última coluna a percentagem de quanto a marca feminina está acima em relação à masculina.
Como se pode constatar, quanto maior a distância, menos diferença há!
RECORDE MUNDIAL | |||
DISTÂNCIA (METROS) | MASCULINOS | FEMININOS | % |
1.000 | 2.11,96 | 2.28,98 | 112,9 |
5.000 | 12.35,36 | 14.00,21 | 111,23 |
10.000 | 26.11,00 | 29.01,03 | 110,82 |
21.097 | 57m31s | 1h02m52s | 109,3 |
42.195 | 2h01m09s | 2h11m53s | 108,86 |
100.000 | 6h05m35s | 6h33m11s | 107,55 |