O norte-americano Carl Lewis, agora com 61 anos, sprinter que brilhou nos anos 80 e 90, conquistando dez medalhas olímpicas (nove de ouro e uma de prata) e outras dez mundiais (oito de ouro, uma de prata e uma de bronze), deu uma entrevista a Inma Flores, do jornal espanhol AS. Eis as partes mais interessantes.
O que faz hoje em dia Carl Lewis?
Falo em conferências, dedico-me à minha fundação, treino (é o treinador principal do programa de atletismo da Universidade de Houston, a mesma que o treinou), e sou um grande investidor numa ‘empresa unicórnio’ (nome dado àquelas com valor acima de 1.000 milhões de dólares).
Que opinião lhe merece o atletismo atual?
(Suspiros) Estamos a entrar agora, em terreno complicado. Eu não sei como dizer isto. É dececionante, mas não é uma deceção focada em alguém em particular. A melhor maneira de descrevê-lo seria uma comparação com a Sears (uma cadeia norte-americana de grandes armazéns). Essa empresa ficou famosa pelo seu catálogo e depois faliu por causa da internet. É assim que vejo o atletismo hoje. Nos anos 80 e 90 tornou-se profissional porque estávamos a lutar por algo. Agora, esta modalidade está a perder-se porque não lutamos por nada. É um declínio dececionante. A diferença com o Movimento Paralímpico, por exemplo, é que eles lutam por um espaço. E o mundo percebeu que eles merecem. A minha esperança é que nunca fique complacente, que haja sempre um grupo de pessoas a perguntar-se o que estão lá a fazer. A minoria irada faz-se sempre ouvir mais do que a maioria silenciosa. Espero que continuem a inspirar as pessoas, que não chegue o momento em que pensem ‘vencemos’, porque é preciso lutar sempre. Isso seria maravilhoso para o mundo do desporto.
Não acha que haja alguém inspirador?
É triste dizer algo assim, mas realmente não importa. O sistema está parado. Se a Sears contratasse um grande CEO (diretor executivo), seria igual porque o seu modelo de negócios está acabado. Este é o problema, há que isolar a doença e agir contra ela, mas não está a ser feito. Bolt (Usain) passou oito anos (referindo-se à sua carreira olímpica) e mesmo assim, a modalidade não parou de degradar-se nesse período.
Haverá alguém no futuro capaz de baixar dos 9,58 aos 100 m, 19 aos 200 e saltar mais de nove metros no comprimento?
São coisas diferentes. Alguém vai correr mais rápido, porque acaba sempre por acontecer. Mas a forma como a sociedade mudou, torna a progressão no salto em comprimento mais difícil. A sociedade já não manda os seus filhos trabalharem no duro. Dou um exemplo: os nadadores não pedem uma piscina mais curta, mas a sociedade acaba por a impor a eles. Agora é tornar tudo mais fácil. Quando tens aquela que considero ser a disciplina mais complicada de todo o mundo do desporto e a tua ideia é simplificá-la, como vamos melhorar? Continuo a ouvir as razões pelas quais o salto em comprimento não vai bem, mas ninguém me pergunta, e tudo o que dizem está errado. ‘É que as pessoas preferem outras modalidades, é que as pessoas fazem isto, é que as pessoas fazem o outro’. Olhas a lista de motivos e não tem nada a ver com a realidade. Acredito que a sociedade nos pôs numa posição em que demoraremos muito tempo a ver alguém a saltar mais de nove metros.
Faz algum tempo…
O recorde mundial ao ar livre (8,95 de Mike Powell em Tóquio em 1991) tem 31 anos. O recorde de pista coberta tem 41 (na verdade 38, fixado em 8,79 m pelo próprio Lewis em Nova York em 1984). É revelador. São muitos anos combinados sem tocar nessas marcas, e nem há quem o tente.
Porque é que cada vez menos pessoas dobram a velocidade e os saltos?
Porque é muito difícil. As crianças não querem já, fazer nada difícil. É muito difícil (risos). A cada dois ou três anos, alguém salta acima de 8,50 e as pessoas enlouquecem. Alguém, deu-me uma vez uma lista e perguntou-me quem seria o próximo. Eu saltei 70 vezes acima de 8,53 antes de chegar a 8,87. 70 vezes! Alguém acha que vai saltar uma vez 8,67 e 8,90 na próxima? É assim que somos. O salto em comprimento é uma disciplina na qual, se pode às vezes, ter sorte. Esta é a questão, e a sociedade não está mais projetada para envolver-se em algo que seja duro de verdade. Agora tudo é mais fácil e, em vez disso, o salto é ainda algo difícil. Eu não sei o que dizer, realmente. É frustrante. De todos os eventos, o salto em comprimento é atualmente o pior em termos de performances.
Como se lembra, 34 anos depois, de Seul 88 e do seu duelo com Ben Johnson?
A medalha está no Smithsonian Institute (um complexo de museus e centros de investigação espalhados pelos Estados Unidos para difundir o conhecimento). Está ali para que toda a gente veja. É a história de todos. Quando vês essa medalha, que pensas? Para onde ela te leva? Eu tornei-a pública, como o resto das minhas medalhas, para que elas possam escrever a sua própria história. Para mim, elas fazem parte da jornada da vida. No ensino médio, formas-te, na faculdade, formas-te, na carreira profissional, retiras-te. Isto é tudo.