Carlos Alves é atleta do Run Tejo. Deficiente motor, sempre praticou desporto. Abraçou o atletismo há seis anos e já concluiu uma meia maratona. Agora, está a dedicar-se mais à velocidade na pista com o objetivo de realizar um grande sonho: estar presente num Campeonato Europeu de Desporto Adaptado. Cidadão de convicções fortes, não se deixa abater por mentalidades que põem em causa as suas aspirações, apenas por ser deficiente.
Carlos Alves tem 44 anos e é funcionário público. Nascido em Lisboa, abraçou o atletismo há seis anos mas praticou desporto desde os nove anos. Entre outras modalidades, musculação, artes marciais e boxe.
Carlos é deficiente motor mas não cognitivo, um problema de saúde tido ao nascer. O atletismo apareceu por acaso, quando ele frequentava o ginásio e em conversa com Rosa Freitas, soube que o irmão dela (Carlos Freitas) era treinador. Feitas as devidas apresentações, Carlos Freitas disse-lhe que o punha a correr. “Eu nem gostava de andar mas aceitei o desafio”.
Foi assim que Carlos entrou para o atletismo. Estreou-se no mundo das corridas nos 8 km do Rosário-Gaio, no concelho da Moita. “Foi ótima a sensação. Foi uma vitória conseguir correr 8 km, nunca pensei fazê-lo. Foi uma coisa incrível! Um êxtase total, conseguir chegar ao fim. Uma grande vitória pessoal!”
“Ao final do dia, arranjo duas horas. Não estou para ninguém, nem levo o telemóvel”
Mais de 5.500 km em treinos e provas
É atleta do Run Tejo e treina seis vezes por semana, habitualmente acompanhado. Tem treinador e naturalmente, um plano de treinos. Consegue conciliar os treinos com a sua atividade profissional fazendo ginástica no tempo. “Ao final do dia, arranjo duas horas. Não estou para ninguém, nem levo o telemóvel”.
Meticuloso, tem um registo de todas as suas provas, na estrada, corta-mato e pista. Já vai em 124, o que dá uma média de 35 a 40 por ano. Contando com os treinos e corridas, já terá feito cerca de 5.500 km, mais do que a distância entre Lisboa e Nova York.
Experiência inolvidável na Meia Maratona dos Descobrimentos
Quanto à sua prova preferida, não hesita em eleger a S. Silvestre da Amadora. “É mítica. Só a fiz em 2019. Não se vê um centímetro sem pessoas!”
A sua distância preferida na estrada passa pelos 10 km. Já na pista, está a especializar-se nos 60, 100 e 200 metros.
A Meia Maratona dos Descobrimentos em 2019 foi a sua maior distância já percorrida. Em 2h30m48s. Para Carlos, um feito inolvidável. “Foi uma coisa incrível, uma realização pessoal, uma satisfação incrível. Tive todos os sentimentos que uma pessoa pode ter: ri e chorei no final, completamente emocionado”.
Carlos mostrou mais uma vez a todos aqueles que não se acham capazes de correr um quilómetro que seja, que não há impossíveis. “Não consigo? Por uma razão mental? Por falta de treino? Tenho de experimentar para saber se consigo ou não”.
“O desporto em Portugal é só futebol, o resto… Os nossos grandes atletas fazem coisas impensáveis, de valor”
Nova opção pela velocidade na pista
Carlos mantém-se na estrada mas abraçou recentemente uma nova opção, a pista. O seu grande objetivo é poder participar num Campeonato Europeu de Desporto Adaptado. “É um dos meus sonhos. Vou esforçar-me para fazer o meu melhor. Mesmo que seja o último, direi que fiz o meu melhor e estive lá”.
Quanto às diferenças que encontra na pista relativamente à estrada, diz-nos: “São duas realidades diferentes. Na pista, está-se mais concentrado. Gostava de ser mais rápido, na pista sou-o. Aos 100 m, não passava dos 31 segundos, agora faço em 27. Aos 200 m em 56 s e aos 60 m, tenho um recorde pessoal de 16,80 s. Carlos chamou-nos a atenção para o facto de haver em Lisboa, ao contrário de Braga, poucos praticantes do Desporto Adaptado.
“A maratona… “Está na lista! Quando não sei. Vou fazer só uma”
Momentos marcantes
Carlos tem dois momentos marcantes na sua condição de corredor amador. Quando conseguiu correr os 10 km da Corrida D. Estefânia em menos de 65 minutos (64m36s), marca marcante para quem demorou hora e meia na primeira vez que correu 10 km, e quando cortou a meta da Meia Maratona dos Descobrimentos. Já quanto à maratona… “Está na lista! Quando não sei. Vou fazer só uma”.
Faltam mais apoios à modalidade
Vê o futuro da modalidade com alguma apreensão. “Desde o nível mais baixo ao mais alto, aos atletas olímpicos, não temos tido o apoio necessário para evoluir. Falta muita coisa. O desporto em Portugal é só futebol, o resto… Os nossos grandes atletas fazem coisas impensáveis, de valor. É preciso que alguém lhes preste mais atenção”.
Já quanto à organização das provas, considera que estamos no bom caminho. “Até agora, nas provas que tenho feito, as organizações têm sido boas”.
“Só quero uma oportunidade que eu agarro-me a ela com unhas e dentes”
As amizades e a estimulação para a competição
No mundo das corridas, Carlos aprecia tudo. “As pessoas, as amizades que se criam, o convívio. A estimulação para a competição, mesmo connosco próprios. A corrida também nos dá muita disciplina”.
Como apaixonado da corrida, pensa correr “até ao dia que o corpo permitir”. E se não estivesse no atletismo, qual a modalidade preferida? As artes marciais.
Tem os devidos cuidados com a alimentação e não dispensa os exames médicos de rotina. Não tem sido visitado pelas lesões.
“As pessoas estão hoje mais inclinadas para aceitar as diferenças. Mas há ainda muito trabalho para fazer”
Melhorar as mentalidades para com o desporto adaptado
Quanto a estórias, Carlos conta-nos as experiências por que passou quando decidiu fazer a Meia Maratona. “Entre os treinos e a prova, muita coisa aconteceu pelo meio. Se toda a gente me apoiou, também houve pessoas que me disseram: ‘Se fosse a ti, não era capaz de fazer’. Mas respondi ‘Mas tu e eu, somos pessoas diferentes’. Já ouvi comentários do tipo ‘o que é que aquele gajo está aqui a fazer?’ Isto dito por outros atletas. Se dizem que o desporto é para todos, vamos agora fazer separação? Não dou ouvidos a ninguém. Só quero uma oportunidade que eu agarro-me a ela com unhas e dentes”. A concluir, afirmou: As pessoas estão hoje mais inclinadas para aceitar as diferenças. Mas há ainda muito trabalho para fazer”.
Mensagem motivadora a todos
A terminar, Carlos quis deixar uma mensagem a todos nós: “A maior motivação é mostrar a todos, pessoas com e sem deficiência, que não devem desistir nunca dos seus sonhos e intentos, de modo a continuar a trabalhar para serem melhores versões de vocês mesmos, ou seja, melhores que ontem. O ser humano não tem limites!”
Carlos Alves é um exemplo de cidadão lutador pelos seus anseios, onde a palavra impossível não existe até prova em contrário. Fazemos votos de que o seu sonho, estar presente num Campeonato Europeu de Desporto Adaptado, seja uma realidade.