Ao longo dos quase 15 anos de carreira na alta competição, Michael Johnson passou incólume pelos testes antidoping. Em 2004, chegou a devolver a medalha de ouro olímpica da estafeta 4×400 m conquistada em 2000, depois de dois companheiros terem testado positivo em testes antidoping.
Hoje comentador, o norte-americano Michael Johnson é um crítico ferrenho dos que tentam burlar as regras. Mas vê como utopia imaginar um cenário sem fraudes. “Infelizmente, a maioria das pessoas decidiu que ‘vencer’ a guerra contra o doping seria erradicar qualquer doping do desporto. Isso seria como erradicar o crime da sociedade. Isso nunca vai acontecer”.
Para Johnson, “a lei, a estrutura legal, tem que continuar a ser diligente e vigilante e tentar ficar um passo à frente dos criminosos. A WADA e todo o mundo no desporto tem que apoiar os esforços para ficar à frente daqueles que tentam enganar o desporto, mas pensar que vamos chegar num ponto em que ninguém vai tentar enganar, isso é irrealista”.
Johnson foi comentador da BBC nas duas últimas edições dos Jogos Olímpicos e acompanha de perto as notícias desportivas no Reino Unido. Está atento aos ataques que Mo Farah vem sofrendo desde que o seu antigo técnico, Alberto Salazar, foi banido por quatro anos após a revelação de práticas de dopagem de atletas seus.
Mo Farah nunca testou positivo para qualquer substância ilícita, mas ficou nos holofotes por ter sido treinado por Salazar. O atleta sempre negou qualquer ilegalidade e disse que, se soubesse de qualquer irregularidade na conduta de Salazar, teria abandonado o Project Oregon onde treinou entre 2010 a 2017, quando a situação de Salazar ficou insustentável.
No início deste ano, o papel protecionista da Agência Antidoping do Reino Unido (Ukad) sobre Mo Farah foi mal aceite na comunidade internacional. Perante a hipótese da Agência Mundial Antidoping (WADA) fazer reanálises às amostras de sangue e urina dos atletas treinados por Salazar, a Ukad disse que não cederia as amostras de Mo Farah, a não ser que lhe fosse apresentada evidência crível de que as mesmas contivessem substâncias proibidas.
A declaração da responsável executiva da Ukad, Nicole Sapstead, foi criticada principalmente pelas autoridades russas. Atualmente banidos dos Jogos por não cumprirem determinações de conformidade ao controle de doping, os russos alegam que, se tivessem uma postura semelhante à da Ukad, estariam certamente sujeitos a sanções.
Para Michael Johnson, a postura da Ukad neste momento também pode ter justificações jurídicas, considerando as políticas de proteção de dados.
“Há ali preocupações com a privacidade. Tenho a certeza que a organização tem que se preocupar com isso. As pessoas podem querer ver isso (amostras), e talvez ainda queiram divulgar, eu não sei, mas provavelmente também há controlo de privacidade, uma situação legal que tem de ser considerada nessa situação”.
Independentemente do desfecho do caso envolvendo Mo Farah, Michael Johnson acredita que as autoridades competentes devem manter-se rígidas no controle do uso de substâncias proibidas. Ele vê o exemplo de punição dada à Rússia, banida das grandes competições desportivas por quatro anos, como exemplar.
“Você fala nas pessoas perdendo confiança no desporto por causa do doping. É claro que as pessoas vão perder confiança no desporto sempre que houver uma situação de doping. Sempre que algo surja. E fala sobre os russos. Há uma situação onde o atletismo, desde 2016, baniu os atletas russos de competirem até poderem provar que estão limpos. Essa é a forma correta de lidar, e agora outros desportos estão a ir também por esse caminho”.