Quando é melhor aplicar gelo? Quando deve aplicar o calor? E os dois ao mesmo tempo?
De repente, depois do treino ou de uma prova, aparece uma dorzinha num determinado lugar e junto com ela, a dúvida: usar gelo ou calor para aliviar os sintomas? Esta é umas das dúvidas mais frequentes na prática clínica. Vejamos então quais os efeitos e indicações de cada método para facilitar o seu uso doméstico.
Utilizar os recursos físicos, como a água, para aliviar alguns sintomas, é uma prática comum desde a antiguidade. Acredita-se que, na pré-história, o homem já procurava a água, o sol ou a fricção das mãos em partes do corpo para aliviar as dores. Há relatos que Hipócrates (460 – 375 a.C.) realizava banhos de contraste com água quente e fria para tratar doenças.
A aplicação da água nas suas diversas formas favorece a melhoria dos sintomas e auxilia na reabilitação de lesões, seja na forma de calor, que dilata os vasos sanguíneos, ou pelo frio, que causa a sua contração, o que contribui para a remoção de impurezas e substâncias indesejáveis resultantes da lesão, libertadas no local. É um recurso terapêutico valioso com a vantagem de ter fácil acesso, baixo custo e fácil manuseio.
A utilização de calor como terapia é chamada termoterapia. Já a crioterapia é a utilização do gelo para tratar patologias. As duas formas de aplicação da água, quente e fria, são importantes auxiliares no tratamento de patologias ortopédicas.
Uso do gelo
O gelo (ou meios que proporcione baixas temperaturas) deve ser a primeira atitude a ser tomada numa lesão ou dor aguda, principalmente nas primeiras 48 horas, pois diminui o metabolismo, reduzindo a necessidade de oxigénio para a célula. Tal possibilita uma recuperação mais rápida e com menores danos para o músculo ou articulação. O frio contribui no controle do edema (inchaço), pois, como causa contração dos vasos sanguíneos, evita o escape de líquidos no local da lesão, além de diminuir a extensão dos danos nas células do tecido lesado (músculo ou articulação).
O uso de baixas temperaturas contribui para:
- Melhoria da dor
- Diminuição de edema e hematomas
- Redução do processo inflamatório
- Permite a movimentação precoce
- Melhora a amplitude do movimento
- Reduz o metabolismo
- Estimula o relaxamento
- Reduz espasmos musculares
- Preserva a integridade das células do tecido lesado (evita morte celular)
- Limita a evolução da lesão
Numa lesão muscular, por exemplo, os vasos sanguíneos que passam pela região rompem-se e há um extravasamento de sangue. Isto causa hematoma, edema, vermelhidão, aumento da dor e uma perda da função do músculo afetado. Este é o começo do processo inflamatório, que é a primeira reação de defesa do organismo, uma vez que o dano tecidual já ocorreu no local. Então, a aplicação de baixas temperaturas no local terá os seguintes efeitos fisiológicos:
Efeitos fisiológicos do frio
Limitação do hematoma e edema
Diminuindo a temperatura da pele e dos tecidos subjacentes, há um estreitamento dos vasos sanguíneos, o que é conhecido como vasoconstrição. Isso diminui a quantidade de sangue na área lesada, o que reduz o tamanho do edema ou escape de líquidos. Após alguns minutos, os vasos sanguíneos dilatam-se, permitindo que o sangue volte a circular na área. Esta fase é seguida por outro período de vasoconstrição.
Embora o sangue flua ainda na área, o tamanho do edema é significativamente menor do que se o gelo não fosse aplicado. Esta diminuição do edema permite mais movimento no músculo ou articulação e, dessa forma, diminui a perda funcional associada à lesão. O edema, juntamente com a resposta inflamatória, causa também um aumento da pressão no tecido, o que acarreta aumento da dor. Esta dor é intensificada por determinadas substâncias químicas que são libertadas no sangue quando o tecido é danificado. Por isso, a aplicação do gelo diminui a dor.
Diminui a dor
A diminuição da dor é um dos maiores efeitos do gelo. A perceção da dor, como numa lesão muscular ou entorse do tornozelo, pode ser torturante e o alívio promovido pela crioterapia chega a ser vital para a melhoria do atleta.
Outro meio de ação do gelo para diminuir a dor é reduzir a condução do impulso nervoso de alguns nervos na pele e nos tecidos circunvizinhos. Além disso, por fornecer um outro estímulo às fibras do nervo, a sensação do frio pode inibir a sensação de dor. A aplicação do gelo pode estimular a libertação de endorfinas no local da lesão, o que também contribui para a diminuição da dor.
Reduz espasmos musculares
Há evidências que mostram uma ligação forte entre o espasmo do músculo e a dor. Um aumento na dor conduz ao espasmo do músculo, que conduz subsequentemente a mais dor e assim por diante. Isso causa uma resposta negativa. Portanto, reduzindo a dor, o gelo pode reduzir o risco do espasmo do músculo.
Reduz as taxas do metabolismo celular
Reduzindo a taxa metabólica, o gelo reduz a necessidade de oxigénio das células. Assim, quando o fluxo sanguíneo for limitado pela vasoconstrição, o risco de morte celular devido às demandas de oxigénio (necrose celular secundária) será diminuído.
Indicações para uso da crioterapia
- Lesões musculares e ligamentares
- Entorses articulares
- Traumas agudos (tombos, pancadas)
- Luxações
- Estiramentos
- Edemas (inchaços)
- Hematomas
As formas de aplicar gelo
Há várias maneiras para se aplicar a terapia com gelo. Em caso de dúvida, procure um profissional qualificado para orientá-lo quanto ao método mais adequado ao seu caso.
Durante a crioterapia, pode haver um desconforto considerável nos primeiros minutos como uma dor intermitente ou latejante, porém essa sensação começa a diminuir dando lugar a uma sensação de queimação e ao fim de 20 minutos, a sensação será de dormência no local, além de vermelhidão temporária.
Nas primeiras 24 horas, pode ser feito de 2 em 2 horas. Após este período, aplicar 4 a 5 vezes por dia.
Bolsa ou pacote de gelo: é umas das maneiras mais eficazes de se aplicar a crioterapia. O contato próximo do gelo com a pele mantém, durante o tempo todo, a temperatura baixa na área lesada, permitindo que os efeitos fisiológicos aconteçam. Para isso, pode-se utilizar um saco de plástico ou bolsa comercializada (especial para este tipo de aplicação), com pedras de gelo (ou gelo triturado) dentro e fixar no local a ser tratado por faixas que acompanham a bolsa ou tiras de crepe para que fiquem pressionadas contra a pele. Esta aplicação deve ter uma duração de 20 minutos. No caso de se utilizar o saco de plástico, recomendamos envolvê-lo com uma toalha húmida para conduzir melhor o frio sem riscos de queimaduras na pele. A bolsa comercializada pode ser colocada diretamente sobre a pele.
Massagem com gelo: este método trabalha de forma diferente dos outros. Enquanto o gelo está sendo movido constantemente sobre a área afetada, as sensações, principalmente de dormência, ocorrem mais rapidamente que na aplicação com bolsa, por exemplo. A massagem é realizada com um cubo grande de gelo e deve ser aplicada com movimentos paralelos à fibra do músculo. Para facilitar o manuseio, recomendamos colocar no frigorífico ou no congelador, copos descartáveis com água e utilizar a pedra de gelo que se formará. Importante: é imprescindível proteger a pele da mão com um tecido pois ao segurar a pedra de gelo sem proteção, poderão ocorrer queimaduras nas pontas dos dedos! Envolva um lado da pedra de gelo com um pano (onde irá segurar) e aplique a outra extremidade do gelo diretamente na pele, fazendo movimentos, sem deixar parado sobre a pele. Utilizar durante 5 a 10 minutos numa área correspondente a 10 a 15 cm.
Bolsa do gel: podem fazer parte do tratamento com baixas temperaturas, mas não devem ser usadas como substituto para as opções anteriores. Elas servem como auxiliares, quando se torna difícil nos momentos em que se fizer o pacote ou bolsa com pedras de gelo. Algumas bolsas de gel permanecem moles mesmo após um tempo prolongado no frigorífico. Mesmo as que endurecem, se utilizadas conforme orientação, são bem práticas, podendo ser reutilizadas sempre que quiser. Porém, como trocam calor com a pele, acabam perdendo a capacidade de resfriar após um tempo (diferentemente do gelo). Recomenda-se manter sobre a pele durante 10 minutos, preso com uma faixa e após este período, virar a bolsa e prender novamente, deixando durante mais 10 minutos.
Gelo mole: uma maneira prática e reutilizável de fazer a crioterapia é fazendo o gelo mole. Para isso, será preciso um saco plástico bastante resistente onde será colocada uma proporção de três copos de água para um copo de álcool líquido. Amarre bem e coloque dentro de outro saco plástico. Leve ao frigorífico ou congelador. O gelo fica mole, facilitando a aplicação, pois molda-se ao corpo. Cuidado para a mistura não entrar em contato com a pele para não haver riscos de queimadura. Envolva o saco plástico numa toalha húmida para melhorar a condução do frio. Aplique durante 20 minutos na área lesada.
Banhos frios de imersão: eficaz para lesões da mão, pé, punho e tornozelo. Encha parcialmente uma bacia com água e coloque os cubos de gelo, o suficiente para deixar a água gelada e não somente fria. Mergulhar a área afetada (pé ou mão) e manter durante quatro minutos, movimentando a mão ou o pé para a água não aquecer próxima à pele. Retire, aguarde um minuto e volte a mergulhar até completar 20 minutos.
Banhos de contraste: este pode ser um uso altamente benéfico do gelo e do calor. Deve somente ser usado na fase subaguda em que o ferimento está começando a cicatrizar. Encha uma bacia ou balde com água e gelo e outro com água quente (com temperatura entre 40ºC e 45ºC). Mergulhe o membro afetado na água fria e mantenha durante três minutos. Imediatamente a seguir, mergulhe-o na água quente e mantenha por um minuto. Repita a operação até completar 20 minutos, terminando com a água fria. É preciso deixar água quente e fria de “reserva” para repor, porque após alguns mergulhos, a água fria esquenta e a quente, esfria.
Sprays: Os sprays também têm a finalidade de resfriar a região lesada. Eles contêm líquidos que evaporam rapidamente, diminuindo a temperatura superficial da pele. São úteis em situações de emergência, porém o tempo de ação é curto, além de ser mais superficial.
Existem no mercado bolsas que funcionam como compressa fria, que não necessitam ir ao frigorífico ou congelador. Este tipo de material serve como auxiliar, mas não substitui a bolsa de gelo, na medida em que mantém a temperatura da pele mais baixa durante apenas 10 ou 15 minutos (o tempo ideal é de 20 minutos neste tipo de aplicação) e troca calor com a pele, ou seja, no final dos 20 minutos, o calor do corpo já aqueceu o material. É ideal para aplicar no trabalho ou levar no dia de uma prova, mas chegando a casa, a bolsa de gelo é a melhor opção.
Precauções e contra-indicações ao gelo
É preciso ter cuidado quando o gelo for utilizar nos seguintes casos:
- Doença cardíaca como hipertensão, arritmia ou angina
- Áreas com nervos superficiais
- Antes da prática desportiva, pois como altera a sensibilidade e melhora a dor, pode “mascarar” lesões
- Antes da realização de alongamentos: pelo mesmo motivo descrito acima, o atleta corre o risco de exceder o limite do estiramento do músculo, causando lesões nas fibras musculares
- Cuidado para não dormir ou exceder o tempo de aplicação do gelo para não lesar a pele ou outras estruturas pela diminuição excessiva da temperatura (necrose)
A crioterapia não deve ser usada nos seguintes casos:
- Alergia ao frio
- Síndrome de Raynaud
- Lesões cutâneas (ferimentos abertos)
Água quente
Apesar de ser mais agradável e confortável, a utilização da água quente nos tratamentos ortopédicos limita-se a alguns casos onde o objetivo de reduzir a dor deve estar somado à necessidade do relaxamento muscular, na ausência de edemas ou hematomas.
Como recursos da termoterapia temos o calor superficial e o calor profundo. O calor superficial é obtido através de compressas, bolsas e imersões com água quente e infravermelho. O tratamento com calor profundo necessita de aparelhos específicos que emitem ondas que penetram pela pele e atingem camadas mais profundas que o calor superficial, como ultra-som, ondas curtas e microondas. O banho de parafina é um calor superficial utilizado nas extremidades como mãos, pés, punhos e tornozelos. Porém, quando aplicado nas mãos ou pés para tratamento das articulações dos dedos, funciona como “calor profundo” devido à pequena espessura das estruturas que envolvem a articulação.
O uso do calor contribui para:
- Melhoria da dor
- Aumentar a extensibilidade do músculo retraído
- Diminuir a rigidez articular
- Diminuir espasmos musculares
- Aumentar o metabolismo e fluxo sanguíneo
Indicações
- Contraturas e tensões musculares
- Torcicolos
- Dores na coluna cervical, dorsal ou lombar
- Doenças reumáticas
Formas de aplicação do calor
Da mesma forma que o gelo, temos algumas opções diferentes para a aplicação do calor. Quando indicado, qualquer opção de calor é válida para atingir os objetivos, porém vale lembrar que se utilizado na fase aguda, pode ser prejudicial.
A aplicação do calor deve proporcionar uma sensação agradável. Seja qual for a opção escolhida, se o calor for excessivo, uma toalha deverá ser colocada sobre a pele para evitar queimaduras. Se for preciso, dobrar a toalha. Quando a temperatura da bolsa estiver agradável, pode ser utilizada uma toalha húmida sobre a pele, o que conduz melhor o calor.
Bolsa de água quente: é a maneira mais conhecida de se aplicar calor. Para isso, coloque água quente (não fervente) dentro da bolsa de borracha comercializada, tomando o cuidado de fechá-la bem para não haver riscos de vazamento e queimaduras. Manter sobre a região dolorida durante 20 minutos.
Bolsa de gel: para aquecer este tipo de bolsa, deve-se seguir as orientações do fabricante. Será preciso colocar a toalha entre a pele e a bolsa, pois a temperatura fica bem alta. Este tipo de aplicação permanece mais tempo quente que a bolsa de borracha. Usar durante 20 minutos.
Banhos quentes de imersão: eficaz para lesões da mão, pé, punho e tornozelo. Encha uma bacia ou balde com água quente com temperaturas aproximadamente entre 40ºC a 45ºC e mergulhe a área afetada (pé ou mão), durante 20 minutos. A imersão de todo o corpo em banheiras pode ser muito útil para alívio de dores e tensões nas costas, relaxando os músculos.
Existem também bolsas térmicas elétricas ou que se aquecem em contato com o oxigénio. Elas também podem ser utilizadas, tomando-se o cuidado com temperaturas elevadas.
O infravermelho pode ser utilizado, inclusive em casa, porém é preciso ter cuidado com a distância da lâmpada em relação à pele para evitar queimaduras. Iniciar com uma distância de 50 cm e ir aproximando até que o calor fique agradável. Neste caso, também é recomendada a utilização de toalha húmida entre a pele e a lâmpada para conduzir melhor o calor.
Precauções e contra-indicações ao calor
É preciso ter cuidado ao aplicar-se calor como tratamento nos casos de:
- Áreas com a sensibilidade diminuída ou anestesiada. Se for necessária a aplicação, testar primeiro numa área com a sensibilidade preservada.
- Insuficiência vascular: o calor aumenta a demanda metabólica sem aumentar o fluxo sanguíneo que está insuficiente e isto pode causar necrose tecidual.
- Hérnias discais: temperaturas muito altas ou profundas (ondas curtas ou microondas) podem piorar a compressão da raiz nervosa nos casos de hérnias discais, pois favorecem o aumento da circulação local e edema, o que pode piorar os sintomas. Nestes casos, pode-se utilizar calor superficial, como bolsa de água quente, que irá aliviar as tensões musculares, melhorando a dor, sem alterar a condição patológica da hérnia.
- Cuidado para não se distrair ou dormir quando estiver a fazer bolsa de água quente (ou de gel) porque pode causar vazamentos e queimaduras (bolhas).
O calor não deve ser utilizado nos seguintes casos:
- Lesões cutâneas (ferimentos abertos)
- Lesões ou traumas recentes
- Edemas
- Hematomas
- Hipersensibilidade ao calor
- Patologias vasculares
Conclusão
A crioterapia deve ser utilizada sempre que houver traumas ou lesões agudas por ter ação fisiológica mais completa e eficiente. Tanto os métodos de aplicação do calor como do gelo descritos nesta matéria, devem ser utilizados como parte de um tratamento e não como única forma de aliviar os sintomas. Por isso, é importante a orientação de um profissional qualificado e a consulta médica para que o diagnóstico seja estabelecido e para que o tratamento completo seja orientado.