Segundo notícia hoje o jornal A Bola, Fernanda Ribeiro pediu a demissão de vogal da Federação Portuguesa de Atletismo. A razão prende-se com a Gala dos 100 anos da Federação, que excluiu o seu antigo treinador João Campos na lista dos quatro treinadores candidatos a Treinador do Centenário.
Publicamos seguidamente na íntegra a entrevista de António Simões à ex-atleta agora demissionária do cardo da Federação.
A campeã olímpica de Atlanta (e mais, muito mais…) resignou ao cargo de vogal da Direção da Federação Portuguesa de Atletismo por a Gala dos 100 anos da FPA, que teve lugar no sábado, a ter deixado em «choque» – tão em «choque» que, antes dela terminar, se levantou da mesa e foi-se embora (em mágoa e estrondo).
– É verdade que acabou de enviar o seu pedido de demissão de vogal da Federação Portuguesa de Atletismo?
– Infelizmente, sim: é verdade!
– Fê-lo por, na Gala da FPA, não ter sido considerada a Atleta do Centenário?
– Não! A demissão não tem nada a ver com isso, tendo, no entanto, a ver com o que tristemente se passou na Gala. Mesmo não havendo no atletismo quem tenha ganho mais medalhas internacionais do que eu, tendo, ainda, sido recordista do Mundo, mesmo sabendo que eleita seria a Rosa Mota, fiz questão de estar na Gala, problema foi o que fizeram ao prof. João Campos, o treinador que fez de mim o que eu fui e que, para além disso, também ganhou medalhas internacionais com a Jéssica Augusto, com o Rui Silva, para já não falar nas que ganhou com outros seus atletas por equipas. Faltaram-lhe ao respeito e, perante isso, eu não poderia continuar na Direção de uma federação que o fez…
– Está a referir-se ao facto de João Campos não ter figurado entre os nomeados para Treinador do Centenário, estando no rol, para além de Moniz Pereira, João Ganço, Sameiro Araújo e José Uva?
– Claro!
– E foi por sentir-se injustiçada que, antes ainda de se anunciar Moniz Pereira como vencedor, João Campos abandonou a sala do Casino, levando, consigo, em solidariedade, João Ganço?
– Não sei se esse abandono aconteceu por o prof. João Campos ter, entretanto, sabido que não estava entre os nomeados – o que lhe posso dizer é que quando anunciaram os quatro nomes para Treinador do Centenário, não estando lá o dele, eu, chocada, levantei-me e fui-me embora. Não poderia, na minha consciência, admitir que o prof. João Campos fosse humilhado daquela maneira – porque era mesmo isso: uma humilhação ao treinador mais medalhado do Centenário. Claro, que ganhasse o prof. Moniz Pereira era admissível, que o prof. João Campos não estivesse nos quatro, é indesculpável.
–Alguém lhe arranjou desculpa para o que, para si, é destrato?
– Antes de sair da sala, falei com Luís Figueiredo, vice-presidente que estava a tratar da Gala, dizendo-lhe que era inadmissível o que tinha acontecido com o prof. João Campos e a justificação que me deu era que a votação era do público. Sabendo que a votação do público só valia 25 por cento no resultado final, aquilo cheirou-me a desculpa esfarrapada – e a situação ainda mais ridícula… Aí pensei: então até eu, mesmo já sabendo, por portas e travessas, que a Atleta do Centenário era Rosa Mota, posso ficar fora das quatro candidatas. E se, antes, tentara que o professor João Campos não abandonasse a sala, naquele momento decidi: vou-me embora também.
– E nesse momento, decidiu igualmente demitir-se da FPA?
– Sim, foi a gota de água! Há algum tempo que não me identificava com esta Direção, há já algum tempo que me vinha sentindo pouco confortável nela, por perceber a pouca importância que se dá aos vogais, por quase tudo ser decidido entre presidente e vice-presidente, mas, ainda assim, continuei na luta, na luta, sobretudo para dar ao CAR do Porto melhores condições. Por exemplo, se a FPA tivesse ouvido a minha opinião a propósito dos Prémios do Centenário, diria o que me parece óbvio nestas situações: que a escolha não fosse feita, como não sei se foi ou não, por clicks ou coisas assim – que fosse feita por uma comissão de especialistas que não permitissem a humilhação pública do treinador mais medalhado de Portugal.
– Já há pouco falara de humilhação, repetiu o adjetivo…
– Sim, foi o que eu senti: que João Campos foi humilhado. E foi o que me levou à decisão de não continuar mais na federação. E digo-lhe mais: fazendo-se e, muito bem, homenagem aos campeões olímpicos, por que é que não se fez, também, homenagem aos treinadores dos campeões olímpicos? Havendo mais essa falha, o mínimo era que se pedisse ao professor João Campos e ao professor João Ganço que entregassem os galardões a mim e ao Nélson Évora. E, por que não falei com eles, se não foi por isso também que os dois abandonaram a sala. Não imaginando o pior que o esperava, ainda tentei que o professor João Campos voltasse.
– Falou com Jorge Vieira, o presidente da FPA, a propósito do que se estava a passar?
– Não acha que ele é que deveria ter-me falado, percebendo o que aconteceu? E, não, não falou! Talvez por achar correto o que se estava a passar, o que se passou e que, para mim, foi um choque…
-Também foi um choque para si, a Atleta do Centenário ser Rosa Mota?
– É óbvio que não. Eu já sabia que seria assim. Como atleta, nunca me importei de perder, mesmo quando se insinuava que havia atletas dopadas que me tiraram algum do ouro que eu perdi, ninguém ouviu isso da minha boca… Choque seria, portanto, se também eu não aparecesse entre as nomeadas – e, tendo acontecido o que aconteceu com o prof. João Campos, era uma hipótese. E o que foi um choque para mim foi o que a Associação do Porto, a minha associação desde os nove anos, ter feito o que fez: por medo de escolherem entre mim e Rosa Mota, optaram por não indicar, como se pedira a cada uma das associações, o seu Atleta, o seu Treinador, o seu Juiz. Com isso, prejudicaram outros – e o professor João Campos foi, assim, vítima de mais uma injustiça. Por questão de dignidade deviam demitir-se – como eu me demiti por uma questão de dignidade, por uma questão de respeito por mim, por uma questão de respeito pelos outros.