Nascido a 11 de fevereiro de 1921, Moniz Pereira, grande figura do atletismo português (e do fado…), completaria hoje 100 anos se fosse vivo. Faleceu há quatro anos e meio, em 31 de julho de 2016, com 95 anos de idade.
Moniz Pereira ficará para sempre na história da modalidade, à qual esteve ligado desde que se iniciou na sua prática, aos 17 anos, no Liceu Camões, até que foi vice-presidente do Sporting, responsável pelo atletismo do clube, entre 1995 e 2011, então já com 85 anos de idade. Foi atleta (apenas mediano) do Sporting, chegando a ser 3º nuns Campeonatos de Portugal e tendo como melhor marca 13,50 no triplo, em 1950. Entretanto, já se formara pelo antigo INEF (Instituto Superior de Educação Física), hoje FMH, onde foi depois professor ao longo de 27 anos.
Foi treinador de atletismo no Sporting de 1945 a 1951 e de 1955 a 1992, com algumas interrupções nos anos 70 e 80 durante as quais esteve ao serviço da Federação, embora continuando a treinar os atletas do clube. Foi treinador do CDUL de 1952 a 1955.
Entretanto, foi também atleta veterano… e o primeiro português a ganhar medalhas em Campeonatos do Mundo (bronze no comprimento e triplo, em 1977), a que juntou depois mais outra de bronze no Europeu de 1982.
Mas a sua atividade não se resumiu ao atletismo. Praticou voleibol no INEF, Sporting e CDUL, até aos 50 anos, sendo ainda treinador, selecionador nacional e até árbitro… internacional (!); jogou ténis de mesa no Ateneu e no Sporting e hóquei em patins no HC Sintra; e foi preparador físico da equipa de futebol do Sporting, que foi campeã nacional em 1969/70 e vencedora da Taça de Portugal em 1971, e da seleção nacional, então sob a liderança de Cândido de Oliveira, primeiro, e de Fernando Vaz, depois.
Mas foi como treinador de atletismo que Moniz Pereira mais se distinguiu, orientando vários atletas medalhados em Jogos Olímpicos, Campeonatos do Mundo e da Europa e recordistas mundiais e europeus e levando as equipas do Sporting a inúmeros títulos nacionais e europeus, conforme lista que publicamos mais abaixo. Moniz Pereira esteve em nada menos de 12 Jogos Olímpicos (desde Londres’1948 a Sydney’2000, só falhando Melbourne’1956 e Moscovo’1980), 5 Campeonatos do Mundo, 13 Campeonatos da Europa e 22 Campeonatos do Mundo de Corta-Mato.
Mas o ponto de partida de tão brilhante carreira esteve em 1975 e na dispensa (por ele reivindicada) dos atletas dos seus empregos para se poderem concentrar nos treinos e terem o necessário descanso para melhor recuperar. Na sequência do 25 de Abril de 1974, novos horizontes se abriram também na então Direção-Geral dos Desportos, orientada pelo prof. Melo de Carvalho. A par do “Atletismo à Porta de Casa”, foi dada luz verde às ideias de Moniz Pereira e os (ainda escassos) atletas de alta competição passaram a ser dispensados dos seus empregos da parte da manhã, para poderem treinar nesse período do dia e, depois, ao fim da tarde. Poucos meses depois, Carlos Lopes surpreenderia tudo e todos ao ganhar o Mundial de Corta-Mato e, nos Jogos Olímpicos de Montreal’1976, Lopes foi 2º nos 10000 m, José Carvalho 5º nos 400 m barreiras e Aniceto Simões 8º nos 5000 m, enquanto Fernando Mamede e Hélder de Jesus chegavam às meias-finais dos 1500 metros. Antes, a exceção às muito modestas presenças nacionais era apenas o 4º lugar de Manuel Oliveira nos Jogos de Tóquio’1964, também ele orientado por Moniz Pereira, que já treinara igualmente Álvaro Dias, 4º no comprimento do Campeonato da Europa de 1950, onde conseguiu 7,32 na qualificação (marca igual à do vencedor da final) mas lesionou-se depois de uns 7,00 iniciais na prova decisiva. Foi a melhor classificação portuguesa em Europeus até Rosa Mota ganhar a maratona de 1982…
Depois desses êxitos em 1976, sucederam-se as medalhas em grandes competições, com destaque para o título olímpico de Carlos Lopes na maratona de Los Angeles’1984 (e para os seus três títulos mundiais de corta-mato) e para a medalha de prata de Domingos Castro nos 5000 m do Mundial de 1987. Entretanto, em 1981, Fernando Mamede chegava ao recorde europeu de 10000 m na pista de Alvalade, em Lisboa, recorde esse que depois seria sucessivamente batido por Carlos Lopes (Oslo’1982), Mamede (Paris’1982) e Lopes (Roterdão’1983), a que se seguiriam sensacionais recordes do Mundo de Mamede nos 10000 m (Estocolmo’1984) e de Lopes na maratona (Roterdão’1985). Em suma: êxitos atrás de êxitos, no período de ouro do meio-fundo português a que Moniz Pereira (e a por si denominada Escola Portuguesa de Meio-Fundo) ficou intimamente ligado. Aos nomes de Lopes e Mamede, podem juntar-se muitos outros, desde os irmãos Castro a Aniceto Simões, Paulo Guerra, Eduardo Henriques, João Junqueira, Joaquim Pinheiro, etc., etc.
Muito disciplinado (e disciplinador), sendo o primeiro a chegar ao local do treino e o último a sair, preocupado com os mais ínfimos pormenores, defensor até às últimas das suas ideias, Moniz Pereira conseguiu grande parte dos seus objetivos, tanto como treinador como, depois, como dirigente do Sporting, obtendo, graças ao prestígio angariado, sempre bons orçamentos para a secção de atletismo, facto que o levou a colocar em segundo plano a formação de atletas (o Sporting teve muito menos títulos jovens que o Benfica), uma vez que facilmente reforçava as suas equipas principais com os atletas que se distinguiam noutros clubes.
Ao longo da sua vida, Moniz Pereira recebeu inúmeras (e bem justas) condecorações, desde a medalha de mérito desportivo em 1976 ao emblema de ouro da Associação Europeia de Atletismo em 2001, passando pelas mais relevantes Comenda da Ordem do Infante D. Henrique (1980) e grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1991). E o seu nome foi dado à antiga pista do Estádio José Alvalade, à pista da Alta do Lumiar e ao Centro de Alto Rendimento do Jamor.
A par de tão longa e prestigiada carreira desportiva, Moniz Pereira foi sempre um grande apreciador de fado e, sem saber música (tocava “de ouvido”), compôs muitos e grandes êxitos cantados pelos melhores fadistas nacionais.
Teve uma vida cheia e não mais será esquecido. Faria hoje 100 anos…
PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES (8 PRIMEIROS) DE ATLETAS TREINADOS POR MONIZ PEREIRA
JOGOS OLÍMPICOS
1º Carlos Lopes maratona Los Angeles 1984
2º Carlos Lopes 10000 m Montreal 1976
4º Manuel Oliveira 3000 ob. Tóquio 1964
4º Domingos Castro 5000 m Seoul 1988
5º José Carvalho 400 bar. Montreal 1976
8º Aniceto Simões 5000 m Montreal 1976
CAMPEONATOS DO MUNDO
2º Domingos Castro 5000 m Roma 1987
5º Domingos Castro 5000 m Tóquio 1991
6º Carlos Lopes 10000 m Helsínquia 1983
6º Domingos Castro 10000 m Roma 1987
8º Dionísio Castro 5000 m Roma 1987
8º Dionísio Castro 5000 m Tóquio 1991
CAMPEONATOS DA EUROPA
4º Álvaro Dias comprim. Bruxelas 1950
4º Carlos Lopes 10000 m Atenas 1982
4º Dionísio Castro 5000 m Split 1990
5º Domingos Castro 10000 m Estugarda 1986
CAMPEONATOS DO MUNDO DE CORTA-MATO
1º Carlos Lopes Chepstow 1976
1º Carlos Lopes N. Iorque 1984
1º Carlos Lopes Lisboa 1985
2º Carlos Lopes Dusselforf 1977
2º Carlos Lopes Gateshead 1983
3º Fernando Mamede Madrid 1981
7º Domingos Castro Aix-les-Bains 1990
RECORDES DO MUNDO E DA EUROPA DE ATLETAS TREINADOS POR MONIZ PEREIRA
RM Fernando Mamede 10000 m Estocolmo 1984
RM Carlos Lopes maratona Roterdão 1985
RM Dionísio Castro 20000 m La Flèche 1990
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RE Fernando Mamede 10000 m Lisboa 1981
RE Carlos Lopes 10000 m Oslo 1982
RE Fernando Mamede 10000 m Paris 1982
RE Carlos Lopes maratona Roterdão 1983
TÍTULOS COLECTIVOS CONQUISTADOS PELO SPORTING TENDO MONIZ PEREIRA COMO TREINADOR OU DIRIGENTE
Nacionais de pista: 48 masc. e 40 fem.
Nacionais de pista coberta: 15 masc. e 15 fem.
Nacionais de corta-mato: 43 masc. e 4 fem.
Nacionais de estrada: 1 masc.
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Taça dos Clubes Campeões Europeus de pista: 1 masc.
Taça dos Clubes Campeões Europeus de corta-mato: 12 masc.