José Ribeiro tem 72 anos e corre há 35. Levou sempre o atletismo na “desportiva” mas quando trabalhava, levantava-se às 5h30m para ir treinar. Correu oito maratonas e agora, os 10 km são a sua distância preferida. Vê o futuro da modalidade com pessimismo mas nota diferenças significativas para melhor nas provas populares.
Diz o povo que velhos são os trapos. José Ribeiro dá razão a essa expressão popular pois tem 72 anos, corre há 35 e está para durar, sendo um dos corredores mais antigos do pelotão português. A sua entrada no atletismo deveu-se a um aborrecimento no futebol. “Eu jogava futebol aos fins-de-semana, num desses jogos, lesionei um adversário que teve de ir ao hospital mas que não foi nada de grave. Na semana seguinte, fui-lhe pedir desculpa mas ele virou-me as costas e não me quis ouvir. Fiquei aborrecido e saí. Iam a passar dois atletas a treinar. Perguntei se podia ir com eles, fui e acabou-se o futebol”. E assim nasceu um atleta!
Está naturalmente reformado como bancário e corre pelo Grupo Desportivo Santander Totta. Treina 3/4 vezes por semana e não dispensa a companhia do seu cão que quando o vê a calçar os sapatos de corrida, fica logo excitado.
José Ribeiro sempre levou o atletismo “na desportiva”. Nunca teve um treinador, antes do aparecimento da internet, orientava-se pelos artigos técnicos que saíam nas revistas da especialidade. Tinha ainda um amigo que lhe fazia um plano de treinos quando se tratava de preparar-se para meias maratonas e maratonas.
Estreia na Meia Maratona da Nazaré
O nosso entrevistado estreou-se na “mãe das meias maratonas”, na Nazaré. “Foi uma maravilha, era a minha prova rainha. Mas já não vou lá há três anos. Disse para comigo próprio que quando fizesse mais de duas horas, acabava com as meias maratonas”.
Atualmente, participa em cerca de 20/25 provas por ano. Antigamente, raramente falhava um fim-de-semana. José Ribeiro reconhece que era competitivo nos seus tempos áureos. “Mas queria chegar bem ao fim, não abusava. Queria acabar e ser capaz de repetir a prova”.
Dada a sua atividade bancária, levantava-se às 5.30 para ir treinar. “Era mais a minha vontade, o meu esforço. Sempre gostei de correr mas nunca tinha tido oportunidade, não tive orientação. Mas correr era importante para melhor encarar o trabalho no banco”.
Diz-nos ainda que naqueles tempos, havia sempre gente que abusava, sempre procurando melhorar os recordes. “Mas eles esquecem-se que um ano depois, estão mais velhos! Conheço muitos que desistiram de correr porque se excederam. Iam ao pódio mas mal conseguiam subir para ele!”.
“Correr era importante para melhor encarar o trabalho no banco”
Principais diferenças
Quanto às principais diferenças que encontra neste intervalo de 35 anos a correr, refere o facto de antigamente, as provas serem organizadas pelos clubes e pelas autarquias, enquanto que agora, existem várias empresas especializadas. “Havia mais carolice, dava-se mais valor ao que havia e os atletas eram mais competitivos”. Depois, refere ainda que muitas vezes eram os escoteiros a garantir a segurança, havendo menos polícia que agora. “Havia provas com trânsito, apanhávamos o fumo dos carros e muitas vezes, os abastecimentos não chegavam para todos”.
Reconhece que às vezes, as coisas não correm como o desejado mas por vezes, a culpa é de alguns dos participantes. “Há falta de civismo de muitos que andam a correr”
Oito maratonas no curriculum
José Ribeiro correu oito maratonas, todas elas em Lisboa e entre as 3h16m e as 3h32m. Estreou-se na distância aos 42 anos e gostou da experiência. “Mas a chegada foi dolorosa!”. Correu a última aos 49.
A sua prova preferida é a do Oriente que veio substituir no seu coração, a Meia Maratona da Nazaré. Já quanto à prova que lhe deixou menos boas recordações, não esquece a Meia Maratona da Justiça, disputada no Fundão. A razão é simples: “Fomos um grupo grande numa excursão. Houve excesso de petiscos e bebidas, paguei depois a fatura quando fui correr”.
Como sucede com boa parte dos corredores populares, José Ribeiro pensa correr enquanto puder. “Quero é chegar bem ao fim e recuperar bem!”. Quanto à distância preferida, já passou da meia maratona para os 10 km. Evolução natural para boa parte dos corredores, face ao avançar da idade.
“Antigamente, havia mais carolice, dava-se mais valor ao que havia e os atletas eram mais competitivos”
Faltam atletas com carisma
Vê o futuro da modalidade com algum pessimismo. “Não vejo nenhum atleta na área da corrida de craveira internacional. Há muita juventude a correr, pode ser que apareça alguém. Não têm aparecido atletas com carisma, não é todos os dias que aparecem Carlos Lopes, Fernando Mamede, gémeos Castros, Luís Horta, António Leitão, etc.”. Refere-nos ainda que os grandes atletas têm de fazer grandes sacrifícios e elogia um atleta popular que demore quatro horas numa maratona. “É uma grande vitória, tem de se ter uma vontade férrea”.
“Não vejo nenhum atleta na área da corrida de craveira internacional. Há muita juventude a correr, pode ser que apareça alguém”
Massa com feijão frade às cinco da madrugada
Faz exames médicos de rotina uma ou duas vezes por ano. Quanto a lesões, elas raramente o visitaram. “Só coisas ligeiras. Sabe, fui paraquedista, saltei inúmeras vezes e tive a sorte de cair sempre bem”.
Come de tudo mas com regras. Conta-nos como fazia antes de correr uma maratona: “Levantava-me às 5 h da madrugada para comer massa com feijão frade. E 15 dias antes, começava os meus cuidados com a alimentação”.
As amizades que se criam e a camaradagem, são o que mais valoriza no mundo das corridas. Refere-nos ainda os abastecimentos e o poder correr sem poluição.
Inquirido o que faria se não estivesse no atletismo, escolhe o ciclismo.
Corrida de 3.000 metros obstáculos
Estórias não faltam na sua vida desportiva. Conta-nos uma passada no estádio do Inatel, ainda a pista era de cinza. “ Um amigo convidou-me para integrar a equipa dele pois faltava-lhe um elemento. Queria que eu participasse numa prova de 3.000 metros obstáculos. Eu que nunca tinha saltado os obstáculos! Bem, lá fui e saltei a vala de água e os outros obstáculos como pude. O que interessava era cortar a meta e consegui-o. A equipa acabou por ser a primeira classificada porque não havia mais nenhuma, trouxe para casa um belíssimo medalhão”.
A terminar, José Ribeiro deixou uma mensagem aos leitores corredores: “Todos devem acreditar, lutar pelos seus ideais, com dignidade até á exaustão se necessário. Só assim atingiremos ou poderemos atingir a felicidade”.