Catarina Cidade do Carmo tem 24 anos e é atleta do Clube Pedro Pessoa Escola de Atletismo. Cientista, está a fazer o doutoramento, sendo um bom exemplo de como é possível conciliar o desporto com os estudos. Ganhou no ano passado, o Prémio Almada Desporto. É detentora dos recordes regionais de Setúbal dos 3.000 m, 3.000 m obstáculos e 5.000 m.
Catarina Cidade do Carmo é natural de Sesimbra e tem 24 anos. Muito jovem ainda, já é mestre em Engenharia de Micro e Nanotecnologias, atual bolseira de investigação e aluna de Doutoramento em Nanotecnologias e Nanociências na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
Começou a correr aos 12 anos por influência do seu pai Nuno com quem começou a treinar. Depois, a sua mãe que era professora, conversou com uma funcionária da Escola que era treinadora de atletismo, sobre a filha andar a correr. Catarina acabou por ser desafiada a experimentar no clube da treinadora e gostou. “Antes, fazia karaté, voleibol e natação, fiquei só no atletismo”.
“Todos os momentos nos marcam, mesmo os que nos correm mal”
Família do atletismo
É uma família do atletismo porque além do seu pai, também o seu irmão Nuno é praticante da modalidade, não nas corridas mas no salto com vara e lançamento do dardo.
A sua primeira prova de estrada terá sido a Corrida da Pequenada, na véspera da Meia Maratona da Ponte 25 de Abril. Já a sua estreia oficial como sénior foi numa Corrida do Avante. “Foi uma sensação boa, de superação, de querer voltar a repetir”.
“Sempre fui muito metódica e disciplinada, cumpro à risca o plano de treinos do mister”
Exigir cumprimento do Regulamento do Estatuto Estudante/Atleta
Quando Catarina entrou na Universidade, já ia bem informada e determinada a que o Regulamento do Estatuto de Estudante/Atleta fosse cumprido com ela. Não foi fácil mas conseguiu levar a água ao seu moinho. “O Regulamento não é aplicado muitas vezes”.
Não lhe tem sido difícil conciliar a sua atividade tão intensa com as corridas. “Sempre fui muito metódica e disciplinada, cumpro à risca o plano de treinos do mister. No doutoramento, tenho a sorte de ter uma orientadora muito compreensiva”.
“O futuro pode ser risonho. Ao longo destes anos, vêm-se muitos recordes a ser batidos”
Da pista à estrada e corta-mato
É desde 2017, atleta do Clube Pedro Pessoa Escola de Atletismo (CPPEA). Pedro Pessoa é o presidente do clube e o seu treinador, onde tem desempenhado um papel de relevo com os poucos meios disponíveis. Treina todos os dias, geralmente acompanhada, com treinos bidiários nalguns dias da semana.
Participa em média, em 25 provas anuais, distribuídas pela pista (15/16), estrada (5) e corta-mato (5).
A sua preferência vai para a pista mas também gosta de correr na estrada. A maratona ainda não faz parte dos seus horizontes mas pensa um dia experimentar os míticos 42.195 metros. Já o trail ainda não a atraiu.
A sua distância preferida passa pelos 3.000 m obstáculos. “Comecei a fazer obstáculos com 14 anos.
Já a prova que lhe deixou recordações menos agradáveis foi um Corta-Mato Nacional disputado no Parque da Bela Vista, em Lisboa. “Não gostei muito do percurso”.
“Um dia, vou ser campeã nacional. E fui!”
Momentos marcantes
Catarina tem três momentos marcantes na sua carreira desportiva. “Todos nos marcam, mesmo os que nos correm mal”.
O primeiro momento marcante tem a sua história. Catarina foi a última classificada no Campeonato Nacional de Juvenis em 2015 e 2016 nos 2.000 m obstáculos. “Fiquei então muito triste, criei em mim, a ideia de ‘ok, fiquei em última mas um dia, tenho de ganhar um Nacional’. Em 2018, tive três pódios nacionais. Em 2020, continuei a treinar normalmente, apesar da pandemia”.
Em Agosto desse ano, acabou por haver o Campeonato Nacional de Sub-23, disputado em quatro locais diferentes. Os 3.000 m obstáculos foram então substituídos pelos 2.000 m obstáculos e Catarina correu em Lisboa. “Eu tinha a terceira melhor marca das Sub-23, dei tudo”.
Como a prova se disputou em quatro locais diferentes, só no fim é que se soube quem tinha feito a melhor marca e sagrado campeã nacional. Foi a Catarina, soube-o pelo irmão. “Fui campeã nacional Sub-23 na distância onde tinha sido última por duas vezes. Cumpriu-se ‘Um dia, vou ser campeã nacional. E fui!’”
O segundo momento marcante teve lugar em 2021 quando se sagrou vice-campeã nacional Sub-23 nos 3.000 m obstáculos. “Vinha a disputar o título com a Laura Taborda mas caí na última vala de água, já vinha no meu limite. A Laura ganhou e fez os mínimos para os Europeus Sub-23. Acabei por ficar a seis segundos dos mínimos, se não tivesse caído…”
O terceiro momento marcante passou-se em 2022 quando Catarina se sagrou campeã nacional universitária dos 3.000 m obstáculos e 5.000 m. “Fiquei muito feliz, tinha ficado frustrada dois meses antes, ao ficar de fora da seleção aos Campeonatos Mundiais Universitários de Corta-Mato. Nesse dia, ganhei a muitas das que foram selecionadas para o Mundial”.
“Não consigo imaginar a minha vida sem o atletismo”
Efeitos da superação pessoal na sua vida pessoal
Catarina pensa correr enquanto puder. “Não consigo imaginar a minha vida sem o atletismo. Penso correr até o corpo me permitir. A competir a sério, quando puder. Depois, de forma mais lúdica”.
E se não estivesse no atletismo, qual a modalidade escolhida? “Karaté ou natação, um dos dois. Nunca fiz triatlo, também gostava de experimentar um dia”.
No mundo do atletismo, aprecia particularmente a superação pessoal, a evolução. “O esforço que eu fazia nos treinos era recompensado depois com os resultados. Isso faz-me sentir mais confiante em mim e obter melhores resultados na vida pessoal”.
Não ao álcool
Catarina não dispensa os exames médicos de rotina e tem os devidos cuidados com a alimentação mas sem restrições. “Faço uma alimentação equilibrada e variada. Não bebo álcool”.
Nunca foi visitada pelas lesões. “Tenho cuidado e faço massagem uma vez por semana”.
“O futuro pode ser risonho. Ao longo destes anos, vêm-se muitos recordes a ser batidos”
Federação deve promover mais estágios
Acerca do futuro da modalidade, Catarina vê-o com otimismo. “O futuro pode ser risonho. Ao longo destes anos, vêm-se muitos recordes a ser batidos”.
Mas deixa uma critica/sugestão à Federação. “A Federação precisa de fazer estágios mais inclusivos no meio fundo. Com os atletas de segunda linha, que estão quase a chegarem à frente mas a faltar qualquer coisa. Estão tapados pelos melhores. Não sentimos um sentido de valorização”.
Propõe ainda a realização de mais ‘Jornadas Noturnas’ na pista. “No Verão, obtêm-se melhores marcas à noite. O Porto ainda faz, aqui faz-se pouco”.
Quanto a uma melhor organização das provas, salienta que por vezes, as Organizações estão menos preocupadas com os atletas do que deveriam estar. “Há partidas um pouco afuniladas, pense-se mais nos atletas”.
“Vou continuar a treinar a pensar nisso, a acreditar nisso (ser atleta internacional)”
Recordes pessoais
Eis os recordes pessoais de Catarina, na pista e estrada (os dois últimos):
Catarina venceu o Prémio Almada Desporto 2023. No seu curriculum, constam os títulos de campeã nacional Sub-23 de 2.000 m obstáculos (2020), campeã nacional Universitária de 3.000 m obstáculos (2021) e vice-campeã nacional Universitária de 5.000 m (2023). É a atual recordista da Associação de Atletismo de Setúbal nos 3.000 m, 3.000 m de obstáculos e 5.000 m.
– 3.000 m: 9.50,30 na pista coberta em Pombal
– 3.000 m obstáculos: 10.44,96 no Estádio Universitário de Lisboa
– 5.000 m: 17.25,07 em Viana do Castelo
– 10.000 m: 35m17s na S. Silvestre do Seixal de 2023, onde foi segunda.
– Meia Maratona: 1h20m30s na Meia Maratona dos Descobrimentos
Para obter estes resultados, Catarina teve de saber conciliar os estudos com o atletismo e abdicar de parte da sua vida social, própria da sua juventude.
O seu sonho é poder ser atleta internacional. “Vou continuar a treinar a pensar nisso, a acreditar nisso. Talvez daqui a quatro anos possa estar nos JO de Los Angeles”.
Quando tinha medo de passar os obstáculos
Nas estórias curiosas, Catarina lembra as suas primeiras experiências nos obstáculos. Comecei a fazer obstáculos aos 14 anos. Mas tinha medo dos obstáculos, só os passava com um pé. Na altura, o meu irmão media menos de metro e meio e era gordinho. Estava eu a saltar com o pé e vejo o meu irmão a passar os obstáculos a saltar normalmente. Fui logo tentar a seguir e conseguiu-o. Ele ainda hoje me diz na brincadeira, que se estou nos obstáculos, o devo a ele”.
A importância do pai e do treinador na sua vida desportiva
Depois Pedro Pessoa. “O meu treinador também é um grande apoio. Quando comecei a treinar com ele, tinha objetivos que achava serem inacessíveis. Por exemplo, correr os dez quilómetros em menos de 40 minutos. Ele tem sido importante na formação do meu caráter, naquilo que sou hoje”.
A terminar, Catarina quis realçar a importância de três pessoas na sua vida desportiva, os seus pais e o seu treinador. “Principalmente o meu pai. Quando comecei a correr, ele corria mais do que eu, abdicou do seu plano de treinos para fazer o meu, para me ajudar. Vai sempre comigo, falamos muito. É o meu maior apoio.”
Dona de grande simplicidade e simpatia, Catarina Cidade do Carmo é uma jovem que mostra o caminho de como é possível conciliar o desporto com os estudos. Com natural sacrifício da sua vida social mas a garantir o seu futuro enquanto cidadã.