Segundo parece, a naturalização do triplista cubano Pedro Pablo Pichardo está em bom andamento e o Benfica espera até já o poder utilizar no Nacional de pista coberta, em fevereiro próximo. Será bom para o atletismo português? Será justo? A questão não é fácil.
O atleta deixou Cuba e já lá não poderá voltar, estando afastado das grandes competições desde o Mundial de Pequim’2015 (2º lugar). A naturalização será a única forma de voltar a essas grandes competições. Será, portanto, a única forma de proteger o atleta.
E para o país, para Portugal? À primeira vista, ter um atleta do nível de Pichardo será bom. Mas será positivo “adquirir” um primeiro plano à pressa, para mais numa especialidade na qual Portugal até está muito bem servido (Nelson Évora)? E se Pichardo vier a bater o recorde nacional de Nelson Évora? Será justo? Claro que não é. Será um recorde estranho, que nada tem a ver com o atletismo nacional e apagará das listas uma marca histórica, essa sim, bem portuguesa. Dir-se-á: Nelson Évora não nasceu em Portugal nem era português quando se iniciou na modalidade. Mas fez cá toda a sua carreira, é português como qualquer um de nós, não surgiu quando já era um primeiro plano mundial. Francis Obikwelu é outro caso: embora já fosse um atleta de grande futuro, foi praticamente em Portugal que se destacou, acabando por se naturalizar alguns anos depois. Claro que os seus recordes, muito agradáveis quando foram batidos, são agora um “contra”, pois não há atleta nacional que deles se consiga aproximar. Mas ninguém duvida da ligação de Obikwelu ao atletismo português. Ligação que Pichardo (sem culpa própria) nunca virá a ter, embora tendo chegado a Portugal com 24 anos de idade e ainda tenha certamente muitos anos de carreira à frente.
Em suma: a naturalização (rápida) será boa (e justa) para o atleta; temos dúvidas se será efetivamente positiva (de imediato) para o atletismo nacional. Embora o processo seja irreversível e nada possa impedir que o recorde nacional venha a ser batido por quem, de português, terá muito pouco…
Não tem de ser comparado a ninguém, cada caso é um caso. Se já não pode voltar a Cuba é óbvio que tem de assentar em algum país. Se Portugal foi o país que o acolheu, não faz sentido nenhum essa xenofobia nem essas comparações com outras naturalizações. A partir do momento em que o atleta já não pode voltar ao seu país de origem é mais que justo que se naturalize. O autor do texto assume que o seu problema não é o Pedro, mas sim o facto de poder apagar o histórico do Nelson, mas isso nunca acontecerá, o que o Nelson fez está feito, se o recorde de Portugal for batido é vida, os recordes foram feitos para serem batidos, não se trata de ser justo ou injusto trata-se de factos, não faz sentido nenhum achar que tem mais ou menos direito a naturalizar-se por ser superior ou equivalente ao que cá temos. Se o Arons colocar a questão de outra forma… Imagine que o Pichardo cá, evolui e consegue alcançar um recorde pessoal podendo até a ser recorde do mundo ou escalando ao 2º ou 3º lugar do ranking mundial de todos os tempos. Nesse caso a frase “Ligação que Pichardo (sem culpa própria) nunca virá a ter” é uma frase prematura, porque nesse caso poderá dizer-se que não existe mas é ligação a Cuba, porque foi cá e como português que terá treinado e evoluído para alcançar esse feito.
A questão não é fácil, concordo, e longe de mim querer prejudicar o Pichardo, que está sem país. O ideal era ele poder participar nas grandes competições a título individual. Infelizmente, as naturalizações (muitas delas oportunistas) multiplicam-se no atletismo e países há (Turquia, Bahrain), que abusam. Acho bem que Portugal acolha o Pichardo mas já não concordo que tenha que haver uma naturalização a “toda a velocidade”. E se ele vier a bater o recorde mundial como português, será sempre um recorde com sensação estranha…
Arons de Carvalho