Soubemos que o casal Isa Costa e Vítor Gonçalves ia participar na maratona de Madrid. Pedi então à Isa que fizesse um relato da prova para a Revista Atletismo. Apesar de já terem passado três semanas, nem por isso deixa de merecer uma leitura atenta a forma apaixonada como Isa descreve os 42 km do percurso e expressa os sentimentos havidos durante o mesmo. Os subtítulos são da nossa autoria.
Maratona de Madrid, a 8ª foi espectacular!
A nossa viagem começou na sexta à noite na estação de comboios do Oriente. A ideia inicial era ir de avião mas uns meses antes já não haviam voos para sábado de manhã, assim optámos pelo comboio por nos permitir levantar e até caminhar um pouco se assim o quiséssemos.
Não é muito cómodo e não dá para descansar muito, mas no dia seguinte já tínhamos planeado ficar a tarde toda a descansar no quarto de hotel.
Nesta maratona tivemos a presença do meu pai que, tal como eu, é um apaixonado por Madrid. Chegados a Madrid, fomos até à Feria de Madrid levantar os dorsais e almoçar à Pasta Party. Esta não estava má mas comparada com a da Maratona do Porto, ainda tem muitos quilómetros que caminhar.
Deitámo-nos cedo. Eu pelo menos deitei-me porque houve alguém que só descansou depois do Sporting-Benfica ter terminado.
E chega então o grande dia
Não me perguntem porquê mas senti-me sempre descontraída nos dias anteriores à maratona, mas assim que chegou o dia, … sentia o estômago às voltas. Tinha chegado o dia! Com 7 maratonas já há mais confiança mas o sentimento de ansiedade e nervosismo mantém-se sempre. Cada dia é um dia, cada prova é uma prova. E ainda por cima esta seria algo difícil devido ao seu traçado e também ao algum calor que se faria sentir. Mas, claro, íamos dar o nosso melhor! Temos sempre que ter em mente que é um privilégio correr e um privilégio ainda maior correr no estrangeiro, por isso há que aproveitar e viver cada segundo ao máximo.
Encontrámo-nos com o meu pai junto à Plaza de Cibeles onde seria a partida da prova. Dirigimo-nos para o cajon 7, o nosso “cajon”. Ora, a partida era no Paseo del Prado que é a subir desde a estação da Atocha até à Plaza de Cibeles e o cajon 7 era cá mais em baixo, já quase na Atocha. Resumindo, começámos logo a subir e no final, esta era uma das partes que iríamos…subir.
E então foi dada a partida! Começámos a andar mas devagar e com algumas paragens. Já só mais acima, entre a Plaza de Neptuno e a de Cibeles, é que começámos a correr e “a coisa” só começou oficialmente quando passámos o pórtico em Cibeles.
Espanhóis a gritarem “Força Portugal!”
Os primeiros quilómetros fizeram-se bem, apesar da ligeira inclinação. Aos 3 km, em Nuevos Ministerios, estava o meu pai a puxar por nós. Mais acima, passámos junto ao Estádio Santiago Bernabeu e já estávamos muito perto das Torres KIO onde o meu pai nos tinha dito que também estaria.
Chegados às Torres, ao km 5, a primeira subida da prova tinha terminado e nós mal déramos por ela. Quanto ao meu pai não chegara a tempo, fomos demasiado rápidos
No entanto ele estaria um pouco mais à frente à nossa espera, por volta do km 8 talvez:
Íamos agora numa zona que alternava zona plana com descida. Que bem que soube! Nalgumas descidas, íamos a correr a 5 e poucos min/km.
O ambiente era fantástico! Muita mas muita gente a apoiar! Os espanhóis fazem a festa toda! Como agora temos a bandeira portuguesa na camisola da equipa, alguns espanhóis diziam “Força Portugal!”, alguns gritavam mesmo com alma e sentimento. Espetacular! É por isto que uma maratona será sempre uma maratona, não só pela distância mas por toda a festa que se vive.
E vimos uma coisa fantástica. Polícias a dar algumas garrafas de água a atletas!
30 km já estão!
Entretanto, já íamos com cerca de 18 km e a passar junto à Puerta del Sol, onde a festa era incrível. Para além de muita gente a apoiar, também havia várias bandas ao longo do percurso, ou não seja esta uma Maratona Rock and Roll 🙂
Ao km 20, corremos junto ao Palácio Real e passámos à meia-maratona com uma boa média, mantendo assim até daria para batermos o nosso recorde à maratona, mas sabíamos que os quilómetros finais iriam estragar esta média. Mas isso no fundo era o menos importante, interessava era terminar e aproveitar bem a viagem.
Pouco depois do pórtico da meia, talvez por volta do km 22 na zona de Moncloa, estava novamente o meu pai a agitar o cachecol de Portugal. Também ele neste dia fez quase uma maratona. Andou de um lado para o outro, para nos apoiar em várias zonas. No final disse-nos que também para ele foi uma grande festa, pois vários portugueses quando o viam ficavam muito contentes ao ver o cachecol de Campeões da Europa! E também houve vários a gritarem pelo Benfica!!!
Depois de Moncloa começámos a descer em direção à Casa de Campo, uma grande zona verde de Madrid.
Já íamos com 20 e muitos quilómetros e apesar de algumas zonas com sombras, o calor fazia-se sentir. Aos poucos, a coisa começou a custar um pouco mais mas ainda queríamos chegar aos 30 km com um melhor tempo que o nosso recorde. E assim foi, passámos no pórtico dos 30 km com 3h04m! E segundo os nossos relógios o Vítor fez 30 km em 3h02m48s! E eu em 3h03m12s!
Foi muito bom tendo em conta a dificuldade da prova com os quilómetros iniciais ligeiramente a subir e com algum sobe e desce ao longo da prova.
Subidas e mais subidas
Ao km 31 estava o meu pai e mais música, a banda sonora era a inevitável “Highway to Hell”!
Pouco depois estávamos a passar a ponte junto ao Estádio Vicente Calderón e a preparar-nos para a longa subida…
A subida era por etapas, lembro-me de uma curta mas inclinada. Ali, apetecia tanto andar um bocado…mas conseguimos resistir. Era praticamente inevitável caminhar a certa altura, mas pelo menos queríamos adiar ao máximo esse momento.
Já estava a custar mas o ambiente era incrível, a festa era fantástica. Só me apetecia sorrir apesar dos 30 e tal quilómetros nas pernas.
Estávamos quase a chegar à Atocha e ao km 37 e continuávamos sempre a correr, embora claramente numa passada mais lenta. Passámos por um atleta português, penso que da Póvoa do Varzim ou de Vila do Conde e demos-lhe força, mais à frente havia de ser ele a passar por nós e a dar-nos força.
Ao longo da prova foram vários os portugueses por quem passámos e claro que houve sempre trocas de palavras. É sempre bom ver um português lá fora.
Entrávamos agora na longa subida desde a Atocha até à Plaza de Cibeles, continuando depois ainda a subir ligeiramente pelo Paseo da Castellana, tudo sítios por onde passámos nos primeiros quilómetros na prova. Sabia que ia acabar por andar, estava apenas a adiar o inevitável. Comentámos os dois que já nos apetecia tanto mas tanto, começar a caminhar, mas por outro lado sentíamos que iríamos desiludir a multidão. Sim, na longa subida, ao km 37 e 38 havia imensa gente a fazer autênticos corredores estreitos (quase que parecia à Volta a França), a gritar por nós, a gritar que éramos todos uns heróis, que já faltava pouco! Quem tinha coragem para começar a andar ali? Nós não!
Caminhar só ao km 38
E assim lá fomos correndo mas cada vez mais a arrastar-nos. A uns 100 m da marca do km 38 não aguentámos mais e teve mesmo que ser, caminhámos um pouco.
O problema de caminhar numa maratona é que depois de caminharmos uma vez, é certo que vamos caminhar mais vezes e assim foi até à meta. Ora corríamos, ora caminhávamos. Daí o termos adiado ao máximo. Mesmo assim, foi o suficiente para perdemos minutos preciosos. Não tenho dúvidas que se a parte final desta maratona fosse plana, tínhamos continuado a correr e até batido o recorde. Mas isso são pormenores porque numa maratona a festa vale por tudo!
Mesmo depois de terminada a longa subida, ainda havia mais uma subidita ou outra. Nada de especial mas para quem tinha mais de 40 km nas pernas…Ufa!
Já cheira a meta!
Mas já cheirava a meta! O lindíssimo Parque do Retiro estava já à vista!
Com 41 km e picos, entrámos no parque, muitos voluntários, muita gente a gritar.
Tinha chegado aquele momento de emoções mistas. O momento em que por um lado ficamos aliviados por ter terminado, mas por outro, temos pena que já esteja a acabar. É isto uma maratona, uma mistura de emoções que não dá para pôr em palavras. Por um lado, alegria e entusiasmo, por outro sofrimento e dor. Adoro correr várias distâncias mas a maratona é aquela coisa que não tem explicação.
É muito mais do que apenas a “nossa” maratona, é também ver e sentir a maratona dos outros. Vermos a alegria nos olhos e sorrisos dos outros atletas, alguns correndo a sua primeira, outros já veteranos nisto. Ao mesmo tempo, vermos coisas que nos tocam muito, como alguém de cadeira de rodas a ser empurrado e a certa altura, por volta do km 30, levantarem-no e ajudarem-no a dar uns passos na sua maratona. São momentos bonitos e tocantes. É isto uma maratona.
Aquele momento em que se avista o pórtico é mágico.
4h34m20s depois cruzamos a meta!!!
Até à próxima aventura!
Estamos super satisfeitos. Mais uma vitória. E com um excelente tempo para as nossas capacidades. Numa maratona com este traçado, não é fácil fazer um grande tempo, mesmo assim consegui o meu segundo melhor tempo e o Vítor o seu 3º melhor. E apesar das dificuldades, percurso duro e calor, fizemos apenas mais 11 minutos que o nosso recorde.
Foi um dia inesquecível e maravilhoso.
À tarde, aproveitámos para desentorpecer as pernas andando mais uns quilómetros pela cidade.
Foram uns dias muito bons em Madrid. E a maratona…sem dúvida que a recomendamos.
Até à próxima aventura!