Kibiwott Kandie começou a correr aos 16 anos mas até 2019, não se tinha dedicado a 100% à corrida.
Quando Kibiwott Kandie bateu o recorde mundial da Meia Maratona em Valência, muitos amantes da corrida perguntaram quem era aquele queniano. Pouco se sabia sobre o recente vice-campeão mundial da meia maratona. Com apenas dois anos na alta competição internacional e com triunfos como o que alcançou ao sprint na S. Silvestre de S. Paulo em 2019, Kandie era parcialmente desconhecido, mas não para Paul Tergat.
De onde veio Kibiwott Kandie, de 24 anos? A mudança de vida do corredor africano aconteceu há dois anos atrás, quando ele decidiu ir para Iten, o principal centro de treinos do Quénia. Até aí, ele dividia o seu dia entre o trabalho no exército (função que o governo do país africano costuma dar aos seus melhores atletas numa espécie de patrocínio) e as corridas. Como ele revelou, começou a correr aos 16 anos e aos 17, foi recrutado para o exército. Mas foi só aos 22 anos, que ele se decidiu a sério pela competição. Hoje, ele reside no melhor local de treino do país, tem-se concentrado na carreira desportiva sem ter que ir trabalhar e disputa provas internacionais.
Portanto, pouco há a dizer sobre Kandie até 2019. Em 2017 e com 20 anos, correu 5 km em 14.19,2. Até 2019, não tinha uma única marca que levasse alguém a pensar que um ano depois, ele bateria o recorde mundial da meia maratona com 57m32s. O melhor tempo obtido tinha sido de 59m31s em Lille, no Verão de 2019. Venceu depois a São Silvestre de São Paulo, com 42m59s em 15 km.
Vingança e Kiplimo como incentivos
A melhor referência para o potencial de Kibiwott Kandie é o Campeonato Mundial da Meia Maratona disputada em Outubro, em Gdynia (Polónia). Sagrou-se vice-campeão com 58m54s, a cinco segundos de Jacob Kiplimo. No final da prova, Kandie pensou em vingança. “Nessa corrida, eu forcei muito mas Kiplimo venceu, então disse a mim mesmo: ‘Em Valência, eu tenho que vencer Kiplimo e bater o recorde mundial'”.
Não foi um capricho repentino. “No início deste ano, comecei a pensar em ter um recorde. Não sabia se seria na meia maratona ou talvez em 10 km, mas disse para mim mesmo: ‘Vou bater um recorde este ano.’ Corri bem na época de cross (ele sagrou-se campeão nacional do Quénia, em Fevereiro), mas a pandemia destruiu tudo, todos os meus planos”, esclareceu sobre a sua época.
“Continuei a treinar sabendo que um dia finalmente, estaria numa corrida. Fiquei em boa forma e em Praga, alcancei a minha melhor marca pessoal (58m38s em Setembro). Mas a realidade é que trabalhei dez meses para esse recorde (em 2019, venceu a Meia Maratona de Ras al Khaimah, com um então recorde pessoal de 58m58s)”, afirmou já em Valência.
Treino de altitude
Outro fator que explica o sucesso de Kandie é que ele desistiu dos seus treinos habituais em Ngong (perto de Nairobi) naquela época. Ele alternava frequentemente a sua cidade natal com a dos atletas de elite. Queria melhorar e, como confessou, desde a derrota com Kiplimo, mudou as suas horas de treino pelas colinas junto à capital queniana para regressar ao centro do mundo dos fundistas quenianos. “Iten está a uma altitude mais elevada que Ngong e eu adaptei-me lá muito bem, treinei muito duro sem problemas de lesões”, explicou ele após o seu recorde mundial no domingo passado.
O sonho de ser Paul Tergat
O último ponto-chave que ajudou Kandie a chegar aos 21 quilómetros é sua admiração que ele tem por Paul Tergat. “Quando eu era jovem, costumava ouvir: ‘Paul Tergat, recorde mundial’. Isso ficou na minha cabeça. Ele tornou-se um modelo e eu costumava pensar ‘Quando eu crescer, gostaria de ser como ele, gostaria de correr como ele, Eu gostaria de fazer as coisas que ele fez’. Ele ainda me inspira”, lembrou o queniano depois de vencer em Valência.
Se Kandie quiser seguir na esteira de um dos melhores corredores de fundo da história, ela terá que manter o seu esforço, ambição e melhorar os seus pontos fracos. Será difícil para ele alcançar o curriculum de Tergat, apesar de ser atualmente vice-campeão mundial e deste seu recorde mundial. Para já, o próximo objetivo de Kandie é classificar-se para os JO de Tóquio, nos 10.000 metros. Mas não vai ser fácil porque as três vagas serão duramente disputadas e ele detém um recorde pessoal de apenas 28.57,7.
Ele já tentou uma vaga para Tóquio na maratona mas foi apenas terceiro na Malásia com 2h22m48s. De qualquer modo, as palavras de Paul Tergat permanecem como um dos seus principais estímulos: “Sinto que não posso dececioná-lo porque quando o encontrei uma vez, ele disse-me:’Tu podes seguir-me, tu podes seguir os meus passos”.