Pequim 2015 teve 22 tempos abaixo dos 10 segundos contra apenas sete em Londres 2017
Ao cortar a meta, Justin Gatlin tornou-se o quarto campeão mais lento dos 100 m em 15 edições do Mundial. A competição com tempos acima dos dez segundos foi bem diferente para pior da edição de Pequim 2015.
A queda de rendimento dos atletas pode ser explicada por uma série de fatores, mas uma coincidência chama atenção. Após o escândalo do doping da Rússia, os organizadores de Londres 2017 montaram um forte esquema de testes para os atletas e clamaram que este seria o Mundial mais limpo de todos os tempos.
O campeão lento de um Mundial lento
Gatlin igualou os 9,92 de Yohan Blake em 2011, pior tempo de um campeão desde o Mundial de Paris. Considerando-se todas as edições dos Mundiais desde 1983, disputadas com o formato vigente até hoje, o americano só foi mais veloz do que três medalhados de ouro: Kim Collins (2003), Donovan Bailey (1995) e Carl Lewis (1983) no primeiro dos seus três títulos.
Considerando a competição em Londres como um todo, as marcas também foram baixas. Foram registados apenas sete tempos na casa dos nove segundos, quatro deles na final. Usain Bolt e Christian Coleman, medalhados de bronze e prata, respectivamente, foram os únicos a correr abaixo da barreira dos 10 segundos duas vezes, na meia final e final.
Se compararmos esta estatística com outros grandes eventos ao longo da última década e meia, observamos também outra mudança de padrão. O total de marcas sub 10 vinha crescendo até atingir o augeice no Mundial de Pequim 2015, justamente o último antes do escândalo do doping russo. De uma edição para outra, este número caiu para menos de um terço.
Marcas sub 10s em Mundiais e Jogos Olímpicos (Masculinos)
Ano | Evento | Quantidade de sub 10s |
2000 | Olímpicos de Sydney | 2 |
2001 | Mundial de Edmonton | 8 |
2003 | Mundial de Paris | 0 |
2004 | Olímpicos de Atenas | 13 |
2005 | Mundial de Helsínquia | 2 |
2007 | Mundial de Osaka | 3 |
2008 | Olímpicos de Pequim | 15 |
2009 | Mundial de Berlim | 13 |
2011 | Mundial de Daegu | 2 |
2012 | Olímpicos de Londres | 14 |
2013 | Mundial de Moscovo | 14 |
2015 | Mundial de Pequim | 22 |
2016 | Olímpicos do Rio | 12 |
2017 | Mundial de Londres | 7 |
O resultado é o reflexo de uma temporada com marcas baixas no geral. Levando-se em conta já as marcas do Mundial, apenas 18 atletas em todo o mundo correram abaixo dos 10 segundos em 2017, e somente Christian Coleman baixou da casa de 9,90 com um 9,82. A título de comparação, 27 atletas correram abaixo de 10 s em 2015, com oito deles abaixo de 9,90 e Bolt e Gatlin com os melhores tempos, na casa de 9,70.
Entre as mulheres, a barreira dos 11 segundos é o ponto de corte para esta mesma análise. Assim como ocorreu no masculino, o Mundial de Pequim teve recorde de marcas abaixo desta linha, enquanto em Londres observou-se uma queda quase para metade.
Marcas sub 11s em Mundiais e Jogos Olímpicos (Femininos)
Ano | Evento | Quantidade de sub 11s |
2000 | Olímpicos de Sydney | 1 |
2001 | Mundial de Edmonton | 4 |
2003 | Mundial de Paris | 2 |
2004 | Olímpicos de Atenas | 7 |
2005 | Mundial de Helsínquia | 4 |
2007 | Mundial de Osaka | 1 |
2008 | Olímpicos de Pequim | 4 |
2009 | Mundial de Berlim | 10 |
2011 | Mundial de Daegu | 4 |
2012 | Olímpicos de Londres | 18 |
2013 | Mundial de Moscovo | 10 |
2015 | Mundial de Pequim | 18 |
2016 | Olímpicos do Rio | 16 |
2017 | Mundial de Londres | 10 |
Nas finais dos 100 m nos dois últimos Mundiais, houve um registro de vento contrário ao sentido da corrida dos atletas. No entanto, a diferença entre as duas provas não chega a ser tão grande. Na final do Mundial de Pequim, em 2015, foi registrado vento contra de -0,5. Já na final do Mundial de Londres, no último sábado, foi de -0,8.
Gatlin apontou o calendário como uma possível explicação para tal diferença. “ Nós atletas, somos seres humanos e trabalhamos duro enquanto vocês (imprensa) ficam digitando no computador. Algumas vezes, não vamos conseguir os melhores tempos. Claro que gostaríamos de um recorde pessoal sempre que vamos à pista. Mas hoje demos o que tínhamos de melhor. Ainda fizemos, provavelmente, a corrida mais empolgante de todo o ano. Acho que não tem nenhuma relação com antidoping. O Christian correu muitas vezes este ano, está em final de temporada. É como se fosse dezembro para ele. Foi muito duro, eles deram as melhores performances da vida deles. Acho que não tem nada a ver com isso.
Antidoping robusto
Criada no início deste ano, a Autoridade de Integridade do Atletismo (AIU, na sigla em inglês) anunciou em julho, em parceria com a UK Athletics, o planeamento para o controle do uso de substâncias proibidas em Londres. O plano entrou em ação 10 meses antes do início do evento com mais de 2 mil exames de sangue e 3 mil de urina em atletas apontados como prováveis competidores na capital britânica. Outras 600 análises do sangue foram feitos nas vésperas do Mundial para os passaportes biológicos dos atletas, e outros 600 exames de urina foram programados para serem realizados ao longo dos 10 dias de competição.
– “Estou esperançado que o Mundial será muito limpo, mas é impossível afirmar com certeza, o que é uma pena. Mas acho que já passámos pelo pior. Acho que, sem dúvidas, este Mundial será o mais limpo de todos os tempos”, disse, o diretor executivo da UK Athletics e diretor do Mundial, Niels de Vos, ao jornal britânico The Guardian, no ano passado.