Em 2014, a ARD revelou a forma como o governo russo promovia o doping dos seus atletas. A sua emissão levou o COI a banir o atletismo russo das grandes competições internacionais. Desta vez, a investigação é focada no doping no Brasil. Divulgamos hoje mais um artigo publicado no jornal “Estado de S. Paulo” sobre o doping no Brasil.
A Agência Mundial Anti-Doping (WADA) confirma que está investigando alegações de falta de controlo do uso de substâncias ilegais no desporto brasileiro.
A declaração foi publicada depois da TV alemã ARD ter revelado como uma rede clandestina fornecia produtos proibidos para atletas e mesmo para a elite do futebol brasileiro.
“A WADA está ciente do documentário publicado pela emissora alemã ARD. Os assuntos levantados no documentário fazem parte de uma investigação em curso atualmente, sendo realizada pela equipa de investigação e inteligência da WADA”, confirmou a entidade com sede no Canadá. De acordo com a agência, nenhum detalhe pode ser dado neste momento sobre a investigação.
De acordo com a investigação da ARD, o país não conta com um sistema de controlo suficiente, o treino é inadequado, o abastecimento de produtos é amplo, a pressão das instituições é real e falha a ação judicial.
Apresentando-se como agente estrangeira de jogadores de futebol em busca de anabolizantes, a equipa de TV entrou em contato com uma rede de abastecimento clandestina e chegou até mesmo a visitar uma fábrica de anabolizantes.
Um dos médicos que prometia fornecer o material fica em Piracicaba, Júlio Cesar Alves. Ao conversar com o grupo alemão sem saber que falava com jornalistas, ele revelou como os seus produtos abasteciam jogadores, como o ex-lateral da seleção Roberto Carlos. Com uma câmara escondida, o grupo ouviu do médico ofertas por clenbuterol e orientando os clientes a deixar de tomar o produto 15 dias antes de uma competição para evitar serem apanhados num exame antidoping. Alves ainda prometeu dez doses de EPO.
Uma das atletas apanhadas no doping no Brasil foi Eliane Pereira. Aos jornalistas, ela garantiu que não sabia o que tomava, receitado por Alves, acreditando que era algo legal. Mas ela admite que o médico ensinava como escapar dos testes e como teve um encontro com um “grande ídolo” da seleção brasileira no consultório do médico. Eliane, porém, recusou-se a dar o seu nome.
Apanhado numa gravação, Alves insistiu que já forneceu os seus produtos a dois jogadores da seleção. “Eu tratei de Roberto Carlos. Ele chegou a mim com 15 anos”, disse, louvando-se de ter ajudado o jogador a ser no que ele se transformou. De acordo com a ARD, documentos de uma investigação no Brasil também apontariam o envolvimento do ex-lateral. Mas os procuradores disseram desconhecer o caso. Procurado, o ex-jogador não deu uma resposta à emissora.
Importação
De acordo com a investigação, parte dos produtos no mercado brasileiro são importados. Em Assunção, no Paraguai, o grupo de jornalistas chegou a ser levado a uma fábrica de anabolizantes. No encontro, os empresários confirmaram que vendiam anabolizantes e que o seu principal mercado era o setor de futebol do Brasil, em grandes quantidades.
“Vendemos para todos os desportos, como atletismo”, disseram. “Há pessoas ainda que compram para jogadores que querem ainda atuar quando são mais velhos, 34 ou 35 anos ou para aqueles que tiveram alguma lesão”, explicou. Segundo o empresário, o produto é enviado para o Brasil e Argentina. “Dois ou três fisioterapeutas de clubes brasileiros compram isso aqui para os seus jogadores em fase de recuperação de lesões”, disse. “Num momento que não podem ser detectados em exames de doping”, completou.
A investigação ainda aponta como as falhas nos controles seriam amplas no Brasil. Uma das investigações da WADA ocorre justamente com empresas que são terceirizadas no Brasil para realizar os testes.
Numa gravação telefónica que está de posse da WADA, uma das empresas deixa claro que o organizador de um torneio pode escolher quem ele quer testar. Ao ser questionada quem seria testado, a empresa responde: “normalmente testamos os três primeiros colocados e mais outros três. Mas você pode decidir isso”, disse.
Para mostrar como falha o controle, a investigação ainda acompanha a forma como os testes de doping são realizados no Palmeiras. A constatação é de que jogadores ficam à vontade e com tempo suficiente para eventualmente manipular as amostras. Para os especialistas, os testes não ocorrem dentro das regras internacionais.
Entre os diversos especialistas e pessoas excluídas do controle de doping no Brasil, a ARD falou ainda com Luís Horta, ex-chefe de planeamento da ABCD e que denunciou as autoridades brasileiras por terem impedido exames fora de competições com atletas nacionais na preparação para a Rio-2016.
De facto, durante meses, os atletas brasileiros deixaram de ser testados fora de competições. “Antes dos Jogos Olímpicos, estávamos sob pressão a não realizar testes de doping sem aviso prévio”, disse. “Sob pressão do Comité Olímpico Brasileiro”, esclareceu. “Eu percebi que eles não têm o mesmo objetivo. Eles querem medalhas, medalhas, medalhas. Limpas ou não”, atacou.