Cristiana Ferreira tem 32 anos e é natural de Argoncilhe, concelho de Santa Maria da Feira. É engenheira do ambiente e trabalha numa empresa ligada à gestão de resíduos. O atletismo apareceu na sua vida há cerca de dez anos e as ultradistâncias em 2019. Atleta do Running Espinho, ganhou recentemente a Ultramaratona Oh Meu Deus com 100 km. Já pensa no PT281+ Ultramarathon.
Há quantos anos treina e como apareceu o atletismo na sua vida?
Até terminar o Secundário, o único desporto que fazia era nas aulas de Educação Física. Após terminar esse período escolar, no ano de 2007, basicamente deixei de fazer desporto, realizando apenas umas pequenas caminhadas ao fim de semana, com a minha madrinha. Foi com ela que também comecei a correr, por volta de 2010/2011. Fazíamos pequenos treinos ao fim de semana e durante a semana, corria sozinha. Comecei a fazer umas corridas pela minha zona de residência, com o intuito de manter uma boa forma física e tentar manter-me ativa. Comecei apenas por fazer 1 km e depois voltava a casa e ia repetindo o treino e aumentando a distância com o passar do tempo. O gosto pela corrida foi crescendo e a resistência também. Nessa altura, considerava-me apenas uma “corredora de bom tempo”, ou seja, corria apenas quando estava bom tempo, os treinos com chuva ou com muito frio eram para esquecer! Recordo-me que fui fazendo algumas provas de 10 km, sempre com tempos a rondar os 50 a 55 minutos. Foi assim até 2015, ano em que surgiu o Running Espinho, grupo de corrida que comecei a frequentar praticamente desde o seu início. Correr em grupo foi muito bom, porque a motivação foi maior e ajudou-me a evoluir imenso. Foi a partir dessa altura que comecei a importar-me mais com as distâncias, os ritmos de corrida e a efetivamente, a querer melhorar a minha performance enquanto corredora. No final desse ano, já conseguia correr 10 km em 45 minutos e foi também em 2015, que fiz o meu primeiro trail. A partir dessa altura, senti uma enorme evolução e senti que a corrida fazia (e faz) mesmo parte da minha vida.
“Não me considero muito competitiva, mas gosto de me superar e gosto de tentar dar o melhor de mim em tudo o que faço”
Está inscrita nalgum clube?
Corro pelo Running Espinho, desde 2015, grupo que represento com enorme orgulho. É um dos maiores grupos de corrida livre a nível nacional e foi o facto de ter começado a correr neste grupo, que me deu aquele impulso para tentar ser melhor. Não me considero muito competitiva, mas gosto de me superar e gosto de tentar dar o melhor de mim em tudo o que faço.
Em 2016, fui convidada para ser monitora no Running Espinho. Nos nossos treinos, os atletas dividiam-se em grupos, com diferentes ritmos de corridas e duas distâncias (5 km e 10 km) para além da caminhada. Desde março de 2020, que não realizamos qualquer treino presencial. No entanto, fazemos os possíveis para manter o espírito do grupo vivo e motivar o pessoal a continuar ativo e a fazer os seus treinos.
Treina quantas vezes por semana?
Neste momento, treino cerca de cinco vezes por semana. Gosto de me sentir ativa, porque me faz bem não só fisicamente, mas também mentalmente e, mesmo que não vá correr, gosto sempre de fazer outra atividade, como por exemplo, andar de bicicleta.
Tem treinador? Costuma ter algum plano de treinos?
Não tenho treinador e não sigo qualquer plano de treinos específico. Defino os meus treinos tendo por base os meus objetivos ou provas. Como não tenho nada em vista para os próximos tempos, tento fazer treinos mais tranquilos ao final da tarde. Sempre que é possível, ao domingo de manhã, gosto de fazer trilhos e partir à descoberta de novos locais, aqui nas proximidades. Treino algumas vezes na Serra da Freita, que fica a cerca de 40 km da minha zona de residência e tornou-se uma das minhas zonas favoritas, quer para treinar, quer para passear.
“O cruzar de uma meta é sempre um momento marcante, aquele turbilhão de emoções, aquela felicidade por ter alcançado um determinado objetivo!”
Como concilia os treinos e corridas com a sua atividade profissional?
Não é difícil conciliar os treinos com a minha atividade profissional, porque normalmente, faço as minhas corridas ao final da tarde, após o trabalho. Acabo por ter sempre um tempinho para fazer uma corrida ao final do dia.
Quando foi a primeira corrida oficial? Que achou dela?
Para ser sincera, não me recordo de qual foi a primeira corrida oficial, em estrada. No entanto, lembro-me de algumas corridas em que participei nos anos de 2010/2011 e destaco a Corrida da Mulher, a Corrida dos Ossos Saudáveis e a Corrida do Dia do Pai, todas na cidade do Porto.
Relativamente ao trail, lembro-me perfeitamente que a minha estreia foi feita nos Trilhos Termais, nas Caldas de São Jorge, em 2015.
Quantas corridas faz em média por ano (excluindo estes dois anos em pandemia)?
Como já referi e apesar de não me achar competitiva, sempre gostei de fazer algumas corridas/provas por ano. Desde 2016/2017, em média, costumava participar em cerca de 10 corridas, anualmente. Era sempre uma boa forma de conviver com outros atletas, de conhecer novos locais e de me desafiar.
Qual a(s) corrida (s) em que mais gosta de participar?
Não posso dizer que tenha uma corrida favorita! Até porque gosto de correr igualmente em estrada e trail, só que nos últimos anos, dediquei-me mais às corridas nas serras e nos montes. Tive muitas corridas favoritas, guardo muito boas recordações de todas elas e, sem dúvida, que foram grandes desafios para mim. Posso destacar algumas provas que realizei nos últimos anos e que certa forma, me marcaram:
– Trilhos Termais (2015) – 1ª prova de trail
– Gerês Extreme Marathon (2016 a 2019) – Nos primeiros 3 anos, na distância mais curta e em 2019, na maratona
– Azores Trail Run Faial Costa a Costa (2017) – 1º ultra trail
– Piódão Trail Running (2017 e 2018) – Por se realizar numa das aldeias que mais gosto
– Maratona do Porto (2017) – 1ª Maratona (3:21:24)
– Meia Maratona Semi de Paris (2018) – 1ª prova realizada fora de Portugal
– São Silvestre de Espinho (2019) – Prova com melhor tempo aos 10 km (40:13)
– Corrida Milionária (2019) – Participei na organização da prova, estar do “lado de fora” também tem a sua emoção
– Trail de Conímbriga Terras de Sicó (2020) – 1ª prova com mais de 100 km
– Oh Meu Deus 100 (2021) – Vitória numa prova de 100 km depois de tantos meses sem realizar qualquer corrida oficial
“Desde nova que sempre tive um enorme gosto pela natureza e por trilhos. Descobrir as montanhas, sempre me deixou fascinada”
E a(s) que menos gostou de participar?
Por outro lado, também não posso dizer que não gostei de participar em determinada prova. Apesar de algumas serem mais fáceis ou mais difíceis, mais longas ou mais curtas, com melhores ou mais bonitas paisagens, todas elas serviram para “construir” a corredora que sou hoje.
Posso destacar algumas das provas que considerei as mais difíceis: Ultra Trilhos da Gardunha 50 km e Ultra Trail Serra da Freita 65 km, realizadas em 2019. Foram muito bons desafios, sem qualquer dúvida!
“A corrida faz-me muito bem, faz-me sentir viva, dá-me energia e deixa-me bem-disposta em dias mais difíceis!
Qual a distância preferida?
Neste momento, posso afirmar que a minha distância favorita são os 50 km, ou seja, as provas de ultra trail. Em estrada, continuo a gostar das provas de 10 km e espero um dia conseguir baixar os 40 minutos nesta distância.
Ganhou recentemente a prova de 100 km do Trail Oh Meu Deus na Serra da Estrela. Como foi correr uma distância tão grande?
É verdade que para mim, foi uma enorme surpresa ter uma vitória numa prova tão grande e com o tempo que fiz (cerca de 15h15m). Foi a segunda prova de 100 km que realizei (a primeira tinha sido em Fevereiro de 2020). Posso dizer que me senti muito bem em quase toda a prova, foi desafiante correr durante a noite, a subida até à Torre foi bastante dura mas penso que fiz uma boa gestão do esforço.
Não senti que a minha preparação para estes 100 km tenha sido a ideal, porque a menos de dois meses da prova, tive uma queda durante um treino, que me condicionou alguns treinos nas semanas seguintes. No entanto, como acabei por ficar bem e a vontade de voltar à Serra da Estrela era muito grande, dei o meu melhor e obtive este resultado, que para mais, foi mais do que incrível.
Como foi a sua recuperação após o triunfo da Ultra Oh Meu Deus?
Senti que recuperei bem! Fiz um pequeno teste, dois dias depois da prova, onde corri cerca de 5 km a um ritmo muito tranquilo. Ainda durante essa semana e as duas seguintes, abrandei o número de treinos e os poucos que fiz, foram sempre com distâncias muito curtas.
Entretanto já voltei a fazer treinos mais longos, mas como não tenho nenhum objetivo específico para os próximos tempos, vou aproveitar esta fase para fazer treinos mais tranquilos.
Apesar de já terem passado cerca de 6 semanas desde o Oh Meu Deus, ainda não me sinto totalmente preparada para voltar à competição. Acho que isso demora o seu tempo, mas depende de pessoa para pessoa.
Sendo uma atleta jovem, há quanto tempo começou a dedicar-se às ultradistâncias?
Comecei a dedicar-me com maior empenho a essas distâncias a partir de 2019. Quando me iniciei na corrida, comecei pelas provas mais pequeninas e andei assim alguns anos. Dizia sempre que não iria experimentar provas longas, como maratonas ou ultra trails, mas esse pensamento mudou a partir do momento em que realizei a minha primeira maratona, em 2017. Em 2018 comecei a fazer provas de trail com mais de 20 km e mais tarde, provas de 50 km. Nessa altura, já tinha como objetivo realizar uma prova de 100 km.
“É muito importante ‘ouvir’ o nosso corpo e abrandar nos momentos certos”
Como tem gerido os treinos/corridas desde Março 2020, quando começou a pandemia em Portugal?
Eu sempre gostei de correr sozinha, por isso, consegui fazer uma boa gestão dos meus treinos. Mantive alguns treinos de corrida, intercalados com exercícios de reforço muscular. Procurei sempre manter-me ativa!
Já correu quantas maratonas de estrada? Como foi a primeira?
Já participei em três maratonas, duas no Porto e a terceira na Gerês Extreme Marathon. Todas elas foram enormes experiências e grandes desafios, mas posso dizer que a primeira maratona foi a que me correu melhor. Talvez por não saber bem para o que ia e não saber quais as sensações ao longo de 42 km! Aquele momento de cortar a linha da meta foi indescritível. Talvez tenha sido a partir dessa altura que tive o “clique” de querer experimentar as longas distâncias.
Participa em trails, qual a grande diferença relativamente às provas de estrada?
Numa prova de trail, temos uma maior sensação de liberdade, interação com a natureza e não nos preocupamos tanto com a questão das médias e ritmos de corrida. Numa prova de estrada, o principal objetivo é chegar ao final no menor tempo que conseguirmos. Acho que é aí que reside a maior diferença.
Qual foi o momento da sua carreira que mais a marcou?
O cruzar de uma meta é sempre um momento marcante, aquele turbilhão de emoções, aquela felicidade por ter alcançado um determinado objetivo! Já tive imensos momentos marcantes, mas destaco esta última prova no Oh Meu Deus, não só pela vitória em si, mas também por toda a preparação que tive e pelo enorme apoio que senti nas semanas que antecederam o trail.
Até quando pensa correr?
Espero correr por muitos anos ainda. A corrida faz-me muito bem, faz-me sentir viva, dá-me energia e deixa-me bem-disposta em dias mais difíceis! Para mim, correr é sinónimo de felicidade!
“É muito importante ‘ouvir’ o nosso corpo e abrandar nos momentos certos”
Costuma fazer exames médicos de rotina?
Sim, é extremamente importante realizar exames de rotina e andar vigiada.
Lesões?
A lesão mais grave que tive foi na zona do adutor, há cerca de cinco anos. A recuperação foi um pouco demorada, mas felizmente, não tive outros problemas que me chateassem muito. É muito importante “ouvir” o nosso corpo e abrandar nos momentos certos.
Tem algum tipo de cuidado com a alimentação?
Não tenho grandes cuidados, mas tento manter uma alimentação equilibrada.
Se não estivesse no atletismo, que modalidade gostaria de ter seguido?
Ainda em criança, pratiquei natação e patinagem, por isso, se não tivesse seguido a corrida, quem sabe poderia ter seguido algum desses desportos. Também tenho muita curiosidade quanto ao ténis, porque nunca experimentei mas é uma modalidade que gosto bastante de acompanhar.
Que futuro vê para o atletismo em Portugal?
Penso que o atletismo teve um crescimento, também devido à criação dos diversos grupos de corrida espalhados pelo nosso país. Muitas pessoas incluem a corrida nas suas rotinas diárias, até porque é dos desportos mais simples de realizar. No entanto, deve existir sempre um investimento junto dos mais novos, de modo a criar atletas motivados e empenhados, tendo em vista outros objetivos.
“Temos excelentes organizações, que se esforçam por proporcionar aos atletas boas experiências de corrida”
O que mais aprecia no mundo das corridas?
Todo o espírito de entreajuda, a amizade e companheirismo. O facto de conseguir conhecer novos locais, que de outra forma, se calhar nunca iria ter a possibilidade de conhecer. Criar novas amizades e partilhar bons momentos! A felicidade de cortar a linha da meta, independentemente do resultado, com a sensação de desafio superado.
Sugestões para uma melhor organização das provas
Penso que de um modo geral, as provas a nível nacional encontram-se bem organizadas. Temos excelentes organizações, que se esforçam por proporcionar aos atletas boas experiências de corrida.
Projetos futuros na modalidade
Para o futuro, tenho como grande objetivo participar na PT281+ Ultramarathon. Não sei se será num futuro próximo, mas é algo que tenho no pensamento. No entanto, pretendo continuar a desafiar-me em provas de trail e estrada e fazer aquilo que tanto gosto, que é correr.
“Devemos fazer sempre o que gostamos e o que nos faz bem. Lutar pelos nossos sonhos e fazer os possíveis para alcançar todos os nossos objetivos”
Uma ou duas estórias curiosas acerca das suas corridas?
Na primeira edição do Trail da Filigrana, em Gondomar, choveu, tanto nos dias que antecederam a prova como no próprio dia da mesma, caiu granizo e o caudal dos rios estava bastante mais elevado. Atravessámos algumas partes do percurso com água quase pela cintura. Os trilhos tinham imensa lama, enterramos os pés, perdemos sapatilhas. Foi uma aventura!
Numa das edições da Maratona do Porto, nos últimos quilómetros do percurso, começou a chover com alguma intensidade e quando cheguei ao final da prova, estava cheia de frio! Apesar de ter ido logo trocar de roupa, as mãos estavam tão geladas que não tinham sensibilidade e acabei por não conseguir tirar a roupa encharcada. Tive que pedir a uma atleta, que estava próxima, para me ajudar a tirar a camisola e o top!
No ano passado, no Trail de Sicó, durante a noite, um rato passou por cima das minhas sapatilhas! O rato era pequenino, mas apanhei um grande susto!
Mais algum aspeto que ache de interesse divulgar
Devemos fazer sempre o que gostamos e o que nos faz bem. Lutar pelos nossos sonhos e fazer os possíveis para alcançar todos os nossos objetivos.
Neste mundo das corridas, investimos muito nos treinos e acabamos por passar algum tempo fora de casa. Por isso, considero que todas as vitórias que consegui, todas as metas que cruzei e todos os objetivos que alcancei, não são apenas meus, mas da minha família que me apoia e dos meus amigos que me dão força para ir mais longe.
Desde nova que sempre tive um enorme gosto pela natureza e por trilhos. Descobrir as montanhas, sempre me deixou fascinada. Espero continuar a percorrer muitos quilómetros pela natureza e a praticar esta modalidade que tanto adoro!