Altobeli da Silva Santos, prata nos 5.000 metros em Lima, conta a sua história desde os tempos em que foi expulso de casa e teve de morar duas semanas dentro de um carro.
Altobeli da Silva Santos foi o primeiro brasileiro a ganhar uma medalha no atletismo nos Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru. Foi nesta terça-feira, ao ser segundo nos 5.000 metros. Mas a vida de Altobeli não foi nada fácil antes de se dedicar inteiramente ao atletismo.
Em entrevista concedida à imprensa do seu país após a conquista da medalha de prata, Altobeli falou do seu passado.” É uma história muito difícil que eu tive que superar. Um cara que foi criado sem pai, por uma mãe dura, colocado fora de casa, morou dentro de um Corcel 2 durante duas semanas, um cara que passou dois Natais e dois Anos Novos na rua. Enquanto o pessoal passava e dava Feliz Ano Novo para mim, e eu de chinelo, sem rumo na vida devido à criação da minha mãe, que foi muito dura”.
Aos 28 anos, Altobeli já participou nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e Campeonato Mundial e acumula vitórias em provas de 5.000 metros e 3.000 metros obstáculos.
“ Eu tive tudo para ser um bandido, virar matador, traficante, qualquer outra coisa de ruim. Eu acho que a história das pessoas que vieram da periferia como eu, dos jovens, de todos, não se resume à falta de oportunidade. A oportunidade quem cria somos nós. Nossas escolhas. Sou um exemplo disso. Tenho orgulho de mim, não me gabo, mas tenho orgulho. O cara que saiu de onde eu saí, e alcançar o que alcancei, tem que ser muito guerreiro e honesto. Encarar a vida de uma maneira como poucos têm coragem de encarar. Na maior dificuldade, quando todos fraquejam e ficam no meio do caminho, eu continuei caminhando”.
Sobre a forma como a mãe o tratava, afirmou: “Eu tinha 17 anos, mas desde os 13 anos que a minha mãe já me maltratava bastante. Eu não podia fazer coisas de homem normal, jogar à bola, brincar, soltar pipa. Ela ficava muito brava comigo e não me deixava entrar em casa. Aos 20 anos, ela colocou-me fora de casa. “Se você quiser ser atleta, esse negócio de correr aí, você vai embora de casa”, disse ela. “Porque eu não permito, isso é vagabundagem para mim”. Eu falei: “Então estou indo porque eu vou atrás do meu sonho. Eu acredito e me falaram que eu tenho capacidade”. Eu ganhava 200 reais por mês. Saí do trabalho em que ganhava quase mil, numa loja de móveis. Tinha parado de distribuir panfletos na rua, mas continuava no atletismo. E aí segui a minha vida. Fui morar num Corcel 2, durante duas semanas. Um carro que eu tinha comprado. Tinha o dinheiro de uma corrida que eu tinha ganho e juntado com o que eu ganhava. Aí, ganhei outra corrida no Interior e ganhei 400 reais. Junte 1.400 na época e comprei esse carro que só dava dor de cabeça. Mas foi a minha casa durante duas semanas que pareciam que não passavam nunca”.
Altobeli nasceu e foi criado em Catanduva, cidade com cerca de 100 mil habitantes, localizada a 400 km de S. Paulo, onde ainda mora a sua mãe. Onde quer agora levar a medalha de prata pan-americana para mostrar a ela que o filho tinha razão.
-“Vim de um bairro da periferia mesmo, que durante um tempo foi considerada a Cracolândia de Catanduva. Não era uma favela, mas era um bairro mais simples”.
Apesar da infância bem difícil. Altobeli mantém contato com a sua mãe. “ Eu ajudo a minha mãe hoje, através de um desporto que ela falou que era vagabundagem. Eu só vou levar a medalha para ela, mostrar-lhe que o cara em quem ela mais tinha de acreditar, que a primeira pessoa em quem ela tinha que acreditar, ela não acreditou. Os meus amigos falavam: ‘Isso é loucura, ficar correndo nessa rua aí no sol quente’. Mas eu tinha a convicção que um dia esse louco ia chegar a algum lugar. Esse louco conheceu mais de 15 países. E os que falavam que eu era louco, estão lá ainda, nunca saíram de Catanduva, não conhecem nem São José do Rio Preto, que fica a 50 km de lá. Eu não me gabo disso, não me acho superior. Mas é uma história. A gente não pode julgar ninguém, nem as escolhas de ninguém, desde que esse alguém seja honesto e transparente”.