Quando se deu a Revolução dos Cravos, a 25 de Abril de 1974, Portugal era, para além de uma ditadura, um país atrasado, na cauda da Europa. E o atletismo nacional não fugia à regra. Em 1973, a Federação possuía 3112 atletas federados, dos quais 730 em Angola e Moçambique e 2382 na então chamada Metrópole. Em 2017, o número de filiados é de 16.447, ou seja, praticamente sete vezes mais (6,9). Há 44 anos, para além de Angola e Moçambique, eram apenas dez as associações distritais, nove no Continente e a da Madeira. E não havia praticamente atletismo popular: as escassas provas de estrada que se realizavam praticamente reuniam apenas (poucos) atletas federados. No Grande Prémio do Natal de 1973, desviado para a Cidade Universitária pois foi impedida a utilização das principais vias lisboetas, nomeadamente a Avenida da Liberdade, estiveram cerca de seis dezenas de participantes, incluindo 17 populares e 12 veteranos, que fizeram corridas à parte.
Qualitativamente, o atletismo nacional era igualmente fraquíssimo. Portugal raramente participava nas principais competições ou fazia-o com um número muito reduzido de atletas. Em 1973, Portugal regressou ao Mundial de corta-mato, depois de 10 anos de ausência no Cross das Nações, que o antecedeu. A seleção foi 16ª entre 18 equipas e apenas Carlos Lopes (24º) se classificou entre os 100 primeiros. Nas três primeiras edições da Taça da Europa (atual Europeu de Seleções), a seleção nacional masculina foi 4ª e última na fase preliminar em 1965 e 1967 (último lugar no conjunto de todos os países) e não participou em 1970 (a seleção feminina não tomou parte em nenhuma das edições). Em 1973, aproveitando a inauguração do “tartan” no Estádio Nacional, Portugal organizou essa fase preliminar masculina, sendo terceiro entre quatro seleções (a seleção feminina foi última em Rijeka). Atualmente, Portugal luta (em ambos os setores) pelo acesso à Superliga europeia (12 países), que já atingiu em 2009 e 2011. Em 2015 e 2017, Portugal foi 5º na I Liga, o que equivale a um 17º lugar entre os 46 países participantes, bem na primeira metade.
Em 1973, não existia alta competição ou alto rendimento em Portugal. Os melhores atletas nacionais da altura (Carlos Lopes, Fernando Mamede, Aniceto Simões) tinham um horário de trabalho como qualquer outro funcionário, treinando antes de entrarem ao serviço, manhã bem cedo, e ao fim da tarde, não tendo tempo para recuperarem. Nos Jogos Olímpicos de Muinique’1972, Portugal foi representado por seis atletas. Armando Aldegalega foi 41º na maratona e Fernando Silva (400 m), Fernando Mamede (800 e 1500 m), Carlos Lopes (5000 e 10000 m), Alberto Matos (110 m barreiras), José Carvalho (400 m barreiras) e a seleção de 4×400 m ficaram logo pelo caminho depois das primeiras eliminatórias. No Campeonato da Europa de Roma’1974. Portugal teve apenas quatro atletas: Carlos Lopes desistiu nos 10000 m, Aniceto Simões desistiu nos 5000 m, José Carvalho (400 m barreiras) e Fernando Mamede (800 e 1500 m) ficaram-se pelas eliminatórias. Em 1975, um ano depois do 25 de Abril, o prof. Moniz Pereira, a pedido do prof. Melo de Carvalho, diretor-geral dos Desportos, elaborou um plano de apoio aos atletas de alta competição (que passaram a ser dispensados do trabalho na parte da manhã) e, nos Jogos Olímpicos de 1976, Carlos Lopes ganhou a medalha de prata, José Carvalho foi quinto nas barreiras, Aniceto Simões oitavo nos 5000 m e Fernando Mamede e Hélder de Jesus chegaram às meias-finais dos 1500 m. E, daí para a frente, Portugal somou medalhas e lugares de finalista em grandes competições. Até ao 25 de Abril de 1974, as melhores classificações nacionais em grandes competições haviam sido o 4º lugar de Manuel Oliveira nos obstáculos nos Jogos Olímpicos de 1964 e o 4º lugar de Álvaro Dias (comprimento) e 8º de José Araújo (maratona) nos Europeus de 1950 e 1954, respetivamente. Depois disso, Portugal conseguiu 10 medalhas olímpicas (quatro das quais de ouro), 19 em Mundiais e 34 em Europeus, para além de 35 em Mundiais (13) e Europeus (22) de pista coberta e 65 em Mundiais (21) e Europeus (44) de corta-mato. E há ainda as medalhas em estrada (nomeadamente na marcha) e nos escalões jovens…
Em suma, por muitas queixas que ainda haja, por muito que ainda tenhamos de progredir, Portugal (e o seu atletismo) passou da noite (bem escura) para o dia, antes e depois da Revolução dos Cravos!