Carlos Arthur Nuzman e Leonardo Gryner foram presos, no início da manhã desta quinta-feira. Polícia Federal e Ministério Público Federal investigam compra de delegados para a eleição da sede olímpica.
Em artigo divulgado hoje pela TV Globo, agentes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal prenderam Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comité Olímpico Brasileiro (COB) e do Comité Rio 2016, e Leonardo Gryner, ex-diretor de operações do Comité Rio 2016 e braço-direito de Nuzman, na manhã desta quinta-feira, no Rio de Janeiro.
Nuzman é suspeito de intermediar a compra de votos de membros do Comité Olímpico Internacional (COI) para a eleição do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Ele foi preso em casa por volta das 6 horas. Nuzman é presidente do COB há 22 anos.
Nuzman deixou a sua casa, volta das 8h30 e foi conduzido por agentes para a sede da Polícia Federal. Segundo a defesa de Nuzman, a medida adotada foi dura. “Vou-me inteirar dos factos agora .Eu não tenho a menor ideia. Vou saber agora o que se passa e quais são os fundamentos dessa medida. É uma medida dura e não é usual dentro do devido processo legal”, afirmou Nélio Machado.
Em nota, o Comité Olímpico Internacional (COI) disse que está cooperando e pediu às autoridades brasileiras informações completas para dar seguimento às investigações internas da comissão de ética do COI. O Comité afirmou também que a sua Comissão de Ética pode tomar medidas provisórias contra Nuzman.
Segundo o Ministério Público Federal, o pedido de prisão foi decretado porque houve uma tentativa de ocultação de bens no último mês, após a polícia ter cumprido um mandado de busca na casa de Nuzman no mês passado. Entre os bens ocultados, há valores em espécie e 16 quilos de ouro que estariam num cofre na Suíça.
A ação é um desdobramento da “Unfair Play”, uma menção a jogo sujo e que é mais uma etapa da Lava Jacto no Rio. Os presos serão indiciados por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Também estão sendo cumpridos mandados de busca na casa dos suspeitos presos, além do bloqueio e indisponibilidade dos bens de ambos. Ainda há um pedido de quebra de sigilo telefónico de Maria Celeste de Lourdes Campos Pedroso, que também foi intimada a depor na sede da Polícia Federal.
De acordo com as investigações, Maria Celeste é a destinatária de vários e-mails encaminhados por Papa Diack, filho do ex-presidente da IAAF que detinha poder de voto para a escolha da cidade sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Segundo a Justiça, ela pode ter informações importantes para o esclarecimento dos factos.
O esquema de corrupção, segundo os investigadores, tem a participação do ex-governador Sérgio Cabral. O dinheiro teria vindo do empresário Arthur Cesar Soares de Menezes Filho, conhecido como Rei Arthur, que também teve mandado de prisão decretado, mas está foragido da justiça.
Nuzman, João Havelange e Sérgio Cabral juntos em Paris, em 2009
Gryner foi preso em casa, num apartamento de luxo. Ex-diretor do COB, ele foi também diretor de Comunicação e Marketing da candidatura do Rio à sede olímpica, e teve encontros com o filho do ex-presidente da IAAF, suspeito de ter recebido uma comissão para votar no Rio de Janeiro como sede dos jogos.
Segundo os investigadores, as provas colhidas na primeira etapa da “Unfair Play” mostram que Nuzman e Gryner foram os agentes responsáveis por fazer a ligação entre o esquema de comissõesde Cabral e membros africanos do COI, por meio de Arthur Soares.
As visitas de Cabral, Gryner e Nuzman a vários membros do Comité que escolheria a sede dos Jogos Olímpicos de 2016 foram admitidas, inclusive, pelo próprio ex-governador num depoimento à Justiça Federal na Operação Eficiência.
Ainda de acordo com o MPF, as prisões temporárias de Nuzman e Gryner eram fundamentais não só como garantia da ordem pública, como para permitir bloquear o património e impedir que ambos continuassem a cometer crimes e ocultar provas.
Mesmo com toda a investigação e desenvolvimento da operação há cerca de um mês, não houve nenhuma movimentação para afastar Nuzman e Gryner das suas funções junto ao COB e ambos continuavam gerindo os contratos firmados pelo Comité. Dessa forma, segundo o MPF, eles continuavam a ter acesso ao dinheiro público, documentos e informações importantes para as investigações.
No mês passado, quando prestou depoimento na sede da PF, Nuzman reservou-se no direito de não falar durante o interrogatório. A defesa dele afirmou, porém, que durante o depoimento “foi esclarecido e reiterado que toda a realização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, da candidatura à cerimónia de encerramento, foi conduzida dentro da lei e das melhores práticas financeiras, técnicas, operacionais, desportivas e de comunicação”.
Em Março, o jornal francês “Le Monde” havia denunciado que, três dias antes da escolha da cidade, houve pagamento de comissões a dirigentes do Comité Olímpico Internacional. A investigação francesa conseguiu reunir elementos que apontam que a empresa Matlock foi utilizada para pagamento de dois milhões de dólares a Papa Diack.
Segundos os investigadores, a Matlock também foi usada para pagamento de comissões a Sérgio Cabral. De acordo com depoimento do delator Renato Chebar, documentos encaminhados por meio de cooperação internacional com Antígua e Barbuda, não deixam dúvidas de quem era o real proprietário da empresa que tinha a sede registrada nas Ilhas Virgens Britânicas: Arthur César de Menezes Soares Filhos.
No mês passado, o Ministério Público Federal (MPF) pediu o bloqueio de até um bilhão de reais do património de Carlos Arthur Nuzman, do empresário Arthur Cesar Soares de Menezes Filho, o “Rei Arthur”, e de Eliane Pereira Cavalcante, ex-sócia do empresário. O objetivo, segundo os procuradores, era reparar os danos causados pelo trio devido às proporções mundiais da acusação.
Organização criminosa internacional
De acordo com o Ministério Público, as fronteiras internacionais não limitaram a atuação da organização criminosa do ex-governador Sérgio Cabral. Para os procuradores, “trata-se de um esquema altamente sofisticado, que agia internacionalmente com desenvoltura e uma engenhosa e complexa relação corrupta”. Prova disso é que, para alcançar o atual estágio da investigação, o MPF teve que realizar pedidos de cooperação jurídica internacional com nada menos que quatro países diferentes: Antígua e Barbuda, França, Estados Unidos e Reino Unido.
Durante as investigações, o Ministério Público Francês colheu substancial material para demonstrar que houve compra de votos para escolha da sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Um dos votos foi comprado por Lamine Diack, então presidente da IAAF e então membro do Comité Olímpico Internacional, por meio do seu filho, Papa Diack.
Veja como aconteceu a evolução patrimonial de 457% de Carlos Arthur Nuzman
No pedido de prisão contra Carlos Arthur Nuzman, o Ministério Público Federal explicou como aconteceu a evolução patrimonial de 457% do presidente do Comité Olímpico Brasileiro no período entre 2006 e 2016.
“Com base nas informações colhidas mediante afastamento do sigilo fiscal de CARLOS NUZMAN, foi possível identificar um crescimento exponencial do seu património. (…) Segundo o Relatório de Pesquisa nº 3484/2017, entre 2006 e 2016, CARLOS NUZMAN teve um crescimento patrimonial de 457%”, diz o relatório.
Evolução patrimonial de Carlos Arthur Nuzman segundo o Ministério Público Federal
Num gráfico, o MPF afirma que o património do presidente do Comité do Rio 2016 estava em 2 milhões de reais em 2006, passando dos 3 milhões dois anos depois e batendo os 4 milhões entre 2012 e 2013. O ano seguinte, porém, foi o que mais chamou a atenção nas investigações. Em 2015, o património de Nuzman ultrapassou os 9 milhões, mas no ano seguinte ele ficou pouco acima de 7 milhões.
“Ainda, cumpre informar que no ano de 2014, o património de CARLOS ARTHUR NUZMAN dobrou, havendo um acréscimo de 4.276.057,33 reais. Chama a atenção o facto de que desse valor, 3.851.490,00 reais são decorrentes de ações da companhia sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal.”