Maria Areias começou a correr na pista aos 13 anos e chegou a representar Portugal nas Jornadas da Juventude. Passados 14 anos, aderiu ao mundo dos trails com sucesso pois é a atual campeã nacional de trail.
Maria Isabel Justiniano Areias nasceu em 1985, em Aveiro. É militar na Força Aérea em Monte Real e Personal Trainner nos tempos livres.
Hoje, é bem conhecida no mundo do Trail mas a pista foi o seu primeiro habitat no mundo maravilhoso das corridas.
Maria Areias tinha então 13 anos e conta-nos como tudo começou: “Na altura, não havia telemóveis, os canais de televisão eram poucos, poucos brinquedos, jogava-se ao berlinde e sair de casa para ir aos treinos era uma boa desculpa para não ter de ajudar os meus pais nos trabalhos agrícolas. Nessa altura eu e a minha irmã fomos com a nossa vizinha ao primeiro treino e gostámos. Juntava muitos jovens, convivíamos e saíamos de casa. Aos fins-de-semana, íamos às provas de estrada. Era um mundo novo”.
14 anos na pista
O meu primeiro clube foi a Associação Desportiva Recreativa e Educativa da Palhaça (ADREP). A sua irmã acabou por abandonar mas Maria manteve-se. Começou a participar em provas na pista, a ganhar algumas delas e acabou por estar federada durante 14 anos. Correu os 400 metros barreiras e depois dedicou-se mais aos 800 metros.
“Foram anos muito bons, não me arrependo do tempo que dediquei ao atletismo, ganhei amizades para a vida, aprendi muito, cresci muito, aprendi a ser metódica e a organizar-me para ter tempo para treinar, trabalhar e estudar. Foi uma experiência de vida fantástica”.
Chegou a representar o país como juvenil nas Jornadas da Juventude em Múrcia. Acabou por deixar a pista há quatro anos por motivos profissionais.
“Na altura, estava a licenciar-me em Ciências do Desporto na Faculdade do Porto (FADEUP) e um amigo meu desafiou-me para experimentar o trail. Bem… desde aí adorei e nunca mais deixei o trail”.
Trabalho condiciona os treinos
Corre atualmente pela Oralklass – Amigos do Trail, clube situado em Valongo. Treina 5/6 vezes por semana, um pouco em função da sua disponibilidade e do seu trabalho.
Quando correu na pista, teve sempre um treinador. No trail e como é formada na área do treino físico, elabora ela própria os seus planos de treino. “O que tem desvantagens… nem sempre cumpro o que planeio”.
O plano de treino semanal é elaborado em função da sua semana de trabalho. “Costumo dizer que o meu plano de treinos é um plano de treino de manutenção. Privilegio mais as sessões de reforço muscular e de propriocetividade para evitar lesões (já fui operada ao joelho e daí ter mais cuidado com esta questão). Faço natação e bicicleta para poupar o impacto nas articulações alternando com o treino de corrida. Em Aveiro, não tenho um monte para fazer treinos específicos e como os apoios nesta modalidade são poucos, acabo por treinar o sobe e desce, só mesmo durante as provas de trail”.
Estreia no Trail de Santa Justa, em Valongo
O Verão de 2013 assinala a entrada de Maria Areias no mundo do trail. “Bem o meu primeiro trail, nunca mais vou esquecer… Foi o trail de Santa Justa 20 km. Na altura, haviam poucos trails ainda… Fui com o meu amigo que me desafiou. Ele só dizia para eu ir ao ritmo dele. Ele tinha medo que eu não conseguisse terminar a prova devido à sua distância. Eu estava habituada a provas de 400 e 800 metros na pista”.
Maria lá foi com o seu amigo até ao último abastecimento. Ele quis parar para comer mas ela quis continuar a correr. Só parou na meta e venceu a prova com cinco minutos de vantagem para a segunda classificada. “Ganhei uns óculos e regressei a casa com um sorriso no rosto. Tinha adorado aquele desafio”.
“Deixo um apelo a todos os trailistas: sejamos honestos connosco próprios. Nunca se esqueçam do verdadeiro espirito do trail”
Corre-se demais e treina-se de menos
A nossa entrevistada participa em média em 8 a 10 provas por ano. Na sua opinião, a maioria dos atletas que andam no trail fazem provas a mais e treinam de menos. “O nosso corpo demora mais tempo a recuperar do que aquilo que sentimos”.
A sua distância preferida anda pelos 20 km. “Uma vez que não faço muitos quilómetros nos treinos e estes nunca excedem uma hora, sinto-me mais confortável e gosto mais de correr os trails mais curtos. Nestas distâncias curtas, não necessito de levar nada comigo. Só o relógio e pernas para correr”.
“A sensação de cruzar a meta duma maratona é inexplicável”
Preservar o verdadeiro espírito do trail
Elege duas provas como as suas preferidas: O GTSA organizado pelo Carlos Sá e o MIUT na Madeira. “Os percursos, a organização, a beleza, é tudo de excelência”.
Quanto ao trail que lhe deixou menos recordações positivas, diz-nos que todos eles são diferentes e todos têm aspetos positivos. O que menos gostou deveu-se à conduta anti desportiva duma atleta que presenciou durante a prova. “Não vou nomear a prova em questão. Deixo um apelo a todos os trailistas: sejamos honestos connosco próprios. Nunca se esqueçam do verdadeiro espirito do trail”.
“Eu cresci numa aldeia, os meus pais eram agricultores e por isso adoro andar perdida no meio da natureza”
Na estrada e na montanha
Maria Areias raramente corre na estrada. Fá-lo na meia maratona do Porto e na S. Silvestre do Porto. “Adoro correr pelas ruas frias do Porto, com as luzes de Natal a iluminarem o percurso. O público vem para a rua puxar pelos atletas, é um bom espirito. Natal para mim, tenho de fazer a S. Silvestre do Porto”.
Tirando estas duas provas, é no trail que ela se sente feliz. “No trail, não há a monotonia da estrada. Tens paisagens fantásticas, passas por vales de água, tens de ultrapassar obstáculos, tens de te agarrar a árvores, tens de subir e descer encostas que não têm fim, no trail és tu e a natureza. Há o desafio constante, e por mais que saibas a altimetria, nunca sabes o que vem a seguir ao certo. É esta aventura e incerteza que me fascina no trail. Eu cresci numa aldeia, os meus pais eram agricultores e por isso adoro andar perdida no meio da natureza”.
“A prova da maratona é uma experiência de vida fantástica e qualquer atleta deve fazer uma na vida!”
Maratona do Porto
Maria Areias correu uma vez a maratona na estrada. Foi no Porto em 2015, tendo concluído a prova em 3h29m. “A prova da maratona é uma experiência de vida fantástica e qualquer atleta deve fazer uma na vida! Eu treinei para essa prova, até deixei de fazer tantos trails nesse ano. No dia da prova, empolguei-me nos primeiros 21 quilómetros (típico da inexperiência) e acabei a maratona a sofrer um pouco. Mas a sensação de cruzar a meta duma maratona é inexplicável. Um dia quero voltar a fazer esta maratona”.
Momentos marcantes da carreira
A nossa entrevistada escolhe dois momentos. O primeiro, quando representou Portugal em juvenil nos 400 metros barreiras. “Vestir a camisola de Portugal, cantar o hino… foi uma honra!” Já no trail, o momento que mais a marcou foi o MIUT onde correu a distância da maratona e foi a terceira sénior. “Numa prova internacional, numa distância onde não me sinto à vontade, fiquei muito feliz com a classificação”.
“Acho que para as condições que temos, até fazemos muitos campeões”
Projetos futuros
Projetos não faltam a Maria Areias. Tem dois a curto prazo: defender o título de campeã nacional de trail e participar no Mont Blanc. “Este ano, também consegui fazer os pontos para ir à meca do trail, a Mont Blanc. Vou a sorteio no OCC. Se conseguir ser sorteada, no próximo verão estarei por lá!”
Num futuro mais longínquo, tem o sonho de, como qualquer atleta, representar a seleção nacional, apesar de no trail a seleção ser constituída apenas por atletas de distâncias ultra.
Fora do trail e ainda no desporto, pretende experimentar o triatlo e continuar a dar treinos, tanto na vertente de condição física como na vertente de treinadora de atletismo. A longo prazo, pretende tirar uma pós graduação numa área ligada ao desporto.
Quando lhe perguntámos até quando pensa correr, foi pronta na resposta: “É a pergunta mais fácil de responder, até ser velhinha! Não me consigo ver na vida sem desporto. O desporto é a minha forma de estar na vida, por isso quando vejo os veteranos a correr, imagino-me eu daqui a uns bons anos”.
Mas e se não estivesse no atletismo, que modalidade gostaria de ter seguido? Futsal. Quando era mais nova, ainda teve uma época no futsal e no atletismo ao mesmo tempo.
“No Campeonato de Trail, falta uma classificação coletiva separada para os dois sexos”
Futuro sombrio para o atletismo
Maria não vê um futuro muito animador para a modalidade. “Eu já vivo no atletismo há muitos anos e infelizmente, tenho visto ‘as coisas’ a caírem… Cada vez há menos apoios, patrocínios, os treinadores nem sempre são pagos. Tirando casos como Nelson Évora, Sara Moreira e outros nomes do topo, o atletismo em Portugal vive do amadorismo e da boa vontade dos que amam a modalidade. Acho muito sinceramente que para as condições que temos, até fazemos muitos campeões”.
“Temos um Portugal maravilhoso com serras fantásticas para serem descobertas pelos trailistas”
Há muito a melhorar nos Trails
Já quanto ao trail, Maria mostra-se mais animada. “Vi nestes quatro anos um crescimento enorme. Já temos uma organização – a ATRP, que organiza o Campeonato Nacional e a Taça”.
No entanto, comparando com organizações de outros países, diz-nos haver ainda muitos aspetos a melhorar. Há que ser-se mais profissional e empenhar mais pessoas nas provas. “O que assisto com frequência nos trails, é não ver ninguém da organização durante muitos quilómetros. Há percursos em si muito difíceis e perigosos. Cruzarmo-nos com estradas sem ter a GNR a controlar o trânsito, é não ver nem ter apoio dos bombeiros nas provas. Depois as organizações querem ganhar muito e muitas vezes não limitam as inscrições o que leva à confusão total no início das provas”.
Refere ainda a necessidade de as organizações divulgarem os trails nas populações por onde a prova vai passar e lugares adjacentes. “Ao envolverem as populações no evento, os atletas agradecem haver público, a população e o comércio local ganham, ou seja, todos ficam a ganhar”.
No Campeonato Nacional de Trail, refere-nos a falta de uma classificação coletiva separada para os dois sexos, tal como acontece nos campeonatos de pista e estrada.
Lembra ainda a necessidade de haver regulamentos exequíveis e transparentes, com mais controlo sobre os atletas. “Há muito trabalho a fazer porque neste momento, temos muitas pessoas a praticarem a modalidade mas falta muita informação e formação. E temos um Portugal maravilhoso com serras fantásticas para serem descobertas pelos trailistas”.
“Correr na natureza é o meu anti-stress. Recarrega as minhas ‘baterias’ para mais uma semana de trabalho!”
A liberdade no mundo das corridas
Maria Areias adora correr na natureza. “É a liberdade que a corrida me devolve. Correr na natureza é o meu anti-stress. Recarrega as minhas ‘baterias’ para mais uma semana de trabalho! Sim venho do monte cansada, mas ‘leve’ e feliz”.
Também gosta de se superar a si própria! “Há sempre mais para lá daquela corrida, para lá daqueles quilómetros e daqueles trilhos”.
Finalmente, a questão social associada ao desporto. “Todas as amizades que se fazem no mundo do desporto. É sempre um reencontro de amigos e conhecidos em cada trail”.
Adepta da alimentação paleolítica
Faz exames médicos de rotina todos os anos, não só pela questão do desporto mas também pela sua condição de militar.
Quanto a lesões, elas não a visitam muito. “Faço todo o trabalho de reforço muscular para evitar lesionar-me e estar parada. Recentemente, fiz uma entorse no joelho onde já fui operada. Condicionou-me as provas do campeonato, mas felizmente recuperei bem e consegui acabar e ganhá-lo”.
A nível alimentar, toma as devidas precauções, evitando comer fritos e açúcares processados. Não bebe leite e sempre que é ela a cozinhar, adota uma alimentação paleolítica. “Na minha opinião, nós somos aquilo que comemos e gosto de comer bem e saudável. Não resisto ao chocolate preto que anda sempre comigo!”
“É na minha mãe que penso quando vou a correr. Ela é o meu ídolo”
Cortar a meta em sentido contrário!
Estórias não faltam a Maria Areias. Conta-nos duas, a primeira passada no Trail de Santa Iria. “Ia tão distraída que quase no fim da prova, faltava um quilómetro para terminar, eu e mais um grupo de atletas que ia comigo, enganámo-nos nas fitas. Fomos dar uma volta maior e cruzámos a meta em sentido contrário. Ainda fui falar com a organização mas fui desclassificada. Na altura, fiquei triste mas agora recordo a situação a rir-me”.
A outra estória passou-se numa prova onde se enganou na hora da partida. “Cheguei muito atrasada e a entrar de frente para a partida. Mandei o locutor não esperar por mim, agarrei no dorsal que um elemento da minha equipa tinha na mão e ouvi o tiro de partida. Depois durante a corrida, é que coloquei o dorsal na t-shirt. Ganhei a prova na mesma”.
A terminar, Maria Areias quis dedicar todas as suas vitórias à sua mãe. “É nela que penso quando vou a correr. Ela é o meu ídolo”.