Puro ou com leite, o café é uma companhia diária para milhões de corredores. Como pode este hábito influenciar a performance na hora da corrida? A cafeína, substância presente no café, mas também em chás e em menor quantidade no cacau, possui diversos efeitos no organismo, e muitos deles se estendem para o desporto.
Considerado seguro em níveis “normais” (equivalente a cerca de 3/5 expressos, dependendo do tamanho e tipo do café) o consumo de cafeína talvez seja uma das formas mais fáceis de garantir alguns segundos a menos na linha de chegada, a tal ponto que durante anos, doses muito elevadas de cafeína eram proibidas durante competições oficiais (boxe).
Veja a seguir como a cafeína pode influenciar o funcionamento do organismo e o desempenho.
Efeitos sobre a saúde
Antes de falarmos sobre os efeitos da cafeína sobre a performance, é importante lidarmos com a atenção que a comunicação social dá aos diversos estudos, ligando o consumo de cafeína com diferentes doenças. Dada a popularidade do café e os seus efeitos no organismo, não é de estranhar que exista uma grande quantidade de estudos sobre o tema. Independentemente dos títulos ligando o café a isto ou aquilo, o consumo de café é considerado seguro por todas as grandes agências de saúde. Neste sentido, um limite de cerca de 300/400 mg de cafeína por dia é aceite como uma dose “segura”, não porque mais faça mal, mas porque o seguro morreu de velho.
Quanto à aparente relação entre o consumo de cafeína e diferentes doenças, não há evidências suficientes para sugerir que ela deva ser evitada: o café parece ser protetor em alguns casos, como doenças degenerativas do sistema nervoso, mas deletério em outros, como em doenças cardíacas, mas nunca com uma relação clara de causa e efeito.
Cafeína e metabolismo
Quando consumida, a cafeína é metabolizada em algumas horas, com uma meia-vida (o tempo necessário para que a dose no organismo caia a meio do pico) de 2/10 horas. Neste espaço de tempo, três efeitos principais são de interesse para os desportistas: o efeito no sistema nervoso, o direto sobre a contratilidade da musculatura e, finalmente, sobre a utilização de substratos para a produção de energia.
Os efeitos da cafeína sobre a capacidade de produção da força muscular são muito bem documentados: ela age sobre o processo de contração da fibra muscular, aumentando a qualidade da contração, ao disponibilizar uma maior quantidade de cálcio para a contração, elemento diretamente relacionado com a quantidade de força produzida.
Já no sistema nervoso, a cafeína estimula a secreção de catecolaminas, como, por exemplo, a adrenalina. A resposta do organismo ao maior número destas catecolaminas é o aumento do estado de alerta, diminuição do cansaço, e, no caso do desporto, uma diminuição da sensação de esforço para uma dada atividade.
É no último dos três efeitos que a cafeína ganha mais destaque no desporto: existe uma corrente que defende que ela aumenta a preferência do organismo pela queima de gordura, em detrimentos dos carbohidratos, o que poderia auxiliar até mesmo na perda de peso. Contudo, até hoje, não está estabelecido se isto é real e significativo.
Considere o seguinte estudo, realizado alguns anos atrás por um grupo de investigadores canadianos, americanos e dinamarqueses: um grupo de dez participantes realizou uma hora de exercício intenso após consumir uma dose de cafeína de cerca de 400 mg, próximo do limite máximo recomendado por organizações de saúde. Noutro dia, os voluntários realizaram a mesma atividade, porém tomando uma pílula de placebo – sem qualquer efeito real no organismo – de aparência idêntica à pílula de cafeína.
Conforme esperado, antes de os voluntários começarem a exercitar-se, houve um aumento nos níveis de adrenalina e também nos níveis de ácidos gordos circulantes, em linha com um aumento da queima de gorduras. No entanto, durante o exercício, nenhum dos indicadores de utilização de substratos foi diferente entre as duas situações, indicando que as alterações vistas em repouso foram suplantadas pela sinalização metabólica do próprio exercício.
Cafeína e performance
Em função da pluralidade de efeitos sobre o metabolismo, a cafeína pode impactar o rendimento de uma vasta gama de desportos, desde provas de explosão e velocidade até aos de longa duração. Apesar disso, os resultados da cafeína em eventos de curta duração são menos consistentes do que aqueles observados em provas mais longas, sugerindo que aqueles sobre o sistema nervoso, são os mais importantes para a performance.
Como vimos antes, a cafeína diminui a sensação de esforço de uma determinada intensidade do exercício, permitindo ao corredor uma velocidade um pouco mais elevada. Outra questão importante relacionada ao consumo de cafeína antes do exercício, é que apesar de possuir um efeito diurético em repouso (eliminação de fluídos), este aspeto não é influenciado pelo balanço hídrico durante o exercício.
A maioria dos estudos sobre a cafeína em exercício utiliza dosagens entre 3/6 mg por quilograma de massa corporal, ou seja, aproximadamente 400 mg para um adulto de 70 kg. Dentro destes números, não existe nenhuma, absolutamente nenhuma base para um corredor achar que precisa de “muito mais” que o normalmente utilizado, em função de ser muito grande, muito acostumado ou qualquer outro motivo. Doses exageradas de cafeína podem levar a arritmias cardíacas em algumas pessoas, e não há nenhum motivo para correr este tipo de risco.
Por último, dependendo da disponibilidade, a cafeína também pode ser consumida durante o exercício, normalmente junto com um suplemento de carbohidrato, dentro desta mesma dosagem de 3/6 mg por kg como dose total (e não por postos de abastecimento). Em eventos de longa duração, os efeitos ergogénicos da cafeína são aditivos àqueles da suplementação de carbohidratos, pois os dois atuam para melhorar o desempenho por caminhos diferentes.
Cafeína é doping?
Até 2004 a WADA (agência mundial antidoping) impunha um limite para a concentração de cafeína que um atleta poderia apresentar no organismo – limite este bem superior ao que poderia ser atribuído a uma ou duas chávenas de café – mas atualmente a substância consta apenas na lista de substâncias “monitoradas”. Ou seja, o consumo é livre mas a agência acompanha o seu uso por atletas dentro e fora de competições.
E os “viciados” em café?
Uma boa notícia para os “viciados” em café: os efeitos da cafeína sobre a performance não parecem estar relacionados com o consumo habitual de cafeína, ou seja, não desaparecem com o tempo. Enquanto alguns se perdem com o consumo habitual (por exemplo, sobre a concentração ou o sono), a cafeína também pode apresentar sintomas de abstinência quando retirada da rotina.
Esses dois factos levaram à hipótese de que alguns dias sem cafeína, poderia aumentar o efeito de uma dose antes do exercício, o que seria benéfico aos atletas. No entanto, experiências manipulando o consumo de cafeína no dia-a-dia e antes de testes desportivos, revelaram que o consumo de cafeína durante cerca de uma hora antes do exercício, é benéfico para a performance, independentemente do consumo da cafeína na semana anterior.