António Mateus é aos 79 anos, um dos atletas populares com mais provas de estrada, tendo corrido a milésima na última edição do Corta-Mato da Amora. Atleta dos Zatopeques, corre há 36 anos e é uma referência no concelho onde reside, Seixal.
António Mateus tem 79 anos e nasceu em Lavacolhos, concelho do Fundão. Reside em Fernão Ferro, concelho do Seixal e desempenhou as funções de eletricista enquanto trabalhador.
Em jovem, jogou futebol como a maior parte dos rapazes. Mas curiosamente, na Escola Primária, jogava descalço. “A maioria dos colegas jogava descalço. Os que tinham sapatos, tinham que os tirar para jogar”.
O atletismo apareceu na sua vida em 1983, ainda que então, de forma fugaz. Nas férias, frequentava o Parque de Campismo de Almada e corria com alguns companheiros do Parque. Era então os seus únicos treinos. Como morava em Sacavém, o Rui Alberto seu vizinho, viu-o um dia a sair de casa e perguntou-lhe se corria. Levou-o então para a sua equipa, os Zatopeques.
A sua estreia nas provas populares verificou-se em 30 de Junho de 1985, na corrida comemorativa do nono aniversário da EDP, na distância de 10 km entre Sete Rios e Belém. “Corri então como Individual, com muita falta de experiência, equipei-me à pressa. Mas correu bem e gostei”.
“Nunca passo uma refeição sem fruta. Este princípio é sagrado”
Zatopeques de Fernão Ferro
A sua primeira prova em representação dos Zatopeques foi em 29 de Setembro de 1985, nos 14 km do Fogueteiro/Seixal/Fogueteiro. Fundou os Zatopeques de Fernão Ferro em Setembro de 1998, como filial dos Zatopeques. A razão desta filial prendeu-se com a obrigatoriedade de estar filiado numa equipa do concelho para poder participar no Troféu de Atletismo do Seixal.
Nunca teve um treinador nem um plano de treinos. Quando fez 70 anos, passou a treinar duas vezes por semana, à 4ª ou 5ª feira e ao domingo. Mas não dispensa os exercícios de ginástica, uma das chaves do seu sucesso com raras lesões. Atualmente, participa entre 30 a 34 provas anuais, boa parte delas no concelho do Seixal.
Quanto às provas preferidas, elege seis: A S. Silvestre da Amadora, a Meia Maratona da Ponte 25 de Abril, a Festa do Avante, o Corta-Mato Cidade da Amora, a Meia Maratona da Nazaré e a Corrida das Fogueiras em Peniche.
Prova com o caminho fechado!
Já a 22ª Corrida da Cruz de Pau em 2018 foi a prova que lhe deixou piores recordações. “Os atletas que iam na frente encontraram fechado o portão da saída da Quinta da Atalaia. Tiveram que aguardar pela sua abertura e depois, foram em ritmo de treino até à meta. A prova foi anulada, foi ridículo!”
Não tem uma distância preferida. “Cumpro o calendário do Troféu de Atletismo do Seixal com vários tipos (estrada, corta-mato e pista) e distâncias. Quando tenho oportunidade, gosto de correr fora do concelho”.
Quanto a trails, teve apenas uma experiência na Serra de Montejunto. “Não gostei, gosto mais das provas de estrada, pista e corta-mato”.
“A milésima prova era uma meta mas continuarei a participar nas provas”
Maratona de Paris
Mateus correu apenas uma maratona, a de Paris quando tinha 66 anos. “O Rui Alberto inscreveu-me sem me dizer nada. Fomos cinco e ficámos na casa da filha dele. Só fiz a maratona para o curriculum, o Troféu do Seixal ocupava-me muito, não tinha possibilidades de me preparar para outras maratonas. Mas gostei da experiência, preparei-me para correr a maratona em 4h/4h30m, fiz 4h16m35s”.
Logo na semana seguinte, Mateus correu uma prova com apenas 6,3 km, nos Cariocas da Cruz de Pau, num curioso contraste de distâncias.
Momentos mais marcantes na sua carreira desportiva
É com orgulho que Mateus recorda alguns momentos marcantes da sua carreira desportiva. O reconhecimento do seu trabalho na organização do Grande Prémio de Fernão Ferro e da Milha Urbana, a homenagem prestada em 2015 pelo Município do Seixal, a atribuição da Medalha de Bons Serviços em 2018. Ainda neste ano, a homenagem da Junta de Freguesia de Fernão Ferro e da Câmara Municipal e o reconhecimento pela sua participação pelo 25º ano no Corta-Mato da Amora. “O meu obrigado!”
“Faço exercício diário, logo ao levantar e antes e depois dos treinos e provas”
Emoções na milésima corrida no Corta-Mato da Amora
Mateus correu a sua milésima prova no dia 7 de Novembro. “Ficará para sempre na minha memória”. Devido à pandemia, não foi fácil correr a milésima prova no seu concelho mas conseguiu-o. Foi no Corta-Mato da Amora. “A prova em si foi excelente, fizeram-me companhia o meu filho Hélder, o Jacinto e o Américo Lopes. Fomos sempre juntos e tive a honra de à chegada, cortar a meta com a fita como se fosse o vencedor! O senhor vereador Bruno Santos deu-me logo os parabéns, tal como o nosso speaker Hugo Palma. Tive ainda a presença do presidente da Junta de Freguesia da Amora e dos meus colegas de equipa no pódio. A minha filha fez uma grande reportagem, a minha esposa marcou presença, tal como o Rui Alberto e o Esmeraldo com as respetivas esposas. O meu obrigado a todos!”
A caminho dos 10 mil quilómetros
Até agora, Mateus contabiliza 9.834 km em 1.003 corridas. No top ten das provas mais participadas, temos: S. Silvestre da Amadora (29), Meia Maratona da Ponte 25 de Abril (29), Corrida Festa do Avante (28), Corta-Mato Cidade de Amora (27), GP Alto do Moinho (25), Jove Maio Fanqueiro (23), Corrida da Cruz de Pau (23), Corrida das Fogueiras (17), Meia Maratona da Nazaré (16), Corrida do Carnaval Alenquer (15) e 20 km de Cascais (15).
Na pista, já correu desde os 60 metros à légua mas também participou no lançamento do peso e salto em comprimento.
“No final do banho, passo o chuveiro com água fria pelos pés, gémeos, joelhos, virilhas, ancas e costas”
Tirar o pé do acelerador aos 70 anos
Pensa correr enquanto tiver saúde. “A milésima prova era uma meta mas continuarei a participar nas provas. Teve vários pódios no Troféu de Atletismo do Seixal mas quando chegou aos 70 anos, disse para si próprio: “António, tira o pé do acelerador, já chega! Agora, é desfrutar das provas sem stress”.
Não dispensa os exames médicos de rotina. “Temos de saber se o coração está bem”. Quanto a lesões, a mais grave foi na Corrida dos Sinos em Mafra, na rótula do joelho esquerdo. “Estava perto da meta, acabei a prova. Assim que terminei, tive de me apoiar no colega da frente”. Foi uma lesão demorada que demorou quase seis meses a curar. Mas, “o joelho ficou tão bem tratado que nunca mais me doeu”.
Para além desta lesão, teve apenas pequenas entorses e uma na anca direita, esta, uma semana antes da Meia Maratona da Ponte 25 de Abril. “Só faltei à 27ª edição, de resto fiz todas”.
Na sua opinião, a razão das poucas lesões tem a ver com os exercícios de ginástica. “Faço exercício diário, logo ao levantar e antes e depois dos treinos e provas. E no final do banho, passo o chuveiro com água fria pelos pés, gémeos, joelhos, virilhas, ancas e costas”.
Na alimentação, Mateus come de tudo. “Apenas tenho uma regra quando tenho provas maiores, aí como massa ou arroz, o ideal é esparguete. E nunca passo uma refeição sem fruta. Este princípio é sagrado”.
Futuro está na formação dos Jovens
Na sua opinião, o futuro da modalidade está na formação dos jovens, com o apoio dos clubes, das autarquias e do movimento associativo. “Com a formação de novos técnicos, o concelho do Seixal está no bom caminho. Temos o apoio da Câmara e das Juntas para seguir em frente, estão sempre prontos para nos ajudar”.
Correndo desde 1985, Mateus fala-nos das mudanças desde então. “Tudo mudou para melhor. As novas tecnologias renovaram a diferença, tudo é mais fácil, felizmente”.
No mundo das corridas, Mateus aprecia particularmente a camaradagem e a amizade entre os atletas, “assim como a alegria contagiante no pelotão. Funciona como uma família porque nós veteranos, todos nos conhecemos, são muitos anos em corridas.
Regra a seguir para melhorar a organização das provas
Mateus colabora na organização de duas provas anuais em Fernão Ferro. O Grande Prémio há 13 anos e a Milha Urbana há 15. “A melhor sugestão é a prática de cada ano que passa. Se algo correu menos bem, na próxima vez não se repete. É importante manter as datas e o percurso”.
No entanto, as próximas edições do Grande Prémio e da Milha em 2022 vão ter novos percursos, por sugestão da GNR. Esta propôs um local com menos trânsito, com a partida e a meta a serem instaladas no Parque das Lagoas. “Vamos sair do centro de Fernão Ferro para maior segurança de todos e também por razões monetárias, vamos pagar menos à GNR”.
Projetos futuros
Mateus tem ideias definidas quanto ao seu futuro na modalidade que passam naturalmente por continuar a correr. “Gosto imenso de participar nas corridas. Em 7 de Novembro, foi a milésima, já tenho 1002 e se tudo correr bem, irei fazer a 1003ª na S. Silvestre da Amadora. É uma prova que me dá imensa alegria. Será a minha 30ª na Amadora” (como sabemos, a prova foi entretanto adiada devido à pandemia).
Convencer um corredor a deixar de fumar em plena prova
Sendo um veterano das corridas, Mateus tem naturalmente várias estórias. Uma delas passou-se na Meia Maratona da Ponte Vasco da Gama. “Vinha com um atleta do pelotão e ele disse-me ‘Quando chegar, vou fumar um cigarro’. Disse-lhe: ‘Repita a frase’: ‘Sim, fumar um cigarro’. Eu respondi-lhe: ‘Nem acredito, um atleta não deve fumar, vai deixar de fumar. Só fuma quem quer, amanhã ao levantar-se, chega ao espelho e diz: Manuel, a partir de agora não vais fumar mais, ouviste? Depois, deita o tabaco fora. Durante três dias, faz o mesmo. Oiça a sua mente, é ela que nos comanda’. Fomos mais uns quilómetros e disse-lhe: ’Não se esqueça do que vai fazer’. Despedi-me e fui avançando para a chegada no Parque das Nações. Tirei o chip e estava a conversar com os outros atletas quando vejo o nosso colega que me diz: ‘Vim a pensar muito no que me disse e vou fazer já amanhã’. Perguntei-lhe se prometia e ele disse que sim. Respondi-lhe que ficava feliz se ele deixasse de fumar.
Antes correr devagar que caminhar
Mateus tem encontrado muitas vezes atletas a caminhar. Normalmente, diz-lhes: “A caminhar, custa mais, comece a correr devagar, corrija a respiração. Quer vir comigo, dou os conselhos, se quiser não pára mais até à meta”. Já aconteceu muitas vezes, à chegada ficam felizes. ‘É verdade, não custou nada, obrigado’. Eu digo-lhes que é a mente que nos comanda”.