Aconteceu um pouco por todo o lado, os atletas terem de suspender os seus objetivos que em muitos casos, passava pelas medalhas olímpicas em Julho próximo.
Foi assim com a queniana Beatrice Chepkoech, recordista mundial dos 3.000 m obstáculos.
Na pequena povoação de Duka Moja, sudoeste do Quénia, a pista de treino é agora entre plantações de chá. É nessa “pista” que Beatrice treina todas as tardes com Pauline Mutwa, maratonista que aspira a um triunfo internacional.
Antes, faziam-no em grupo mas a pandemia, para além de fechar o acesso às pistas, fez com que os treinos sejam agora mais em solitário.
Beatrice voltou este mês a Duka Moja, onde vive com o seu marido. No princípio do mês, o seu treinador chamou-a para informá-la que em Agosto, recomeçavam os meetings da Liga Diamante, mais precisamente no dia 14 no Mónaco, no mesmo estádio onde ela bateu o recorde mundial.
“Agora, tenho tempo”, disse confiante. Acredita que “com um mês, mês e meio”, pode estar em boa forma para a primeira competição. Quando começaram os cancelamentos das provas, a deceção estendeu-se a todos os atletas quenianos de elite.
“Foi tão dececionante porque estava apontando muito alto para os Jogos Olímpicos, assim que depois cancelaram tudo, estava realmente dececionada”, disse Beatrice, de 28 anos.
Muitos quenianos continuaram a treinar até que os seus treinadores e fisioterapeutas tiveram de dizer-lhes para diminuírem o ritmo. “Pelo menos no nosso grupo (a que também pertence Beatrice), fizemo-los levantar o pé porque as primeiras semanas, parecia uma loucura, os atletas não tinham competições à vista e continuavam treinando como se não houvesse um amanhã”, afirmou o espanhol Marc Roig, fisioterapeuta da equipa NN Running.
Face à suspensão dos meetings, Beatrice foi de férias e esteve algumas semanas de Março em casa dos seus pais, ajudando-os a arranjar madeira, como fazia quando estava de férias na escola. Pensando que este ano, já não haveria provas, a atleta decidiu voltar ao seu antigo posto de trabalho como comissária da polícia em Nairobi.
Um golpe económico para alguns atletas
O seu sustento está por agora assegurado. A medalha de ouro nos Mundiais de Doha valeu-lhe 60 mil dólares e tem o patrocínio da Nike.
No entanto, o cancelamento das competições deixou algumas atletas quenianas em situações complicadas. Foi o caso de Pauline Mutwa, que ia apostar na maratona de Viena que se devia ter disputado em 19 de Abril.
Pauline vive próximo de Beatrice, a quem considera a sua mentora. Diz que “antes do coronavírus, costumava comprar comida do meu próprio bolso mas agora, não tenho dinheiro”.
Com o dinheiro que ganhava nas corridas e maratonas nacionais quando ficava nas dez primeiras, esta desportista de 28 anos podia pagar o aluguer da casa, a sua comida e mandar algum dinheiro aos seus pais e à sua pequena filha.
“Quando tens um objetivo, não há razão para parar, para frustrar os teus sonhos, assim concentras-te e inclusive, se há uma pandemia, fazes um esforço por ti mesma porque um dia acabará e tudo ficará bem”, afirmou Pauline.
Segundo o fisioterapeuta Marc Roig, “a maioria pode resistir bastante bem porque tem um estilo de vida muito simples”. São poucos os atletas quenianos que ganharam muito dinheiro e decidiram investir fortunas em mansões noutros países.
Outras paragens forçadas
Mercy Cherono, quarta nos 5.000 m dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro 2016, sabe o que é uma paragem forçada e regressar à competição. “Sabes o que se passou com Allyson Felix?”, perguntou Mercy, referindo-se ao que se passou com a norte-americana quando ficou grávida em 2018 e a Nike lhe reduziu o contrato.
“O mesmo se passou comigo”, disse Mercy. “Quando decidi entrar de baixa de maternidade, tive que assegurar um bom colchão económico porque sabia que iam ser dois ou três anos até que pudesse estar completamente de volta”.
Mercy também tinha contrato com a Nike. Quando quis voltar às pistas, a multinacional pediu-lhe “seis meses de prova” para assegurar-se que estava a 100%. “Não esperam que as mulheres fiquem grávidas, apenas que corram o resto da sua vida. É muito duro”.
Mercy treina em Kapsabet, um dos mais conhecidos campos de treino do Quénia. Quando o campo fechou devido à pandemia, a atleta voltou também a Duka Maja para estar com a sua filha Kimberley, de dois anos, e continua a treinar com menor intensidade, “para manter-se em forma”.