Mariana Machado tem 30 anos e corre há apenas quatro anos. É atleta da EDV – Trail (Escola Desportiva de Viana) e já representou o país no Campeonato Mundial de Trail em 2019. Campeã nacional de Ultra Trail em 2020, prefere provas com 40 a 70 km de extensão. Mostra-se crítica para com a prática da Federação e da falta de apoio na formação no trail.
No Minho, moram pelo menos duas Marianas Machado a dar cartas no atletismo. Uma, com 21 anos atleta internacional do Sporting de Braga já medalhada num Europeu de Juniores. A outra, com 30 anos e também atleta internacional mas no trail. É esta que elegemos para “Atleta do Pelotão” deste mês.
Natural de Pousada de Saramagos, concelho de Vila Nova de Famalicão, Mariana Machado é Fisioterapeuta e Osteopata.
Descobriu o atletismo há quatro anos como solução para continuar a praticar desporto “que é uma paixão para mim”. Jogava futsal desde os 14 anos mas teve de abandonar devido à sua profissão e horário de trabalho. Juntou-se então ao seu pai e amigos do grupo das corridas do Domingo de manhã, e foi assim que começou “uma história de paixão e ambição por um desporto que jamais imaginaria estar a praticar a este nível”.
Das corridas por lazer a correr a sério
Após um ano a correr apenas por lazer, Mariana quis evoluir e consciente de que necessitava do acompanhamento personalizado de um bom treinador, começou com Rui Azevedo, do projeto Running Force. Este ano, está a ser acompanhada por Rui Rebelo, do projeto Running Higher. O plano de treino é delineado semanalmente tendo em consideração as provas que vai fazer e a respetiva fase de preparação para elas.
É atleta da EDV – Trail (Escola Desportiva de Viana). Treina todos os dias, onde junta treino de corrida, montanha, ciclismo e treino de força e mobilidade.
“Para conseguirmos correr durante muito tempo ao mais alto nível, é imprescindível planear realizar poucas mas ‘boas’ provas”
Estreia nos 12 km de Famalicão-Joane
A sua primeira prova oficial de estrada foi os 12 km de Famalicão-Joane, “uma corrida muito importante no meu concelho e que serve de motivação para os habitantes locais começarem a treinar e fazerem promessas e apostas de a finalizar”.
Não lhe tem sido fácil conciliar a sua vida profissional com os treinos. Como trabalha em média 10 a 11 horas por dia, tem de treinar bem cedo antes do horário laboral. “É complicado e difícil pois sei que não há o descanso necessário, contudo são opções e escolhas minhas que aceito e tento dar o máximo de mim em tudo que faço”.
Poucas provas por ano mas todas muito exigentes
Mariana esteve presente no Campeonato do Mundo de Trail em 2019, onde aprendeu a assimilar os limites do seu corpo. “Para conseguirmos correr durante muito tempo ao mais alto nível, é imprescindível planear realizar poucas mas ‘boas’ provas. Este ano, por exemplo, realizei quatro provas, sendo que três delas foram de ultra distância e isso exige muito desgaste físico e psicológico”.
“Ir à procura do desconhecido e do ‘outro lado da montanha’, é o que me motiva para enfrentar as dificuldades do Trail em relação às provas de estrada”
A paixão pelo Trail
Mariana tem uma paixão especial pelo Trail mas também gosta de participar em provas de estrada, principalmente as São Silvestres e uma ou duas meias maratonas.
Os Ultra Trails merecem a sua preferência, com distâncias entre os 40 e os 70 km. Ainda não correu uma maratona de estrada mas tem esse objetivo definido, talvez no próximo ano.
Quanto à sua prova preferida, diz-nos que em Portugal, é difícil escolher uma prova de eleição “pois estaria a ser injusta para com as outras organizações, sendo que temos excelentes provas para participar”. Ainda assim, elege os Abutres e o Trail Porto da Cruz, na Madeira. Relativamente às São Silvestres, escolhe as de Viana do Castelo e Famalicão.
Já lhe é mais difícil escolher a prova que menos lhe agradou, “porque depende muito de fatores como o tipo de trilho e a sinalização e organização durante a prova”.
“(Em Mont Blanc) Estar perante a meca do Trail mundial é uma adrenalina inexplicável”
Diferenças do trail e estrada
Para si, a grande diferença entre uma prova de trail e uma de estrada, reside na existência de “uma diversidade de paisagens, tipos de trilho e obstáculos, que fazem aumentar a expetativa e a motivação de alcançar sempre o próximo quilómetro. Ir à procura do desconhecido e do ‘outro lado da montanha’, é o que me motiva para enfrentar as dificuldades do Trail em relação às provas de estrada”.
Cumprir o sonho de correr em Mont Blanc
Poder estar em Mont Blanc era um sonho que acompanhava Mariana. Foi possível concretizá-lo no passado mês de Agosto, tendo corrido os 56 km do OCC onde foi 18ª com 6h56m50s. “Excedeu as expetativas, foi a prova mais bonita que realizei a nível de paisagens. Estar perante a meca do Trail mundial é uma adrenalina inexplicável. Foi uma corrida muito prazerosa apesar das dificuldades do desnível positivo que apresenta”.
Momentos marcantes da sua carreira desportiva
A nossa entrevistada tem dois momentos marcantes na sua carreira desportiva. A chegada à meta no Campeonato do Mundo de Trail com o apoio de todos os portugueses e o abraço à sua irmã e a chegada à meta no Ultra Trail Abutres, prova onde se sagrou campeã nacional de Ultra Trail em 2020 e tinha o seu pai e pessoas importantes à sua espera e que a têm apoiado incondicionalmente.
Quanto ao que mais aprecia no mundo das corridas, refere-nos a “adrenalina e espírito de sacrifício e resiliência que cada atleta tem de ter para ganhar ou até mesmo, para terminar uma prova.
“…A importância de sermos acompanhados por algum nutricionista especializado em Desporto”
Experimentar o Triatlo no futuro
A vida é feita de desafios, o mesmo se passa no atletismo. Mariana gostaria de correr mais alguns anos a um nível elevado e depois experimentar outras modalidades como o Triatlo. Mas reconhece que “o futuro é incerto e no desporto, as expetativas deixam-nos mais ansiosos e como não sou profissional, há muitas variavéis que influenciam esse mesmo futuro”.
A importância de uma alimentação correta
Quanto à alimentação, Mariana tem sido acompanhada pelo nutricionista Luís Silva no Centro de Medicina Desportiva do Porto. Sempre antes de uma prova, planeiam juntos a nutrição pré e pós prova, assim como a quantidade de hidratos de carbono, sais minerais e açúcares necessários durante a prova.
Ela sentiu a necessidade de corrigir o seu plano alimentar quando aumentou a frequência e intensidade dos treinos, pois não estava a recuperar. Verificou então com análises clínicas que tinha défice de Ferro entre outras vitaminas. “Isto demonstra a importância de sermos acompanhados por algum nutricionista especializado em Desporto”.
Não dispensa os exames médicos de rotina, fazendo análises clínicas de 6 em 6 meses e exames cardiovasculares uma vez por ano.
Quanto a lesões, teve de parar quatro meses após o Trail dos Abutres, devido a uma condropatia no joelho. Teve depois, algumas lesões esporádicas, como uma tendinopatia no tendão de Aquiles, que tiveram um tempo de recuperação mais rápido.
“Em Portugal, temos de ‘mendigar’ por um estágio de atletismo e pagamos os serviços do nosso treinador, retratando a dificuldade e o amadorismo que existe no Trail”
Crítica para com a Federação
Mariana faz uma análise crítica perante o planeamento e os caminhos percorridos pela Federação Portuguesa de Atletismo para fomentar a modalidade. “Cresci a ver Fernanda Ribeiro, Rui Silva, irmãos Castros entre outros, com toda a raça lusitana em provas Europeias e Mundiais e penso que neste momento, perdemos a identidade de Portugal, essa ‘raça’ e sede de vencer. Na minha opinião, isto deve-se à falta de apoio que têm os atletas portugueses, tanto monetariamente como burocrático ou simplesmente, para terem as condições necessárias para treinar. Por exemplo, países como Espanha, Holanda ou França, fazem preparação exclusiva e específica para as provas internacionais. Em Portugal, temos de ‘mendigar’ por um estágio de atletismo e pagamos os serviços do nosso treinador, retratando a dificuldade e o amadorismo que existe no Trail”.
Falta apostar mais na formação
Mariana gostava de ver alguns clubes de atletismo a apostarem no Trail na formação inicial dos jovens. “Tem de haver mais incentivo para a formação, tanto de atletismo como no Trail. Na minha opinião, o desporto escolar devia ter um papel fundamental para o desenvolvimento das modalidades que temos em decadência de participantes jovens, como é o caso do atletismo”.
Aprender a ser forte e a nunca desistir
A terminar, Mariana resumiu o que tem sido a sua prática na modalidade nestes últimos quatro anos. “Passei por experiências muito boas e muito más. As más ensinaram-me a ser mais forte, a nunca desistir e a aceitar que quando não ganhámos é porque os outros foram melhores. Somos seres humanos não máquinas, e as pessoas que nos rodeiam ou que nos aplaudem, mesmo não nos conhecendo, deviam ser as mesmas a entender que tal como elas, e na vida, todos nós falhamos. Somos uma infinidade de sentimentos, tristezas, alegrias, conquistas e frustrações, nunca se esqueçam disso”.