Quando na manhã de sexta-feira dia 30 de julho, me sentei em frente à televisão para assistir a disputa da final de 10.000 m, não pude deixar de ter um sentimento semelhante aquele que o grande Emile Zatopek deve ter sentido quando assistiu à final de 10.000 m dos Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1984.
Nessa altura, aquele que havia conquistado as medalhas de ouro em 5.000 m, 10.000 m e Maratona, nos Jogos Olímpicos de Helsínquia em 1952, deve ter-se questionado “como foi possível alguém correr os 10.000 m em 27.13,81”.
Tinham passado 32 anos e o recorde mundial havia passado de 28.54,2 para 27.13,81. O recorde havia progredido 101 segundos.
O Zatopek deve ter pensado que não era possível, alguém treinar mais e melhor do que ele havia treinado.
Passados 37 anos desde 1984, o recorde mundial havia progredido apenas mais 62 segundos. Aparentemente, era mais impossível a marca do Fernando Mamede do que a do Joshua Cheptegei (26.11,02). É certo que quanto mais se progride mais difícil é progredir, mas isso era o que já se dizia há 50 anos.
Era possível e era o português Fernando Mamede. A evolução é isto mesmo, mais tarde ou mais cedo, as marcas obtidas evoluem.
Também nessa final de 1984, todos os finalistas tinham muito melhor recorde pessoal do que a marca do grande Zatopek (28.54,2). Nenhum dos finalistas viu nisso algo de extraordinário.
Deve ser com alguma naturalidade que actualmente, se deve olhar para esta final, assim como para qualquer uma outra, e notar que os acontecimentos tendem a repetir-se. Uma grande parte dos finalistas possui actualmente melhor recorde pessoal do que aquele que o nosso Fernando Mamede possuía na final de então. Certamente que nos Jogos de 2050, o recorde mundial terá evoluído pelo menos mais 40 segundos, talvez se situe em 25.30,00.
O que nos conduz ao fenómeno nacional. Um país como Portugal, com a tradição e passado, deveria produzir atletas da valia da Espanha, Finlândia ou Suíça. Fizemo-lo no passado e teremos de o fazer no futuro. Na final de Tóquio, retirados os africanos, estiveram presentes, os japoneses Tatsuhiko Ito 27.25,73 e Akira Aizawa 27.18,75, os americanos Joe Klecker 27.23,44, Grant Fisher 27.11,29 e William Kincaid 27.12,78, os ingleses Sam Atkin 27.26,58 e Marc Scott 27.10,41, o tailandês Kieran Tuntivate 27.17,14, o espanhol Carlos Mayo 27.25,00, o francês Morhad Amdouni 27.23,39, o suíço Julien Wanders 27.17,29 e o australiano Patrick Tiernan 27.22,5.
Parece justo aspirar a ver num futuro próximo, 4 ou 5 anos, num lote semelhante a este, um português. Portugal terá que ter representantes nestas finais.
Continuamos no presente a olhar para o passado, mas de forma incorreta.
Continuamos a pensar que a obtenção de 13.30,00 ou 28.00,00, respectivamente em 5.000 m ou 10.000 m, por um atleta de 22 anos, é bom. Não, isso era bom há 30 anos!
A lógica que imperou na informática, indústria automóvel, aeronáutica, medicina e em todos sectores da sociedade, terá de ser observada na forma como olhamos para o meio-fundo e fundo.
A evolução é constante e permanente.
Existe evolução nas pistas, nas roupas nos sapatos, mas que ninguém se iluda, tal como no passado, o segredo para o sucesso presente estará no investimento que o País estiver disposto a fazer para proporcionar aos seus atletas as condições para poderem treinar com entrega total e absoluta. Isto não se prende com o lançar dinheiro para o problema, é toda uma mudança estrutural e conjuntural.
Que ninguém se iluda, os sapatos com carbono são apenas um acessório.
João Junqueira