Se Liliana Cá é aos 37 anos, uma das melhores discóbolas mundiais, fora das pistas ela ganha em simpatia e simplicidade. Frontal, diz o que tem a dizer, mesmo que tal não seja do agrado de outros.
Com um recorde nacional de 66,40 metros, é participante habitual nos prestigiados meetings da Liga Diamante e acumula participações em Jogos Olímpicos, Campeonatos Mundiais e Europeus, Taças da Europa de Lançamentos, Europeus de Seleções, Jogos Ibero-americanos e Jogos do Mediterrâneo. Tem vários títulos no seu curriculum em campeonatos nacionais absolutos e escalões jovens.
Liliana é filha de pais guineenses tendo nascido no Barreiro onde ainda reside. Desde muito cedo que o desporto faz parte da sua vida. “Comecei com a minha irmã mais velha, fazia o que ela fazia. Ela (Dulce Cá) tinha jeito para os lançamentos, seguiu até sénior e parou”.
Com seis anos de idade, já corria no Clube de Atletismo Vale da Amoreira. Depois já no Grupo Recreativo Quinta da Lomba, experimentou os lançamentos. Tinha então 13 anos e gostou da experiência, tendo-se especializado no disco, onde obteve excelentes resultados. Com 17 anos, bateu o recorde nacional juvenil com 48,28 m.
O Sporting CP foi o passo seguinte, entre 2005 e 2011. Fez depois uma paragem para ser mãe e por razões familiares, foi para Londres. Acabou por voltar lá ao disco, ainda que por pouco tempo, tendo representado o New Ham & Essex Beagles. Foi uma boa experiência, completamente diferente da realidade portuguesa. Então, não queria nada que fosse muito exigente, treinava três vezes por semana. Mas depois, comecei a ver que podia fazer muito melhor. No entanto, o meu treinador era amador, eu não conseguia evoluir. Parei por completo”.
O regresso à atividade deu-se em 2015 e desde aí, é treinada por Herédio Costa que ela já conhecia. Entre 2017 e 2021, representou a AD Novas Luzes, tendo passado depois a Individual e o Sporting CP desde 2023.
Tem no seu curriculum, vários campeonatos nacionais absolutos e de escalões jovens.
Treinos cinco vezes por semana, seis horas por dia
Na alta competição, quem quer obter grandes resultados, tem de treinar-se a sério. Liliana treina cinco vezes por semana, seis hora por dia. Começa com umas corridas, saltos, musculação, lançamentos, com umas pausas pelo meio. Treino bem mais exigente que por exemplo, no futebol! “Muitas vezes, chegamos ao final do treino completamente exaustos!”.
Para quem quer estar no topo mundial da modalidade, o descanso é uma componente fundamental do treino. “As 20h30m já estou na cama, mesmo que não seja logo para dormir. Durmo cinco a sete horas por dia, durmo mais se não estiver muito cansada”.
Meetings da Liga Diamante
Liliana gosta particularmente dos meetings da Liga Diamante. “Gosto de todos, são bem organizados, é onde estão as melhores lançadoras”.
Convívio com as adversárias
As atletas podem ser grandes rivais na pista e disputar a vitória centímetro a centímetro. “Mas fora das competições, são super amáveis. Tenho amizade com elas, convivemos fora das competições. Quando ficamos no mesmo hotel, procuro ficar próxima daquelas com quem me dou melhor, convivemos muito”.
As pessoas são assim naturalmente, o que Liliana mais aprecia na modalidade. “Os campeões do mundo são 5 estrelas. Na Liga Diamante, acolhem-nos bem, não nos sentimos sozinhas”.
Um outro pormenor que podemos observar nas transmissões televisivas tem a ver com uma genuína troca de parabéns dados às vencedoras/medalhadas, mais vincada nelas do que neles. Liliana confirma tal facto e reforça: “Os americanos são os piores a dar os parabéns, mesmo entre eles”.
Momentos mais marcantes da carreira
Liliana tem dois momentos marcantes da carreira. O primeiro foi obtido já depois de ter sido mãe. “Tinha o objetivo de um dia chegar aos 60 metros, tinha lançado 59,52 antes de ser mãe. Quando ultrapassei a marca (61,02) e por mais de um metro, fiquei incrédula”.
O outro momento marcante deu-se em 2021 quando bateu o recorde nacional com 66,40 metros.
Futuro sombrio nos lançamentos e saltos
Liliana vê o futuro da modalidade com alguma apreensão. “Nas corridas, não está muito mau. O pior é nos lançamentos e saltos. É preciso criar mais entusiasmo nos miúdos. O sacrifício que fazem, não compensa o que vão receber, falta criar incentivos”.
Fala depois da concorrência do futebol: “É mais aliciante, os jovens podem ver ali uma carreira de futuro, ganhar dinheiro. É pouco o dinheiro que se ganha no atletismo”.
Também abordou a questão do ensino superior. “Havia a facilidade em entrar no ensino superior se estivesse no atletismo. Mas havia quem aproveitasse para entrar na Universidade e depois desistia do atletismo. O treino é muito duro, nem toda a gente aguenta. As Universidades não ajudam os atletas, há professores que não deixam adiar exames”.
Projetos futuros na modalidade
Aos 37 anos de idade (feitos no dia 5 deste mês), Liliana mantém bem vivos os seus objetivos para os próximos dois anos. À sua espera, estão os JO de Paris e Europeus de Roma em 2024 e os Mundiais de Tóquio em 2025.
As lesões tem-na visitado, mais desde os JO de Tóquio. Apesar de já estar a treinar, ainda está a recuperar totalmente de uma lesão nos tornozelos, fazendo fisioterapia.
Se não estivesse no atletismo, o voleibol e o ténis seriam eventualmente modalidades a praticar.
Já o seu filho, agora com 12 anos, ainda não escolheu uma modalidade desportiva. Como qualquer criança, já experimentou várias modalidades, há-de chegar o dia da sua escolha.
Quando o vento lhe deu uma medalha nos Campeonatos de Lançamentos Longos
Estórias não faltam a Liliana. Conta-nos uma passada nos Campeonatos de Lançamentos Longos disputados na Ucrânia, era então ela Sub-23. “Foi no Inverno, estava um grande vendaval, um frio de rachar, muito vento. Eu pensava ‘como é que vou lançar assim?’ Só tirávamos o casaco de treino e as luvas, para lançar. Cada vez que lançava, vinha uma grande rajada de vento. Mas num dos meus lançamentos, o disco ia para fora e o vento meteu-o para dentro. O lançamento foi válido e ganhei assim uma medalha de bronze!”
Aposta nos jovens e clubes
A terminar, Liliana sugeriu à Federação Portuguesa de Atletismo que aposte mais nos jovens e nos clubes. E que não se repita os problemas havidos com a organização na delegação portuguesa no recente Mundial de Budapeste
Curiosa a comparação de desempenho entre as duas irmãs Dulce Cá e Liliana Cá: – enquanto a Dulce (mais velha) atingiu o seu auge por volta dos 20 anos, tendo abandonado cedo a modalidade, Liliana atingiu o seu esplendor aos 34 anos,,, Que continue por mais alguns anos e que consiga ainda melhorar os 66,40 m !