O consumo excessivo de álcool faz mal à saúde e prejudica a performance de quem pratica desporto. Mas um estudo espanhol defende o consumo moderado da cerveja para os atletas como fonte de hidratação diária
O consumo de álcool é algo que vem dos primórdios da humanidade: a análise química de peças de cerâmica do período neolítico encontradas na China e no Oriente Médio, comprovou que a humanidade já fazia bebidas fermentadas há cerca de sete mil anos. O álcool chegou a ser recomendado aos doentes (conta-se no Velho Testamento que ele era dado aos moribundos), e na Idade Média, a cerveja era uma bebida comum para todas as idades e classes. E hoje em dia, a bebida é socialmente aceite desde que ingerida com moderação.
No mundo do desporto profissional, o álcool também está presente, e muitos atletas e ex-atletas famosos não recusam uma bebida.
Quando pensamos em vida saudável e numa rotina de exercícios físicos praticados por atletas e praticantes de modalidades desportivas, não conseguimos associar a uma pessoa normal que abusa das bebidas alcoólicas. Isso ocorre porque são dois hábitos incompatíveis, uma vez que as bebidas alcoólicas podem gerar um aumento no peso de quem consome devido à grande quantidade de calorias e à baixa quantidade de nutrientes (proteínas, vitaminas e minerais).
A quebra de desempenho causada pelas bebidas alcoólicas
Os praticantes regulares de atividades físicas que consomem álcool possuem uma notável deterioração da qualidade física e queda da performance atlética, causando diminuição da força, velocidade e da capacidade respiratória e muscular. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o consumo abusivo de álcool é um dos mais importantes fatores de risco para a saúde no mundo, e estudos ainda mostram que o álcool continua a ser a droga mais consumida entre os atletas.
Sobrecarga da função renal
Existem ainda outras graves consequências desencadeadas pela ingestão exagerada do álcool. A desidratação é uma delas, uma vez que o álcool sobrecarrega a função renal, fazendo com que ocorra uma perda de água e eletrólitos através do suor e da urina. Uma pessoa com sintomas de desidratação, não consegue ter disposição suficiente para executar as suas tarefas. Esse distúrbio de água e eletrólitos também pode promover uma arritmia cardíaca, fazendo com que o coração bata exageradamente, podendo ainda acarretar no surgimento de problemas cardíacos.
Hipoglicémia
As atividades físicas por si só, já promovem uma diminuição de glicose no organismo e o álcool potencializa ainda mais esta redução, pois o corpo começa automaticamente a usar a proteína como fonte de energia devido à falta de glicose no organismo. Estudos mostram que essa diminuição de glicose pelo excesso de álcool, interfere no depósito de energia e no metabolismo durante o exercício, além de que possui propriedades inflamatórias, podendo dessa forma prejudicar a disponibilidade de nutrientes e diminuir a secreção de hormónio de crescimento.
Citocinas inflamatórias
O álcool possui efeito inibitório sobre o hormónio antidiurético (ADH) e também é um potente vasodilatador periférico. Outros estudos ainda, revelam dados assustadores, o uso crónico de bebidas alcoólicas promove a libertação de citocinas pró-inflamatórias, causadores de stresse sobre a musculatura, podendo levar à miopatia do músculo esquelético.
Outros malefícios do álcool para atletas e praticantes de outros desportos
Os atletas que desejam alcançar grandes resultados, devem reduzir ou abolir o seu consumo, caso contrário, serão evidentes as hipóteses da ocorrência de efeitos prejudiciais na capacidade de exercício. Para os atletas praticantes de desportos que exigem agilidade por exemplo, e que precisam de uma rápida mudança de estímulos, o desempenho será ainda mais prejudicado. As capacidades psicomotoras, tempo de reação, precisão, equilíbrio, coordenação complexa e capacidade de tomar decisões mais rápidas e racionais ficam desfasados.
E se beber?
Como quase tudo na vida, moderação é a palavra-chave. Se respeitada a recomendação de consumo máximo de 14 doses por semana, a ingestão de bebidas alcoólicas associada a uma vida ativa e à prática de exercício físico pode ser benéfica. Alguns estudos apontam essa combinação como responsável pela redução em até 50% do risco de morte por doença cardíaca isquémica.
Se consumir bebidas alcoólicas na noite anterior à corrida, o ideal é que o corredor saiba controlar o seu ímpeto e não beba em demasia. Além disso, é importante para o corredor ingerir juntamente com o álcool uma outra bebida não alcoólica. O aconselhável é alternar o consumo de álcool com água e sumos de fruta. Além disso, nunca beber de estômago vazio. Beber um sumo de laranja pode minimizar a ressaca.
A reidratação é uma das palavras-chave quando tratamos de prática de desporto após a ingestão de bebidas alcoólicas. Algumas bebidas ajudam no processo de reidratação do corredor, como as bebidas desportivas, sumos e a água.
Além da desidratação, o álcool também causa fome no corredor, e isso pode prejudicar o desempenho físico. O álcool estimula o apetite. As calorias em excesso, provenientes do álcool, promovem acúmulo de gordura corporal, comum na região do tronco, o famoso “pneu”.
Para se ver totalmente livre da influência do álcool, uma pessoa comum precisa de um tempo de recuperação. Para o corpo conseguir eliminar completamente o álcool e os seus sintomas prejudiciais, o tempo estimado é pelo menos de 24 horas, mas tudo depende do indivíduo, de sua tolerância e também da quantidade ingerida. Quem vai correr a seguir…
Efeito da cerveja nos atletas
Sabendo-se que não é recomendável o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, é interessante analisar o consumo moderado da cerveja. Esta também tem álcool mas são muitos, aqueles que gostam de beber uma cervejinha, de preferência preta, depois de uma corrida bem suada. Sabemos que uma ou duas cervejinhas depois do treino ou corrida, não fará mal e junto com água, até ajuda a relaxar.
Em Portugal, mais no Verão, já há algumas organizações que oferecem uma imperial após a prova, prática mais habitual em Espanha. No final da maratona de Berlim, oferecem um copo com quase um litro. E na maratona de Médoc, com mais de 20 abastecimentos de vinho durante o percurso, a cerveja é à descrição no final!
Um estudo apresentado ao Conselho Superior de Investigações Científicas de Espanha (CSIC) defende o consumo moderado de cerveja para os atletas como fonte de hidratação diária.
O estudo “Idoneidade da cerveja na recuperação do metabolismo dos desportistas” foi baseado em relatórios e pesquisas de especialistas em medicina, fisiologia e nutrição da Universidade de Granada com o aval do CSIC.
Segundo o documento, os componentes da cerveja ajudam na recuperação do metabolismo hormonal e imunológico depois da prática desportiva de alto rendimento e também favorecem a prevenção de dores musculares.
A tese é defendida pelo cardiologista e ex-jogador de basquete da seleção espanhola Juan Antonio Corbalán, medalha de prata na Olimpíada de Los Angeles 1984.
O estudo foi realizado durante dois anos e recomenda o consumo de três copos de 200 ml de cerveja (ou de 20 a 24 g de álcool) para homens e duas para mulheres (10 a 12 g) por dia; volume que os autores do relatório definem como moderado.
Cerveja ou sumo de laranja
De acordo com os investigadores, a cerveja contém 95% de água e é a bebida alcoólica com menor graduação (5% em média). Um copo de 200 ml possui 90 calorias, o mesmo que um copo de sumo de laranja.
Para chegar a essa conclusão de consumo na dieta de desportistas, os cientistas fizeram pesquisas com 16 atletas universitários com idades entre 20 e 30 anos, em boa forma física e que alcançavam uma velocidade aeróbica máxima (VAM) de 14 km/h.
Além disso, todos deveriam ser consumidores habituais e moderados de cerveja, manter uma dieta mediterrânea, não ter hábitos tóxicos nem antecedentes familiares de alcoolismo.
Os testes foram feitos durante três semanas em baterias diárias de uma hora de corrida, sob calor de 35º, 60% de humidade relativa e duas horas de pausa para hidratação.
Nesse intervalo, os atletas bebiam água ou cerveja (máximo de 660 ml), alternando as bebidas em cada pausa de hidratação para comparar resultados.
‘Tão boa como a água’
A conclusão foi de que a cerveja permitia recuperar as perdas hídricas e as alterações do metabolismo tão bem como a água.
Os cientistas usaram parâmetros indicativos como: composição corporal, inflamatórios, imunológicos, endócrino-metabólicos e psico-cognitivos (coordenação, atenção, campo visual, tempos de percepção-reação, entre outros) para comprovar que o álcool não afetava a atividade de hidratação.
O estudo destaca ainda que a cerveja contém substratos metabólicos que substituem algumas substâncias perdidas durante o exercício físico como aminoácidos, minerais, vitaminas e antioxidantes.
Mas, apesar desta defesa do consumo da cerveja, os investigadores espanhóis afirmaram que o consumo nunca deve passar da moderação, porque o excesso de álcool não se metaboliza e, por isso, afeta o sistema nervoso central.
No caso dos desportistas, a recomendação do relatório é beber durante as refeições – nunca momentos antes de praticar exercícios, nem logo depois.