A paixão pelo atletismo nasceu cedo em Inês Marques. Aos seis anos, já corria, saltava e lançava. Aos 24 anos, já representou o país no Campeonato do Mundo de Trail e acumula vitórias na estrada, praia e trail.
Entrevistei Amélia Costa em 2006 após o seu triunfo no Raid Melides-Troia. Estava então muito longe de imaginar que 11 anos depois, a “Atleta do Pelotão” da Revista Atletismo iria ser a sua filha, Inês Marques, já com um rico curriculum no mundo das corridas. É caso para dizer que filha de peixes sabe nadar. Dizemos de peixes porque o seu pai é também praticante de modalidades como a corrida, triatlo e ciclismo.
Inês Marques nasceu em Almada há 24 anos e é estudante de Mestrado em Ciências Actuariais e Tutora Universitária de Matemática.
A sua paixão pelas corridas começou muito cedo, logo aos seis anos. “Por iniciativa própria, pedi aos meus pais que me inscrevessem num clube de atletismo perto do meu local de residência, o Independente Futebol Clube Torrense. Os meus pais sempre apoiaram o meu percurso”.
Inês ainda se lembra da sua primeira corrida oficial. Correu 200 metros como benjamim aos seis anos.
Excelente nos estudos e apresentando aos 24 anos um tão rico curriculum no trail, até onde chegará Inês Marques?
Saber conciliar vida pessoal com os treinos
Inês representa atualmente o União Futebol Comércio e Indústria, de Setúbal. Treina seis vezes por semana. Faz os treinos de corrida contínua e de séries sozinha, e os treinos de serra ao fim-de-semana, na companhia do namorado, de amigos ou dos seus pais.
É treinada por Hélio Fumo, embora ele não goste desse termo. “É um amigo que me tem ensinado um método de treino e com quem tenho evoluído muito. Além disso, também tenho tido o acompanhamento do Rui Raposo no planeamento do reforço muscular”.
Reconhece que não lhe tem sido fácil conciliar os estudos com os treinos, principalmente a partir do momento em que se aventurou nas ultra distâncias (até 50 km) A boa vontade e a organização, bem como o apoio familiar e dos amigos, tem-lhe permitido atingir os seus objetivos.
Competir com “pés e cabeça”
Inês corre à volta de seis a oito provas de trail por ano, entre os 20 e os 50 km. Participa ainda em algumas provas de estrada como forma de preparação da época de trail. “Penso que compito com ‘pés e cabeça’ e não entro na recente moda de participar em provas todos os fins-de-semana”.
“Não concordo com as provas de estrada em que há distinção de prémios entre homens e mulheres”
Provas preferidas
Quanto às suas provas preferidas, são várias as que merecem o seu agrado. O Trail do Zêzere, o Trail da Serra d’Arga e o Peneda-Gerês Trail Adventure. “Neste, foi uma das minhas melhores experiências de trail, onde formei equipa com os meus pais. É uma prova por etapas, sem cariz tão competitivo, onde pude apreciar os trilhos em família, ultrapassar as dores físicas etapa após etapa e partilhar momentos com os amigos que perdurarão na memória”.
A Meia-Maratona de São João das Lampas “é uma meia-maratona com um desnível considerável, diferenciando-a das demais, para além de ter um organizador incansável (Fernando Andrade), que proporciona convívios memoráveis”.
Não esquece ainda a Corrida Atlântica Comporta-Tróia na praia e os Urban Trail de Lisboa e Sintra que lhe permitiram conhecer as cidades/vilas a correr e ao vencer estes circuitos, participar no Urban Trail de Lyon.
Já quanto a alguma prova que menos tenha gostado de participar, não refere nenhuma em concreto. Mas fica irritada quando se perde nos trails devido às más sinalizações. “Devia haver uma maior preocupação com a marcação dos percursos, utilizando outras formas de sinalização para além das fitas”.
Nas provas de estrada, não concorda quando há distinção de prémios entre homens e mulheres.
Atleta de longas distâncias
Inês gosta essencialmente de corridas longas, entre os 21 e os 50 km. Na estrada, ainda só correu duas meias maratonas (Moita e São João das Lampas). A maratona aguarda pacientemente pela sua presença.
Entre a estrada e o trail, não hesita. “Prefiro o trail. É um desporto de contrastes – num momento vamos a sentir a brisa numa descida alucinante e noutro, estamos a ‘sofrer’ até ao cimo da montanha… O espírito de entreajuda e o compromisso de respeito para com a natureza cativam-me”.
Já correu seis ultra-maratonas: OCC no Mont Blanc 5ª), Ultra Trilhos Rocha da Pena (1ª), Campeonato do Mundo de Trail, Itália (32ª), 50 km Ultra Trail Geira Romana (1ª), Trail CC de Vila de Rei (1ª) e Marató Pirineo (2ª).
“No trail, tanto podemos estar a rolar a 4:00/km como a subir a 10:00/km. Consequentemente, ficamos mais massacrados a nível muscular”
Estreia de sonho nos trails com a sua mãe
Como referimos atrás, Inês iniciou-se no atletismo aos seis anos e fez um pouco de tudo, desde o salto em comprimento, salto em altura, velocidade, lançamento do peso, corridas de meio-fundo, etc. Em iniciada, especializou-se nas corridas de meio-fundo, disciplina onde se destacava. Participou em corta-matos, que eram das suas provas preferidas, a par dos 3.000 m obstáculos em pista.
O trail apareceu devido a um convite de amigos. “Participei no Urban Trail de Lisboa e adorei a dificuldade das subidas e das escadas. Os meus pais já tinham participado num trail e incentivaram-me a experimentar. Estreei-me no Leiria Christmas Night Trail, em 2013, vencendo em ex-aequo com a minha mãe”.
Diferenças entre a estrada e o trail
Conhecedora das duas realidades, estrada e trail, refere-nos duas diferenças evidentes, o terreno e o desnível. “Nas provas de trail, enfrentamos um piso diversificado – pisamos pedras e raízes, atravessamos rios, saltamos por cima de troncos. Temos de enfrentar subidas e descidas, o que se traduz num ritmo irregular: tanto podemos estar a rolar a 4:00/km como a subir a 10:00/km. Consequentemente, ficamos mais massacrados a nível muscular. Na estrada, por exemplo, nas meias-maratonas, tentamos manter um ritmo constante, o que é também bastante desafiante”.
Momentos mais marcantes da carreira
Representar o país no último Campeonato do Mundo de Trail na Itália onde foi a melhor portuguesa, para mais sendo tão jovem, foi um momento inesquecível para a nossa entrevistada. “Marcou-me por ser a primeira vez e, até agora, a única, em que representei o meu país a nível desportivo, mesmo tendo ficado um pouco desiludida com a minha prestação (32ª)”.
Um resultado que deixou Inês muito satisfeita foi o recente 5º lugar no OCC (56 km, 3500mD+), prova integrada no Ultra Trail du Mont Blanc. “Tem um percurso lindíssimo e bem delineado, é um evento muito bem organizado, ao qual se junta o indescritível apoio do público! Além disso, contei com o apoio presencial dos meus pais e das minhas melhores amigas e tenho a ideia que ia sempre com um sorriso nos lábios quando os avistava. A chegada a Chamonix foi o culminar de uma satisfação imensa. Arrepiante!”
“Lá fora, veem-se famílias inteiras a passear pela montanha, não há lixo nos trilhos, o público acorda de madrugada para apoiar os atletas nos pontos mais altos”
Corridas em Portugal ou no estrangeiro, quais as diferenças?
Para Inês, ter representado Portugal no Campeonato do Mundo de Trail foi uma grande responsabilidade e, ao mesmo tempo, um motivo de orgulho. Esta experiência permitiu-lhe conhecer pessoas novas e privar com os seus colegas de selecção (mais experientes que ela nas ultra-distâncias), treinadores, médicos e staff. As aprendizagens foram imensas, dentro e fora dos treinos/competição. Também conheceu trilhos fantásticos através dos dois estágios que a ATRP proporcionou, nomeadamente, na Madeira e em Itália.
Em termos competitivos, correr no estrangeiro é bastante diferente. “A velocidade é elevada logo desde o início. Além disso, sinto que ainda me falta alguma capacidade física para aguentar um ritmo forte e constante nas subidas mais íngremes. Uma possível explicação poderá ser a falta de treino em serra comparativamente com algumas das minhas adversárias. Contudo, tenho vindo a realizar treino complementar para fazer face ao facto de morar numa zona plana”.
Também encontra diferenças a nível organizativo. “Nesse campo, ainda estamos a léguas das provas realizadas no estrangeiro (fora algumas excepções). Na minha opinião, pecamos em Portugal na sinalização das provas e na segurança dos atletas”.
A finalizar as diferenças, refere-nos a forma como se vive a montanha no estrangeiro. “Também é algo que não se vê cá – famílias inteiras a passear pela montanha, não há lixo nos trilhos, o público acorda de madrugada para apoiar os atletas nos pontos mais altos”.
Stressada com as lesões
Não dispensa os exames médicos pelo menos uma vez por ano, no início da época. Quando sente que algo poderá estar errado com o seu corpo, volta a repeti-los.
Já quanto às lesões, diz-nos que elas são sinónimo de dores de cabeça. “Estar impedida de correr deixa-me stressada. Cheguei a estar três meses parada devido a uma ruptura de ligamentos no pé (feita a caminhar!) e não foi fácil lidar com a paragem”.
Para além desta situação, não teve nenhuma lesão grave, embora sofra bastante das costas, algo que tem vindo a resolver através de reforço muscular específico. “O tratamento ortodôntico que iniciei com o Dr. Ricardo Silva também se tem mostrado fundamental, quer no tratamento quer na prevenção de lesões, melhorando o meu desempenho desportivo”.
Procura ter uma alimentação equilibrada, durante todo o ano. Mas… “Corto nos doces (mentira), que são a minha perdição!”
“Quero chegar a correr no escalão F65 ou algo do género. É mesmo uma paixão!”
Triatlo, a outra paixão desportiva
Pensa correr até ser “velhinha”. “Quero chegar a correr no escalão F65 ou algo do género. É mesmo uma paixão!”
Se não estivesse no atletismo, estaria na sua outra paixão, o triatlo. “É um desporto completo e com três modalidades que adoro. Apesar de ter aprendido a nadar com o meu pai, que chegou a ser triatleta, nunca tive aulas. Espero um dia poder estrear-me”.
Vertente social nos trails
No mundo das corridas, aprecia a prática desportiva saudável, o companheirismo, a liberdade. Diz-nos que há no trail, uma vertente social diferente das corridas de estrada. Passamos geralmente o fim-de-semana no local da prova, convivendo com os demais participantes e seus familiares. Aliás, costumo dormir em solo duro, onde decorrem sempre momentos inéditos”.
Faltam projetos de alto rendimento
Inês duvida que exista algum dia outra modalidade com tanta visibilidade em Portugal como o futebol mas gostaria que se caminhasse nesse sentido. “Portugal tem atletas excecionais, capazes de grandes voos, se tiverem os apoios e acompanhamentos devidos”.
Na sua perspectiva, o país deveria apostar em projectos de alto rendimento que integrassem desde cedo os jovens com maiores capacidades. “Só assim conseguiríamos evoluir num desporto em que já provámos ser dos melhores do mundo”.
“No trail, fico irritada quando me perco devido às más sinalizações”
Semelhanças entre mãe e filha
Quanto a estórias, não refere uma em concreto. Mas há quem a confunda com a mãe nos trilhos. “Temos uma corrida semelhante e a minha mãe está bem conservada!”
Projectos futuros na modalidade
Projetos não faltam a Inês. Quer continuar a especializar-se nas competições de trail com distâncias próximas dos 40/50 km. Pretende ainda encerrar o Circuito Nacional de Ultra-Trail, onde já conta com três triunfos.
Está também, pré-selecionada para o próximo Campeonato do Mundo de Trail mas vai ter de ponderar a sua participação dada a distância ser cerca de 80 km.
Muito organizada e disciplinada, excelente nos estudos e apresentando aos 24 anos um promissor curriculum no trail, até onde chegará Inês Marques? Esperamos que longe!