António Belo é um dos mais antigos corredores que ainda participa em provas populares. Com 72 anos de idade e 37 de atletismo, já correu 66 maratonas e 17 ultras. Tem ainda cinco livros publicados, três deles sobre as suas origens alentejanas.
António Belo é um dos muitos milhares de alentejanos que veio para a capital, à procura de uma vida mais sorridente. Nascido em Reguengos de Monsaraz, já lá vão 72 anos, reformou-se como técnico de informática. Reformado do trabalho que não das corridas e da escrita pois esses “vícios” são para manter enquanto puder.
Do futebol de salão às corridas
A paixão pelo atletismo apareceu há 37 anos mas de forma ocasional. Belo trabalhava então perto do Estádio do Inatel e à hora de almoço, uma ou duas vezes por semana ia com os seus colegas de trabalho, jogar futebol de salão com elementos de outra empresa. Mas como por vezes, havia “excesso” de candidatos, ele e mais alguns colegas começaram a correr no circuito de terra batida junto à vedação, antes da construção do pavilhão. Soube depois através de um colega, que havia provas para populares, onde já tinha participado. Foi assim que Belo e os colegas que faziam as voltinhas do INATEL, e não só, passaram a participar regularmente em corridas.
“O trail é menos competitivo que a estrada, em espaços maravilhosos e com variações de ritmo/esforço”
Estreia em 1980
A sua primeira prova oficial data de 1980. “Achei um acontecimento maravilhoso, pela participação, pelo ambiente, mas também pela dificuldade, pois começámos logo por uma meia maratona (Paços Negros, concelho de Almeirim)”. Belo corre atualmente por um clube popular, amigosdacorrida.com. Treina quatro vezes por semana e nunca teve um treinador nem tem por hábito elaborar planos de treinos.
Atualmente, participa em 15/20 corridas por ano e a sua preferência vai agora para a montanha e os trails. “O trail é menos competitivo que a estrada, em espaços maravilhosos e com variações de ritmo/esforço”.
Já as provas que menos o seduzem são as Corridas das Localidades de Cascais e Oeiras, pela repetição dos percursos e pelo exagero competitivo.
Elege a maratona de Nova York como o momento mais marcante da carreira.
E já lá vão 66 maratonas e 17 ultras!
A sua distância preferida passa pelos 42.195 metros que compõem a maratona. Daí já ter no seu curriculum desportivo 66 maratonas e 17 ultras. A primeira foi em Torres Vedras. “Foi agradável, apesar do mau estado de parte do pavimento das estradas, dos poucos assistentes (mas bons), de ter percebido que depois dos 30 km ‘há muita maratona’ e que o tipo de passada tinha de ser adaptado à distância!”
Muitas das 66 maratonas foram corridas no estrangeiro. Belo tem por isso uma opinião formada acerca do ambiente que se vive lá fora. “A maneira como no estrangeiro, são encaradas por toda a população – as autoridades que se ‘dão ao luxo’ de fechar grandes cidades ao trânsito e as pessoas que assistem, vivendo todos os pormenores como se estivessem por dentro”.
Escritor
Belo não se limita a correr. Como cidadão interessado na vida social e política, tem também o gosto pela escrita. Já escreveu cinco livros, a maior parte deles sobre as suas origens alentejanas.
Sobre Reguengos/Alentejo: “O Alentejo Onde Nasci”; “Gentes da Minha Terra”; “Como eu Vi a Minha Terra”;
Sobre a corrida – “Correndo na Madrugada”; Autobiografia – “Ao Anoitecer”
“Não me parece na alta competição que o futuro seja parecido, uma vez que o futebol açambarca recursos e protagonismos” Otimista a nível popular mas pessimista na alta competição
A nível popular, vê o futuro da modalidade com otimismo. “Parece-me risonho, há muitos participantes dos dois sexos, muitas provas e em pisos variados (estrada, areia, trails, etc.) ”Já na alta competição, a situação é diferente. “Não me parece que o futuro seja parecido, uma vez que o futebol açambarca recursos e protagonismos”.
As “peças da engrenagem”
No mundo das corridas, Belo aprecia particularmente a convivência entre quase todos os participantes, apesar das mais diversas origens e profissões.
Costuma fazer exames médicos de rotina e gostaria de correr sempre mas não se esquece que as “peças da engrenagem” vão impondo limites. Quanto a lesões, elas não o visitam com muita frequência, queixando-se mais das fascites plantares que o visitam de vez em quando.
A nível alimentar, preocupa-se mais na véspera das provas com uma maior quilometragem. Se não estivesse no atletismo, seria o ciclismo muito provavelmente, a modalidade eleita.
“Também não é simpático, agora que há participantes como eu, para além dos 70 anos, não haver classificações para todos os escalões” Diferenças entre o passado e o presente
Quem correu há 37 anos e corre agora, encontra naturalmente muitas diferenças. Para Belo, “nas provas mais antigas, o pelotão estava mais dividido. Havia os que lutavam pelos primeiros lugares da geral e também dos escalões etários, e depois, havia os outros. Agora, a estrada ou os trails vão cheios de participantes com diferenças mínimas”. Refere ainda a aderência das populações, muito maior agora, sendo já raros aqueles que mandam trabalhar quem corre.
Mais velhos, esquecidos nas classificações por escalões
Quanto à organização das provas, o nosso entrevistado pensa que elas têm melhorado tecnicamente mas não no tratamento dispensado aos participantes. Refere o exemplo de muitas Organizações optarem por não entregar dorsais no dia da prova. “É muito cómodo para quem organiza…”
Outro aspeto que merece uma chamada de atenção de Belo tem a ver com os prémios por escalões. “Também não é simpático, agora que há participantes como eu, para além dos 70 anos, não haver classificações para todos os escalões. Na maior parte dos casos, os prémios e lembranças para os mais velhos, já foram”!
Quando alguém se enganou na Estafeta do Bicho
Com 37 anos de corridas, estórias é coisa que não falta a Belo. Conta-nos esta deliciosa, passada em Fernão Ferro. “Na Estafeta do Bicho (os prémios eram animais vivos, frangos, coelhos), Fernão Ferro, em Maio de 1993, corremos com duas equipas, a “A” com os mais rápidos e a “B” com os restantes. A maioria assim decidiu, embora eu fosse de opinião que devíamos ter as duas equipas equilibradas. A troca de testemunho era no mesmo local e o percurso contemplava o interior da localidade, para sul, e voltava pela estrada de Sesimbra. No primeiro percurso, correu o meu filho, depois eu e em terceiro, o menos jovem do grupo (António Lopes, já falecido), mas que corria bem. Passaram os minutos que seriam normais para a chegada à zona de transmissão e o nosso amigo António, nada! Como a estrada de Sesimbra tinha muito trânsito, começámos (também estavam lá os familiares) a ficar preocupados pois poderia ter havido algum acidente, até que outras equipas começaram a viver a mesma situação – ‘já devia ter chegado, um tempo destes é impossível’. Conclusão feliz, o amigo António fez duas voltas ao percurso e, como acontece em muitas provas, os que vinham atrás também o seguiram! Claro que os alegres comentários dos elementos da equipa ‘B’ que ficou bastante à frente da ‘A’, fizeram-se ouvir durante todo o almoço”.
Falta um melhor acompanhamento médico
A terminar, Belo pensa que o número elevado de participantes nas provas populares justifica, por parte das entidades desportivas e de saúde, um melhor acompanhamento e também, que as mesmas sejam um campo de experiências e de testes que possam vir a contemplar não só os praticantes, mas toda a população.
Dá-nos o exemplo passado consigo em 1983, na Corrida da Primavera (DN) e Dia Olímpico. Um médico propôs então, a não mais de uma dezena de corredores, que se sujeitassem a duas recolhas de sangue, antes e depois da prova. Segundo ele, ficaria com elementos para estudo que só poderia obter em doentes renais. Certamente que haverá outras situações. Por outro lado, começamos a ter agora praticantes que correm há quatro décadas. Deixa-nos as seguintes interrogações à atenção das autoridades desportivas e de saúde: “Que efeitos positivos e negativos na estrutura óssea, e não só, poderão ter origem em tão pesados currículos? Os negativos estarão ligados apenas à idade, ou também à carga a que a máquina foi sujeita? É que temos exemplos de praticantes mais velhos, nos 80’s, por exemplo, que se iniciaram na corrida quando já eram sexagenários, ou seja, têm ‘pouco mais’ de 15 anos de corrida e, aparentemente, pelo menos, não apresentam as queixas mais comuns – os joelhos, a anca, a coluna, o tendão de Aquiles, etc.!”