Fátima Silva tem 47 anos de idade e já corre há 32 anos. É atleta do CD da Póvoa desde 1994. Para além de correr, é treinadora e juíza de atletismo. Foi campeã nacional da maratona por sete vezes.
Fátima Silva nasceu em Terroso, Póvoa do Varzim. É assistente técnica do seu município e aos 47 anos de idade, já vai com 32 anos de corridas.
Tudo começou por uma brincadeira e um desafio proposto pelo então responsável da secção de atletismo do clube CCD Terroso. Fátima começou a treinar duas vezes por semana. “ Gostei da experiência e das amigas que encontrei e foi lá que fiz a primeira prova. Fui ao pódio ao ser terceira classificada. Desde aí o bichinho foi crescendo e nunca mais parei. Corri na época seguinte pelo clube da terra o P.P. Atletismo que é um campeonato que fazem a nível do Município em que participam várias equipas das freguesias do concelho”.
Fátima venceu quase todas as provas, tanto de velocidade como de fundo, sendo a melhor atleta e a mais pontuada da época 1985/86.
Na época seguinte, federou-se e obteve mínimos para os Campeonatos de Portugal que se disputaram no Jamor. “Fiquei feliz, nunca mais parei com o sonho de um dia representar as nossas cores nacionais em grandes Campeonatos”.
Só tem corrido por clubes do seu concelho
Ao longo de 32 anos, Fátima Silva apenas representou clubes do concelho da Póvoa do Varzim. Mas não lhe faltaram convites para representar equipas de nomeada como o SL Benfica, FC Porto e o Sporting de Braga.
Começou em 1985 pelo CCD Terroso e no seguinte, transferiu-se para o Varzim SC onde esteve até 1993. Depois desde 1994 até agora, o CD Póvoa.
No seu clube e para além de atleta, é treinadora desde 2007 e nos dois últimos anos, coordenadora da Secção de Atletismo.
“Fiz muitas amizades, bons estágios de seleções, bons momentos e muitas alegrias, o atletismo é isto mesmo”
Fascínio pela Meia Maratona da Nazaré
A sua primeira competição oficial em estrada foi na Meia Maratona da Nazaré. “Fiquei tão fascinada com tanta gente, tanto a participar como a assistir, que voltei lá durante mais de 20 anos. Era um espirito muito agradável, bonito e saudável”.
Corre cerca de 30 corridas por ano e as provas que mais lhe agradam agora, são as de 10 km e a do S. João do Porto.
A sua distância preferida era a da maratona. “Acho que é uma meta para qualquer atleta de fundo. Agora devido ao pouco treino, gosto mais de participar nas de 10 km pois torna-se muito mais acessível”.
Já quanto às provas que menos lhe agradaram, refere-nos as de montanha. “Achei que eram muito duras para encarar como competição. Mas para os atletas do pelotão, são provas com paisagens espetaculares”.
“Depois de ter a minha filha, foram alguns dos meus atletas que me convenceram a voltar e ter este gosto pela modalidade”
Vestir pela 1ª vez a camisola de Portugal, momento mais marcante da carreira
Fátima correu 25 maratonas. A primeira foi em Paris em 1999. “Ficou-me logo na memória pois alcancei os mínimos para o Campeonato do Mundo de Sevilha. Lembro-me como se fosse hoje, estava mais bem preparada, fui sem grandes preocupações, corri soltinha e achei uma aventura na altura fácil de se fazer”.
Teve vários momentos marcantes na sua carreira mas o mais marcante foi a sua primeira ida a um Campeonato do Mundo. “Vestir a camisola de Portugal, poder conhecer vários países que se assim não fosse, não teria conhecido. Fiz muitas amizades, bons estágios de seleções, bons momentos e muitas alegrias, o atletismo é isto mesmo”.
Objetivos bem definidos
Ao contrário do que sucede com muitos atletas de relevo que desistem das provas quando deixam a alta competição, Fátima Silva continua a correr e tem objetivos bem definidos. “ Sentir-me bem comigo própria fazendo aquilo que mais me dá gosto e prazer. É uma maneira de me sentir em forma e com saúde, torna-nos pessoas mais dinâmicas. Também procuro incentivar os meus próprios atletas até porque depois de ter a minha filha, foram alguns deles que me convenceram a voltar e ter este gosto pela modalidade”.
Assim, é fácil de perceber a razão porque Fátima pensa continuar ligada à modalidade. “Quero divertir-me, estar com os amigos e não ter grandes lesões”.
“Agora, há mais pistas, mais condições, melhores equipamentos, melhores sapatilhas e tudo, mas menos vontade de sofrer”
Correr, desporto individual
O que ela mais aprecia no mundo das corridas é “a alegria, o convívio e o saber que só dependemos de nós mesmos para chegar onde queremos. Não é como nos desportos coletivos que podemos estar mal mas temos os colegas para ajudar”.
É cuidadosa com a saúde e não dispensa todos os anos os exames médicos. As lesões já a visitaram mas não foram muito graves. “Considero que nunca fui uma atleta que treinasse muito, até porque nunca vivi só do atletismo, talvez tenha sido por isso”.
Teve sempre a devida atenção com a alimentação pois tem uma vesícula um pouco preguiçosa e um aparelho digestivo muito frágil e sensível.
Trabalhar era o desporto pobre
Quando Fátima começou a correr, já trabalhava. “Foi uma maneira de fazer algum desporto e de conviver com outros jovens”.
Fátima saiu da escola aos 13 anos de idade para ajudar os pais pois eles não tinham possibilidades que ela continuasse a estudar. Era a mais velha de cinco filhos e trabalhava em casa a fazer mantas e tapetes. “Era o desporto pobre na altura”.
Projetos futuros na modalidade
Quanto ao futuro, Fátima quer continuar a ajudar em tudo o que poder em prol da modalidade. Pensa ainda continuar o seu trabalho como treinadora, com aspirações em levar os seus pupilos ao mais alto nível possível, uma vez que já treina alguns deles com mínimos para os nacionais.
Campeã nacional da maratona por sete vezes
A nossa entrevistada apresenta um bonito curriculum. Para além das muitas provas populares que venceu, já foi campeã nacional da maratona sete vezes, entre 1999 e 2006, com exceção de 2003.
No último Campeonato Nacional de Corta-Mato disputado em Mira, sagrou-se vice campeã-nacional em veteranas do escalão com mais de 45 anos.
Tem como recordes pessoais aos 5.000 metros o tempo de 16.05,22 e à maratona, de 2h32m56s.
Diferenças de há 20/25 anos e agora
Fátima Silva conhece bem a realidade pois para além de atleta, é treinadora. Eis a sua opinião: “Há 20/25 anos atrás, havia menos pistas e menos condições que agora. Não havia tanta tecnologia e os miúdos aderiam mais ao atletismo. Cheguei a fazer as minhas séries em estrada pois não tinha por perto uma pista para as fazer. O calçado também não era o mais indicado mas tínhamos muita vontade de trabalhar, sofrer e vencer. Agora, há mais pistas, mais condições, melhores equipamentos, melhores sapatilhas e tudo, mas menos vontade de sofrer. Tenho a experiência dos atletas que oriento, não digo que é geral mas vejo que para lançar, saltar ou até fazer velocidade, ainda fazem. Agora rolar 50 minutos, já não tenho muito quem queira”.
“Temos já algumas provas muito boas, pena é haver meia dúzia de atletas batoteiros a correrem com dorsais que não lhes pertencem”
Regressão no fundo e meio-fundo
Quanto ao futuro da modalidade, Fátima vê muita gente a correr mas duvida que voltemos a ter o nível do passado. “Nas corridas de fundo, vejo meia dúzia de atletas que poderão fazer algumas coisas engraçadas. Nos saltos e lançamentos, Portugal tem vindo a crescer. Na marcha, sempre estivemos a bom nível e continuamos com boas referências”. E termina: “Voltar a ter atletas olímpicos como outrora, sinceramente não vejo isto na minha maneira de ver, espero estar errada”.
Quanto ao nível organizativo das provas, Fátima é clara: “Já temos algumas provas muito boas a nível de organização, pena é haver meia dúzia de atletas batoteiros a correrem com dorsais que não lhes pertencem, o que não é muito fácil de detetar, dado o enorme número de participantes”.
O dia-a-dia de Fátima Silva
Treina em média seis vezes por semana e sempre sem companhia. Deixou de ter treinador há oito anos, desde que ficou grávida da sua filha. Não tem um plano de treinos uma vez que só faz corrida, alguns exercícios e um pouco de técnica de corrida e alongamentos no final.
É juiz de atletismo há mais de 20 anos. Vai no segundo mandato com vice-presidente da AA Porto.
Saber como ela consegue conciliar os treinos e corridas com a sua atividade profissional e familiar, deixou-nos “cansados”! Mas como nos disse, quando se quer, tudo se consegue na organização do seu dia-a-dia. Senão vejamos:
“Levanto-me todos os dias às 6h40 e visto a roupa de treino. Como duas a três bolachas e bebo um pouco de sumo, lá vou eu para a minha corrida matinal até às 8h00. Chego, tomo o banho, preparo-me e tomo o pequeno-almoço. São manhãs sempre a correr, vale-me a ajuda da minha mãe desde que o meu pai faleceu há 3 anos. Ela fica na minha casa à noite é dá-me uma boa ajuda, levantando a minha filha de 7 anos e preparando-lhe o pequeno-almoço, uma vez que o meu marido sai para o trabalho às 7h40. Chego do treino, visto-me e preparo o lanche da minha filha Leonor para ela levar para a escola. Saio de casa por volta das 8h40, a caminho do meu trabalho em que entro às 9h00, deixo a minha mãe na sua casa e a Leonor na escola. Depois, saio do trabalho às 17h00, vou buscá-la novamente à escola às 17h30, estando um pouco com ela a ajudar nos trabalhos de casa. As 18h30, saio novamente para dar o treino aos meus atletas que são à volta de 30 pois o CD Póvoa tem neste momento mais de 50 atletas, desde miúdos a veteranos. Chego a casa por volta das 21h00. As compras e lida da casa ficam sempre para o fim-de-semana. Também ao fim de semana e sempre que posso, gosto de participar nas provas (gostava de participar em mais), mas como o dever e o gosto de acompanhar os meus atletas nas suas competições é muito forte, lá vou eu. Sempre que posso, levo a minha filha comigo pois é mais um pouquinho de tempo que estou com ela e disso não abdico”.
Quando teve uma queda à partida e ainda ganhou 80 contos!
Não podem faltar estórias a quem corre há 32 anos. Como ela nos diz, são tantas que davam um livro engraçado. Uma delas passou-se numa prova em Gondomar, no início da sua carreira.
Inscreveu-se com uma semana de antecedência mas na véspera da prova, ainda não tinha com quem ir. Numa visita à sua casa de um primo do seu pai, surgiu a conversa das suas corridas e quando seria a próxima. Fátima respondeu-lhe que era para ser no dia seguinte. O primo perguntou-lhe então “porque ia ser e não é”?
Um pouco triste, respondeu-lhe que não tinha com quem ir. De imediato o primo se ofereceu para a levar à prova.
No dia seguinte à hora marcada, ele levou-a e a uma colega. Dado o tiro da partida, Fátima levou um empurrão que a atirou ao chão, ficando toda esmurrada e a sangrar.
As pessoas que estavam a assistir e vários membros da Organização lá insistiram que ela continuasse a correr.
Com a mão, o cotovelo e o joelho a sangrar, começou a correr, passou pela sua colega e incentivou-a a vir consigo.
Começaram a passar inúmeros atletas até que cortou a meta em segundo lugar, mesmo em cima da primeira, então uma das boas atletas nacionais.
Fátima ouviu então o treinador e o marido dela insultá-la, afirmando que se a segunda não tivesse caído, teria ganho a prova.
Feitos os curativos e recebido o prémio no pódio, regressou a casa. Os seus pais perguntaram como tinha corrido a prova mas foi o primo que lhes respondeu:
“Oh primo, foi uma viagem em vão pois a vossa filha foi empurrada na partida e já não competiu”.
Os pais de Fátima mostraram a devida compreensão pelo sucedido mas chegou o momento do primo e ela contarem a verdade. “Fiquei em segundo lugar e com um prémio monetário no valor de 80 contos (400 euros), muito bom para a época. Era mais do que ganhava num mês. Fiquei muito agradecida ao primo do meu pai pois se não fosse ele, não teria ido e não teria ganho nada e o prémio acabou por compensar as feridas e as dores”.
Nunca teve patrocínios
A terminar, Fátima revelou mais algumas facetas da sua vida. Completou o 12º ano, fez o curso de auxiliar de fisioterapia e várias formações. Tem o curso de segundo grau em Atletismo.
Foi Vice-presidente do clube onde se iniciou (C.C.D. Terroso) entre 2003 até 2007 e treinadora de atletismo desde 1999.
“Nunca tive patrocínios, tudo o que consegui foi com a minha determinação, força de vontade e muita ajuda e colaboração por parte dos meus pais e meus irmãos. Estou grata a eles por todo o apoio que me têm dado. E a melhor fase da minha vida foi aos 40 anos quando fui mãe”.